Gaveta

Biscoito na boca
uma mordida amena
café na mesa
pão, deixo de lado

Quero o gosto simples
da vida simples
das bolachas de água e sal

Quero olhar a janela despreocupado
ver os pássaros divindo as migalhas;
quero um sorriso manso no canto da face

Quero pensar em quem não pensa em mim
e escrever a quem merece, quero o café
o preto sábio que senta na esquina

A filosofia de vida das pessoas sem instrução
quero aprender a pedir, e a implorar
sem me sentir desconfortável
como a quem pede a um amigo conhecido

Não sei dos direitos e dos deveres cívicos
não me importa sequer o emprego digno
quero apenas passear pelo mundo

Fazer um amigo aqui e outro lá
viver da camaradagem alheia
das doações de quem aprendeu
que viver feliz não depende de nada

Que poder conversar no portão de casa
não é coisa de mulher desocupada
quero aprender a cantar músicas inventadas
lavando roupa suja

Quero a fúria dos meninos de rua
que não têm sequer vontade de aprender
quero a pipa no alto

O astral que vaga, e oscila
eu quero a rima livre
quero falar o que me vem à mente
que saiba, simplesmente, eu escrevo a você
sem intenção de lhe entregar carta alguma

Bom dia gaveta, tens mais uma carta pra guardar.