Segundo plano

Se respirar fundo e deixar o vento correr pela minha face a brincar com aromas matinais, enquanto abro os meus olhos e estico meu corpo lentamente, posso sentir seu cheiro doce e suave a dançar em meu corpo. Abro um sorriso e sigo feliz ao espelho. Amanheceu. É mais um dia.

Vou encontrá-lo daqui a pouco no trabalho, mas antes o café forte na mesa, torrada amanteigada servida, queijo magro em fatias. Pego a chave do carro, tranco a casa. Desço à garagem e abro o portão. Do lado de fora, todo dia eu contemplo por um breve segundo o que consegui. Fruto de trabalho árduo. Agora, bom, posso pensar em amores.

Prioridade de segundo plano, mas tão fundamental ao ser humano, o amor. Não o romance, sem confusão. Já passei dessa fase de me enganar por precipitações de mim mesmo. Já me conheço, sei quem sou. Mas é hora de descansar. É como uma aposentadoria adianta. Momento de me divertir.

Não dependo de ninguém, apenas de meu nariz. Eu já me impus e supus, agora, já cansado do meu compromisso comigo, que posso me distrair com pequenas aventuras. Vou brincar com os sentimentos de alguém. Jovens sem preocupações. Esquecerão da loucura adolescente, e eu me esquecerei de que estive carente…

Turista emocional

Não sei o que está acontecendo comigo. Volto as origens de um blog, diário virtual de um jovem solitário. Tudo bem, não há como retornar plenamente aos moldes desse tipo de página que teve início no começo dos anos 90. Hoje, tudo aqui que parece uma resenha de um adolescente em crise pode ser simplesmente ficção. A juventude anda bem criativa, atualmente.

História inventada ou realidade de fato, não importa. Nem que eu diga usando o pronome “Eu”, estaria falando de mim. Poderia ser o eu-lírico, quem sabe. Enfim, enquanto você fica decifrando se é pessoa ou persona a escrever, vamos aos conflitos emocionais:

Acho que estou muito desanimado hoje, com o coração pesado e cheio de dúvidas. E é tão complicado quando a alma se pergunta… Tão inquietante ficar sem respostas. Em certos momentos tenho a certeza plena de que sou amado, outras nem tanto, e algumas vezes, é absoluta a negativa. Eis o momento em que me encontro. Ou que não me encontro.

Não reconheço mais o zelo, o carinho, a doçura. Não me tem total segurança mais. Meu porto-seguro está sendo trocado pelo caos aéreo de minha mente que insiste em viajar nas nuvens das incertezas. Mesmo que seja me dada toda e qualquer certeza durante muito tempo. Mas o momento que piso em falso é o que mais me abala, aquele que tem mais impacto.

Então há sangue. Porque o simples arranhão na incerteza tem aumentado. As bactérias da insegurança dançam em minha carne. É hora da festa daqueles que tanto me tem invejado. Tudo se abre, e a medida que fico com o peito exposto, sem resposta, a ferida ganha proporções gigantescas.

Choro baixinho. Os sonhos foram ilusão, concluo. Todos eles. Cada plano, cada cena, todos os momentos. Não existem mais os sorrisos das brincadeiras que pensei em fazer, pois sabia que riria; não há mais os lugares que iríamos juntos, nem o mar que pretendia te levar a observar; o sorvete que dividiríamos derreteu; as canções que gritaríamos por tamanha alegria já desafinaram.

Então eu acordo. A ira me domina. O tempo perdido, tantos planos jogados fora, tudo em vão. Já não há choro contido, as lágrimas correm sem barreiras. Meus lábios ganham vermelho-sangue, os olhos, a carne viva. O animal se rebelou, saiu de sua jaula emocional e já não come na mão de turistas. Como você tem sido sempre, em mim, enfim.

Passado, presente, futuro

Não viva do passado sem olhar o presente e nem desejar o futuro. Não esteja no presente sem esquecer-se do tempo que passou, mas não deixe de fazer planos para o amanhã. Pense no amanhã, mas não se esqueça do hoje, tão pouco banalize sua história. Esse é o grande lema do ser humano.

Quando, exatamente, viver passado, presente e futuro. A que horas eu visito o ontem, o hoje e o amanhã. Não é tão simples como tomar café da manhã, almoçar e jantar. Seria muito mais simples se achassem o ponto que separam esses três momentos. Não são estações do ano infelizmente. A única parada que nos resta da viagem da vida é uma decisão. Desço para visitar minhas aparentes-parentes-lembranças, construo mais trilhos para ir a diante, ou penso já em outro veículo de transporte.

Equilíbrio. O que sou, depende do que fui, e só fui porque pensei em ser, e só serei construindo o meu ser que já se transformou. Ligação. Pensamento. O fato, na verdade, é que só nos damos conta destes três instantes quando não vivemos nenhum deles. Quando paramos para construir a faixa que separa cada um dos três tempos.

Passado. Perfeito pefeito, imperfeito ou mais-que-perfeito. Só há estas denominações porque foi preciso viver para conjugá-los de maneira adjetiva. Presente. Não se sabe, só se vive; não tem ramificações, apenas estar aqui, escrevendo, sendo, agindo. Futuro. Do pretérito ou do presente. É futuro afinal. Só se pode mencionar o que já se foi, ou o desejo daquilo que se vive. É com base nos dois outros modos que se determina se faremos um futuro com consequências do passado ou do presente. Mas é o único tempo, no entanto, que pode transformar os anteriores.

Enfim, cabe apenas a imatura conclusão daquele que não sabe o que o futuro leitor concluirá por si mesmo: Em que momento fazer do clichê humano algo que já não se deve mais observar? Qual instante determina que se deva pensar ao assunto? E em qual, por fim, momento deixar estas indagações mais adiante?

Ora, se eu soubesse a resposta, não valeria de nada meu passado; porque dele já teria me desprendido. De nada valeria meu presente se já soubesse de antemão os rumos da minha vida. E o futuro seria esperado sem a menor das emoções…

Posse da vida

Dilma Rousseff, eleita primeira Presidententa da República Federativa do Brasil.

Comoção. É essa a palavra que mais se encaixa no contexto do primeiro dia do ano de 2011. É inevitável não mencionar a posse da primeira mulher a tomar cargo do maior posto de uma nação. E seria, sobretudo, irracional passar despercebido por este feito que marca a política nacional.

Mas, apesar de grande e extremamente emotivo momento, ressalto que não me agrada tal assunto. Apesar, é claro, de não ter sido literalmente irresponsável se não o assiste. Mulher. Essa palavra hoje, a partir deste dia, nunca teve tamanho peso para esta nação, e, mais que olhar para cima, para o cargo máximo, eu prefiro olhar para os lados.

Agradeço às mulheres que me cercam e que me ensinam a ser homem. Porque a elas se deve a vida em seu mais nobre ato. A elas se deve o carinho da criação materna, à educação familiar e social. A dedicação ímpar no trabalho – nas suas mais variantes e extensas formas e feitos.

Ser mulher. Não basta ser amiga, esposa, companheira, professora, mãe. Não basta ser carinho e fraternidade. Não basta ser fonte de admiração poética, cultural e inspiração ao longo de séculos. Foi preciso ser também dura – característica tão irraizada ao sexo oposto. Flexibilidade e agilidade de ser mutável. Isso é ser mulher, ser humana.

Porque tudo agora, ao menos por enquanto, ao menos nesse país, terá o feminino fortalecido. Pai e mãe, filho e filha, tio e tia, sobrinho e sobrinha, primo e prima, avô e avó, neto e neta, presidente e presidenta. É preciso olhar a nação com base na família. Na base de toda a pátria, seja ela democrática ou não.

Bom, o nome do momento é Dilma Rousseff. Mas eu quero que você perceba que não apenas temos uma dama com uma faixa no peito. Já possuíamos há muito o peso de um milhão de faixas sob o seio de uma mulher. A responsabilidade de fazer do recém-nascido um cidadão. A missão de fazer deste cidadão um ser justo e sábio.

Não sejamos ingênuos de pensar que só agora temos uma mulher na tarefa árdua de liderar. Porque já é sabido que elas lideram a casa, a criação, que só a mulher detém do dom de ser astuta, e ao mesmo tempo doce nas situações de mais complexo conflito. Porque ela já sabe, naturalmente, o que fazer quando dois filhos brigam. Só ela tem a capacidade de ser doce e prender a atenção gostosamente de trinta jovens dentro de uma sala de aula.

Os homens que me desculpem, mas é hipocrisia de minha parte não exaltar o devido valor que esse sexo representa. Ser mulher vai além de uma presidência, de um cargo. Ser mulher vai além de comandar a casa, instituições, empresas, setores.

Ser mulher é liderar a humanidade. Afinal, podemos ter a mais organizada das sociedades, a mais democrática das nações e o mais transparente dos povos, mas, cabe a mulher, e apenas a ela, voltando a mais elementar das observações deste autor, a origem da vida. E eu pergunto a quem ler este texto:

O que é um cargo de presidente, ou presidenta, como se tem agregado recentemente, perto daquele que dita a porta de entrada para a vida?