Um encontro com o mar

Sentado na areia
na orla da praia
nem uma gaivota ensaia
uma passada nas nuvens

Sentado na areia
nos grãos macios
a areia impregna
o meu vício de olhar
as ondas

Mas o mar anda tão
sem graça, não bebe
mais a minha dor

Não desafogo mais
as minhas emoções
não canto nem choro
a mesma canção

O mar anda tão sem graça hoje
o azul e o verde
trocados pelo cinza-negro
da minha solidão
do meu vazio sem solução…

As marés nada mais são
que minhas lágrimas
que vem e vão…
salgadas talvez
os meus olhos vermelhos
já não mergulham na paixão…

Latrocínio

Saiu de casa
fechou a porta
desceu as escadas
levando a bolsa

Receberia hoje
o mês de trabalho
pegou o elevador
apertou o térreo
deu um alô ao porteiro

Cinco metros adiante
ao dobrar a esquina
uma bicicleta a parou
da blusa saiu uma faca
ela se negou a render-se

A faca perfurou a garganta
a bolsa foi levada
não tinha nada
ela caiu no chão já morta
com a revolta
traficante deu meia-volta
e ainda a atropelou…

Inversão de valores

Uma inversão de valores
amar as dores
doer amores

Inversão de valores
feliz com a tristeza
triste com a felicidade

Temer o conforto
confortar-se com o temor
frio com calor
calor com frieza

Ver no belo feiura
na feiura beleza
amigo do inimigo
inimigo do silêncio
do barulho quietude
quietude tormento

Inversão de valores
amigos de mãos separadas
separados os amores
prazer na distancia

Gosto do saudade
não é maldade quando o peito aperta
pela bondade de ficar peto

Dois anos e meio

Foi liberto
dois anos e meio
em semi-aberto

Foi liberto
roubou um tanto
cheirou no canto
assaltou um bando

Foi liberto
chamado de elemento
mas foi esperto
nas noites do semi-aberto
não deixou que ninguém
chegasse perto

Foi liberto
passou o que não devia
solitário por três dias
porque fugiu à regra da cadeia

Mas o fato é que foi liberto
se fez amigos não estava certo
mas foi liberto

Do outro lado da rua
pensou nas torturas
de dois anos e meio
fazia meio que não
lhe visitavam mais

Pensou em ir pra casa
dar a notícia da liberdade
mas não quis deixar que quebrassem
a cara de um moleque sem fé
e antes que pudesse comemorar
estava condenado por fazer justiça
com as mãos, por um qualquer