Sem mil vezes dizer que amo

Tem alguma coisa me incomodando,
há algo que me aquieta, mas a palavra
não laça e não sossega

Tem alguma ira, um desconforto contido
sei que isso não me pertence,
nem nunca andou comigo, perigo

De que minha armadura linguística
se quebre, sou tudo, o todo
de uma peste que se propaga,
sou vaga, mas também
mágoa que não aceita o castigo
de morar enclausurada no fundo do peito

Sou toda palavra que o corretor,
redundante, marca de vermelho e corrige
sou a falta de controle que o cérebro agride
a mente, a mão, sou de um turbilhão….

Gira, arrasta, carrega, sou cega,
perdida, sou fita perdida no vento,
um lamento do passado preso na garganta,
sou a manta que não aqueceu,
sou seu sem ter sido,
sou um inconformado escondido
no amor que não disse, sentir
senil

Beldade

Seu olhar é uma graça
que o meu olhar contempla
menino, não sei o que se passa,
mas já não sei mais fazer poema

Não com a delicadeza
que o seu rosto me solicita,
sei que sou poeta, mas seu corpo
é de artista

Dessas formas que a gente não traduz,
só teoriza, desse jeito com muita ou pouca luz,
desestabiliza

Não sei se a palavra é suficiente pra você,
se o meu sentir está pulsando manso no peito,
sentimento gostoso, um dengo, carícia d’alma
com respeito

Daqueles que olham o belo
e ao belo cultuam,
daqueles que olham o belo
e depois do belo,
tudo muda

Entrega noturna

Ficaria
a noite toda
conversando contigo

Gostaria
toda noite, a noite toda
abraçado no que for meu

Sei que
cada um entrega o que tem
sei bem
cada entrega que a vida me fez

Talvez o presente
não seja aberto agora
por hora, toma
abre amanhã

O meu eu já recebi
e estou desembrulhando,
desdobrando em vários
e até nos versos

Cedo demais

Estou tentando escrever
um poema de rotina
pra que não se quebre
essa mania de versos,
essa terapia não quero
interromper

Esse sábado tranquilo,
dei folga para o espírito,
dei atestado aos compromissos,
não quero obrigação

Curti a vida sem planejamento,
abri a porta do acaso e deixei,
deixei você vir

Com uma música boa,
sem nada na agenda,
comida gostosa na mesa,
cesta depois das onze

Cochilo bendito,
reflete a vida,
reflexo da corrida
que ninguém vence,
que ninguém perde,
mas absorve

Centrado e entendido
sei até onde cheguei,
sei onde quero chegar
sair desse não-lugar
pra sempre

Transformei, permiti mudança,
cansei de ser um velho em corpo de criança,
uma criança que não soube viver,
cansei de ser responsável e controlado por tudo

Quero ser mudo, nada de me justificar,
quero falar menos e talvez não ser entendido,
não deixar nada implícito, mas mesmo assim,
ter a certeza que você me lê
na interpretação que eu quis dar…

Ainda cedo demais,
eu, cedo demais