O incapaz

Eu sou o incapaz do século 18
negro escravizado que não viam como gente,
eu sou o incapaz do século 19
criança e mulher, – velho até – da jornada de trabalho absurda
eu sou o incapaz do século 20,
mulher, subjugada, incompetente para o alto cargo
Eu sou o analfabeto do século 21 que assina com os dedos,
sou o deficiente ainda visto como o doente merecedor de cuidados,
subestimado como o coitado da assistência social,
superestimado como o super-herói que venceu,
o exemplo, fora da curva.

Eu sou o começo de luta
que não podia votar,
não podia usar calça jeans,
não podia sair de casa,
não precisava estudar,
sustento que venha de terceiros

Eu sou o que não aceitou
o fato de ser menor ser humano,
fadado ao fracasso social
certo do destino ingrato traçado

Eu sou o incapaz
de aceitar a incapacidade posta
pelos capazes que sempre viraram as costas
do alto de suas concepções de merecimento

Eu sou o incapaz
de aceitar o farelo merecido aos porcos,
doado aos poucos,
pelos próprios incapazes
de ver a vida na sua plenitude

Eu sou o incapaz de não escrever sobre isso,
sou o incapaz de não ter atitude,
aquele grita mesmo, que fala ríspido e rápido
para ver se me respeitam

Eu sou aquele incapaz de engolir a demagogia
dos espaços das cotas de pouca representatividade,
eu sou a incapacidade da arte não decifrada,
eu sou o que não se dava por nada, – e surpreendeu –

Eu sou o esforço que não cedeu,
vencido pelo preconceito – jamais –
prazer,
– o incapaz

Sem meta

Eu já fiz muito,
sei que não se começa assim
um poema de começo de ano,
mas, compondo esse novo momento,
sem nenhum lamento, olho pra atrás,
porque há o que valorizar no ontem

Eu vou fazer mais,
ainda que não saiba
por onde ir, ainda que sem metas,
vida aberta, como o livro análogo,
liberdade de não ter rumo,
não nesse ano

Eu vou ser melhor,
sem rota, sem reta,
sem placa, sem trava,
sem meta

Objetivos, já busquei demais,
cumpri tarefas em excesso,
passei por anos idos de crise,
não quero crise mais, minha vida,
não vai ter mais ajuste fiscal,
não cometo mais crime de responsabilidade emocional

Vou me desfazer das pessoas doentes,
não quero mais ser paciente com quem
não quer se curar, eu vou me cuidar,
vou viver, viajar, me presentear,
vou ser leve, vou rimar mais,
rir mais alto e melhor

Vou fazer piada, chorar de risada,
vou buscar a minha atitude plena,
cansei de ser pequeno em alto mar
vou me derramar em oceanos,
atravessar o mundo, leve,
apaixonado pela vida que corre,
não comporto mais comportas,
não vou me sujeitar a barreiras,
nem buscar companhia… viver,
viver a maresia da minha própria poesia…

Nome do meio

Eu vou fazer mais e melhor,
com mais vontade, com mais carinho,
com muito mais empenho…

Não sou gênio, nem sei de tudo,
nem a minha autoconfiança é imunde,
mas eu vou sim, partir pra cima
e, se cair, que seja na rima

Eu vou fazer mais e melhor,
na mira: melhorar ainda mais o meu trabalho,
não basta ser operário, tem que manter o alto nível,
é o padrão das relações bem-vindas, atendidas,
acima da média.

Eu vou fazer mais e melhor,
para agradar o meu eu em evolução,
para ser maior do que fui ontem,
sinto muito, podem, incomodem-se,
eu não ligo

Farei mais a frente, diferente,
convincente – não ao status –
mas, aos fatos de que quem faz bem,
e faz direito, sempre em progresso,
gera o melhor dos protestos da emoção

Com prazer, elo, zelo e pelo que eu anseio,
mais e melhor, meu apelido e nome do meio..

Una-vida

De braços abertos a vida nos recebe
felizes que somos, a vida prevalece
sorrindo constantemente

Temos coragem para aquilo que nos propusemos,
nós fizemos um acordo: nem sei se assim, secreto…
Nem tudo é sofrimento, nós vemos o que queremos,
lapidemo-nos

O planeta se coloca como um afinado instrumento,
escola maravilhosa para o crescimento, aprendemos
querendo ou não querendo, a escolha já fizemos
construiremos o mais limpo som, refinaremos

Os ouvidos, as falas, os atos e as atitudes,
os ciclos que a vida propõe são fatos,
inegáveis e caros para aqueles que não vêem

Aqueles que enxergam mais longe e mais lúcidos
percebem que a sabedoria da vida não tem hiato,
não existe nenhum vácuo para a dúvida, última
via das vidas e outras curvas, ensinam na hora
que o antes, ontem, o hoje, o agora e o amanhã,
depois, pois, cruzam-se em eternidade
um grande espetáculo de arte, vida-una

Segunda impressão

Quem não me conhece
não me sabe, nem da metade
do que esse corpo passou,
das surpresas que a vida pegou,
julga sem saber, sem sentido
por me acharem sério e aborrecido…

O corpo reage diferente do espírito
que, mesmo maduro, não perdeu o carinho,
a doçura, nem o prestígio da companhia;
não jogou fora o dom da alegria,
a vontade de amar, a preocupação,
nem o apreço, o peso do íntimo

Quem não me conhece
não me sabe, não me percebe,
e eu, eu não peço a prece,
nem quero que você mude,
vou deixar você impune
de ter me visto, não culpo,
não, não, não…. Primeira impressão!

A segunda, a retificadora,
só pra quem merece, só pra quem sabe,
olhar os outros e ver pelo coração….

Peçonhenta

Cobra comigo não se cria
serpente rasteira e daninha
seu veneno não me afeta
sou soro que o vento leva

Seu veneno não me é malefício,
bebo com gosto e não me finjo,
sou persuasivo com o bem e o amor,
coisa de quem sabe da vida com louvor

Não preciso de mentira nem de chantagem,
a minha arte eu faço com o calor da honestidade….
Sem medo do perigo, minha mão carrega o pingo de antídoto
Não preciso matar a cobra, não meu ´perco meu tempo,
mas agora não rasteja para trás, o que você me fez passar
não vai me fazer mais, serviu de experiência

Não mostro o pau com o cadáver porque a lição,
por mais que seja doida, mudou a minha vida,
agora sou mais forte com o seu veneno,
imune à cobra que me feriu por dentro

Tapa na cara

Eu não gosto dessa palavra: Deus
não gosto mesmo, desculpe.
Já está carregada demais,
falam tudo, defendem tudo
do amor ao ódio, à morte,
à perseguição: Deus

Chega de manipular essa palavra.
Eu sei que dentro de cada um
há uma luz quando a gente nem sabe
se tem um túnel pra ter fim.

Eu só sei que o otimismo exagerado
é diferente da realidade, não se iluda.
Ninguém contou que o milagre chegaria,
até a mudança maravilhosa precisa ser construída.

É muito simples arrumar desculpa para tudo,
colocar uma pedra a mais no caminho
para dizer que a culpa não foi sua.

O fracasso dói mesmo, machuca,
mas tem gente que o persegue,
tem tendência para sofrer,
um mau gosto horroroso pela vida

Não precisa se envergonhar de cair em si,
se você mesmo não sabe o que quer da vida,
ninguém vai oferecer a solução, nunca

Isso é uma busca sua, ou não…
Já que prefere o pessimismo irritante,
olhar os espinhos, sem saber que
isso não é uma metáfora para as teorias
motivacionais humanas

Não é querer colocar um sorriso de esperança,
não vai resolver, só amenizar, empurrar
para depois uma angústia que a maioria possui

Não seja ridículo, por favor
toma conta do que é seu por direito:
Só a sua vida, faça por ela
o que ninguém faz por ela

Cansa ouvir o tempo todo
a mesma lamentação de sempre,
e nada tem mudado esse tempo todo

Não é somente uma questão de crer,
e quem vai deixar de desejar dias melhores?
Quem é louco a esse ponto?

Prática, perseverança, ah, disso…
Você desiste fácil, não é verdade?
A primeira pedrinha já é uma montanha!

E aí vem a oração fabricada,
a lamentação na ponta da língua,
a vida que não anda…
Deus já está colocado em dúvida,
logo você que se diz tão devoto!

Ninguém sorri vinte quatro horas.
A vida não é um mundo perfeito,
um arco-íris maravilhoso
o tempo inteiro

Por que pra uns a força,
o entusiasmo, a garra
nunca cessam?

É um toque mais forte?
Será que Deus carrega
alguém no colo e deixa
outro andar a pé?

Não tem mistério para a felicidade:
Fé sozinha não basta, coloque em prática!
Sinta na carne as porradas que a vida te dá,
aceita suas falhas sem culpar ninguém,
modifique-se com atitudes e humildade

O mar de rosas é uma farsa
que a sua inveja inventa
para justificar as vitórias dos outros,
e as suas, coitado… tadinho, cadê?

Cadê a vida na sua mão,
a confissão do seu erro, esqueceu?
Será que evoluir é uma questão de sorte?

O sol nasce para todos, a lua brilha pra todos…
Ninguém nasce com a bunda virada pra lua
porque todos nós recebemos a mesma radiação…

Sinto muito se ninguém pega os seus problemas
e diz: vem cá, vou resolver pra você um por um
porque estou com o tempo sobrando, com os meus já resolvidos

Poupe a vida das suas ladainhas, desse chorinho
infantil e ridículo que não te tira do lugar, ah,
sei lá quantos anos, não é?

Você vai ser perseguido, sim, sinto muito.
Vão querer puxar seu tapete várias vezes,
o tempo todo, todo dia, querido!

Isso não é uma guerra, ninguém vai voltar
e acabar com todas as suas lágrimas do dia pra noite.
Você mesmo que tem se açoitado com ilusões,
com esperanças infundadas e conformadas,
confortáveis aos acomodados…

A quem interessa saber, a realidade está aí,
para todos nós, sem privilégios.
Tem quem encare, tem quem se esconda
com medo de levar na cara hoje
pra sorrir amanhã!

Pistas da alegria

Quero um par para dançar
na alegria, dividir comigo
esse passo, essa energia,
multiplicando a felicidade

Eu quero essa mão colada na minha,
o riso solto dos timbres, dos sons,
do batuque bom que revigora, revigorará!

Vem pra pista comigo
ser criança de novo,
balança comigo no meio do povo
sem se preocupar

Somente esta intenção de ser você,
de ser pleno, não preciso de pena,
não preciso penar pra ser feliz,
é fácil, fácil, farei!

Você e eu, hey!
Rei da alegria,
sinto muito se
pareço gay
e não me incomodo com isso!

Só abrigo o bem,
estou zeen para as críticas,
ocupado demais com as vidas
que despertaram juntas nessas vias,
pistas de felicidade na pista!

Polivalente

É com garra que a minha vida anda,
com garra que a vida brilha,
com garra eu também sou mansa,
mas a garra me agita

Com força de vontade, sim senhor,
vou acelerando com suor,
não sou melhor que ninguém
mas não vivo na pior

Corro atrás e vou à luta,
com sorriso na cara,
sem disputa

Não preciso tratar a vida como inimiga,
nem tudo é árduo, uma grande labuta,
mas cá entre nós, é o meu passo
que não me faz estagnada, tartaruga

Tenho fé e vou em frente,
sei da vida que levo,
sei da minha gente,
e de tudo que faço,
sei ser polivalente.

Com entusiasmo e energia,
sou filha deste mundo,
não reclamo e não me mato,
mas acabo com os mal amados,
preguiçosos, vagabundos…

Madrugadas

Limpe seu coração das mágoas,
dessas águas sofridas de choro
você se afoga, e o sal dos seus olhos
desidrata

Reconheça os rancores como barreira
que você não passa, são muralhas,
socá-las só machuca as suas mãos, vai
quebrá-las

Entre o bem e o bem, meu bem
há muitas formas de aprender,
sei dos meus limites até você,
viver

Deseja a transparência,
questão de coerência com a vida,
que já se dizia há muito,
bonita

Por mais estranho que pareça,
é tudo uma questão de pretensão,
ou você pretende viver com riso, ou…
não

Se fosse assim tão simples,
todos escolheriam a mesma estrada
mas aí eu digo: É a mesma,
bifurcada

Cada problema vem com um enigma
ancestral são essas charadas,
dá trabalho desvendá-las,
destrancá-las

A felicidade é quase certa,
se você souber que a vida é engraçada,
faz piada com as suas dores, pra você sorrir depois,
madrugadas

Espírito da arte

Eu vi o espírito da arte
que paralisou o corpo,
que tocou a alma

Eu vi outros olhos
concentrados no nada
e no tudo, que é a vida

Eu vi o espírito da arte
que colocou homem em outra dimensão,
que cuidou do ser nesse espaço

Eu vi o contato com o além
que ninguém lê, que quase ninguém vê,
que raros tocam, mas ela tocou

Ela estava fora de si
dentro de si, estava
dentro de mim, fora daqui,
fora de mim, eu apenas observei

Eu vi o espírito da arte,
absorvi parte dele
que ela sabe que tem

Eu vi o espírito da arte
e contei para o mundo
eu contei um segredo

Eu vi o espírito da arte,
fiz fofoca pela arte,
faz parte, parte de nós

Catarse de catorze

A energia do ano novo já está crescendo,
vem vibrante e lindo, límpido ao coração.
Paz que bate na porta, que brota, contemplação,
antes que eu desapegue do passado,
meu muito obrigado

Os minutos passam,
dois mil e catorze ou quatorze,
como queiram, vem pé ante pé
dizendo para ir com calma até ele

Não faça muitas expectativas primeiro,
janeiro é apenas uma criança de colo,
e antes que a vida passe e tudo se repita,
mais uma vez, até a chegada do bom velhinho,
precisamos dos trilhos, do caminho, de um futuro
que só nós expelimos, nova idade, novidade.

Segue Comigo

Para professora Vania Bernardo da disciplina de Linguística I do curso de Licenciatura em Letras/Literaturas, Instituto Federal Fluminense, primeiro período letivo de 2013.
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Eu tenho uma meta de vida que Deus guia
põe a Mão por cima e diz: Segue,
sua luta Eu acompanho,
você faz parte do Meu rebanho,
Vou proteger o meu amado filho
porque ele tem sido digno de proteção

Luta, segue adiante, não desanima,
Estou na frente, protejo você
de quem não quer nada,
sua vitória está selada
porque Eu vejo seus passos

Sei que seus atos condizem
com Meu desejo, aceito
que você descanse em meus braços
porque apesar de não ser feito de aço
coloca-se na frente quando Eu convoco

Filho amado, comigo siga,
agradeça pela vida e pelo coração,
vou segurar na sua mão, e se preciso for
Eu pego você no colo
porque enquanto perceber que você
diz: Oro com convicção, Eu sei,
no fundo só Eu sei,
a que Rei você recorre!

De graça

Não se esqueça que eu te amo de graça
por favor, não empata o que eu sinto
procurando algum motivo que complete
a minha boa vontade de estar aqui

Eu sei que é estranho dizer
que eu quero você sem explicação
não preciso de um motivo,
não sou nenhum fingido em solidão

Aceita que eu te quero por perto
eu não te venero por condição,
sei que todo mundo espera
a hora certa pra pedir uma paixão

Mas aí quando ela chega, puxa uma cadeira,
senta ao seu lado, não precisa tomar cuidado,
não sou ladrão, nem cantada eu faço

Não se esqueça que eu te amo de graça
não há nada que eu faça querendo algo em troca,
troca comigo apenas o que você sente no ato,
não busque nenhum lado, nem teoria

Se eu não me sentisse bem fazendo o que eu faço,
certamente não estaria ao seu lado sem obrigação
sou espontâneo de qualquer jeito,
a vida me deu esse defeito
de ser sincero de fábrica

Não procuro por nada, por nenhum crédito,
nem agora, nem depois, não propus em momento algum
uma dívida com você

Eu te amo de graça, não se esqueça,
o que quer que aconteça, eu não te cobro
de nenhuma maneira, sob nenhum modo
vou doar o que eu puder, me desprender, sim

Não te dou nada rasgado, remendo não é coisa minha,
sentimento puro e embrulhado pra você abrir a caixinha
é um presente selado, não tem preço, mesmo,
não é mercadoria

Eu te amo de graça e não tem nada,
absolutamente nada que você precise trocar
aqui está a dose perfeita, a forma perfeita
pra você utilizar sem validade

Ajudante

As tuas bênçãos, meu Pai, agradeço!
O apreço que tens por mim, agradeço!
Por ter me dado muito mais do que mereço, agradeço!

As minhas recompensas, agradeço!
Por teu zelo, carinho, agradeço!
Por confiar a mim tantos desafios, agradeço!

Por me motivar, me dar força,
por fazer de mim vitorioso, agradeço!

A propósito Pai, sei que demanda
sob mim as tuas vontades,
mas não tens me isolado,
pelo auxílio, agradeço!

Sou guiado por ti, meu Pai,
nada mais; Me leva,
eleva a Ti, por mim,
permito-me.

Pai, em mim apenas a certeza
de que sem ti não poderia
nem mesmo metade do que me propõe

Agradeço por me dar condições
de a ti ser devoto,
obrigado pelo voto de confiança

Por me abrir portas sem pedir duas vezes,
por tocar quem precisa me dar passagem
por me permitir seguir por ti,
agradeço por ser assim, seu ajudante

Sem honras, sem fantasias,
mérito apenas de tua boa vontade
para fazer das minhas necessidades
apenas te servir.

Transfiguração

Coloco Deus na frente
e os aliados me cercam,
iluminam minha mente,
tirando-me das sombras

Parado não fico,
sou útil e vivo
me preparando
para as coisas do bem

O caminho é intenso,
não dói nenhum momento
as muitas tarefas propostas

De resposta o meu corpo
coleciona apenas cansaço,
mas minha alma não se importa,
diz que sou feito de aço!

O espírito agradece,
o conhecimento enriquece,
liberdade que emocionada,
transfigura o corpo,
enaltece a vida
que transborda!

Confessionário

Para Analice, professora de Teoria da Literatura, Licenciatura em Letras, primeiro semestre do ano letivo 2013.1, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

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Eu gostaria de saber quais palavras usar para esse poema.
Falta a palavra ideal, a pontuação correta,
a entonação no papel para este poeta.

Tudo deixou de ter ordem agora, e isso inquieta.
Talvez seja esse o princípio da inspiração, ou não.
Este congelamento de como dizer, vem de antes.

Porque a inspiração já é um estudo esquematizado
do que a alma expressa, já há um conceito.
Aqui não existe tentativa nenhuma de lucidez.

Nem mesmo na escolha de verbetes.

O dia em que se cala o poeta,
em seu próprio poema,
é o dia em que ele se rende
a sabe-se lá o que, ainda não inventado.

Um sentimento tão forte, e tão desconhecido,
que seria audácia do instinto de escrita,
até mesmo para ele, colocar isso na roda.

Nesse momento a sensação que se tem,
se me permito então qualquer alusão
ao que está terreno, tocável, seria:

Duas torneiras que se abrem,
e a medida que se desce o elevador,
cai uma gota no interior, morando a essência,
e uma gota mora nos olhos, mas não cai

É a emoção no encontro, no ponto…
O oceano que transborda por dentro
não tem a mesma água do mar que salga o olhar

O dia que se calou o poema,
que se trancou o verso no inverso
do desconhecido, calou-se qualquer sentido
de escrita, porque ela limita – muito –
o que se sente, e o que se pinta na sua mente

A palavra agora deixou de ser companheira confortável,
para ser qualquer outra coisa que coça, que provoca,
qualquer outro sentido disperso,
dispenso qualquer nova loucura de dar rosto a essa bela criatura
que não se diz poeta, sendo poeta sem palavra alguma

Afinal, para calar o poeta das palavras
é preciso a poetisa dos sentimentos
que desperta no primeiro o desejo
de capturar a segunda de algum jeito

Ainda não disse tudo:

Não sei se por conta
da delicadeza, jovialidade de espírito,
não sei se o assunto contribui pra isso,
mas querendo ou não, merecendo, ou não,
há naquela que cala o poeta a chave

A autoridade suprema de destravar
duas possibilidades de ver o mundo:
Aquele que toco, que vejo, que recorto em palavras;
E aquele que eu não me lembro, está intocado pela matéria,
por tantos eus poéticos, por mais que se tenha mil personas,
não alcanço o que me trouxe até aqui, o que me fez ser assim,
nem consigo dizer até onde tudo isso deseja me levar.

Sentidos da poesia

Abro meus sentidos,
mesmo que sentido
por tantos tropeços

Abro meus sentidos,
na prece sentida
que tece melhorias

Abro meus sentidos
no sentido do progresso,
mesmo que tenha vivido
na contramão, um sentir perverso

Abro meus sentidos,
no sentido da paz interior,
desqualificando qualquer outro sentido ruim

Abro meus sentidos ao novo estágio,
viver no sentido de ser operado
e um operador da paz e do amor

Vou dando sentido à vida,
uma outra direção pra minha querida,
a poesia

Absolvida

Cada dia é uma luta diária para a felicidade,
mas quem foi que disse, no começo da história,
ter essa necessidade de batalha toda hora?

Por que esse esforço alucinado,
por que a perseguição desenfreada,
se a felicidade pode ser camarada da razão?

Entre muitos sujeitos, a felicidade virou adjetivo
quase sempre um privilégio que poucos reconhecem…
De outra maneira, mais superficial eu diria,
felicidade tem se tornado predicado
que exige o complemento da vida

Entre muitos eus, muitos vocês,
entre muitos eles, aqueles, elas…
Aquela que não tem descanso

Proponho o descaso, o descumprimento,
proponho a liberdade, o habeas corpus,
concedo a inocência por falta de provas
de que felicidade é culpada pelo crime do sofrimento,
agravado quase sempre por uma ilusão que não se realiza

E na mente dos réus, diante do júri da consciência
muito maior é a clemencia pela justiça depois de constatada
a condenação equivocada dessa tal felicidade que não tem culpa de nada

Lições no caderno

Que eu exercite minha humildade
e que reconheça a minha fragilidade,
que eu desempenhe bem o meu papel
de ser um grande caderno em branco

Que as minhas poucas páginas escritas
não sejam definitivas como um livro…
Que eu possa ser passível de correção,
mesmo que eu precise reescrever partes

Que eu perceba o quanto o aprendizado
amplia meus horizontes e me abre portas
para que eu pare de olhar pelas janelas,
para que eu pare de ver pelos olhos outros

Que eu reconheça a limitude do muito que eu sei,
para assim compreender o quanto meu ego
tenta sempre dominar as minhas barreiras,
impendindo-me que as derrube

Que eu seja perseverante nesse exercício
para que eu possa ser uma pessoa melhor
sem falsas atitudes, mas com devoção à simplicidade

Porque dentro da minha complexidade,
eu preciso aprender a transparecer o físico,
transpor-me da carne e dos vícios,
transpassar-me ao melhor caminho, ao amor

Sentimento arrebatador

Meu amigo, a você mais um presente
para que você saiba que para mim
você foi um presente enviado por Deus

Cada suspiro seu de desgosto
cada lágrima sua e cada desânimo
hoje é muito pouco para te derrotar

Porque eu sei o quanto você é forte,
o quanto essa mesma pessoa fragilizada
já se mostrou capaz de me fazer a pessoa
mais amada e querida desse mundo

Não se iluda com meia dúzia de pessoas fracas
que não descobriram em você a mesma pessoa abençoada
que em tantas outras oportunidades devolvia a outros, sorrisos,
a alegria de viver e reanimava o próximo para a vida

Lembre-se sempre que essa pessoa debilitada não é você
Eu não lhe conheci assim, você pode ser diferente,
você sabe sorrir, você é minha expressão de admiração e amor

Não se entristeça, pois eu tenho certeza que você é forte,
muito mais forte, e protegido pelo calor poderoso dos justos,
daqueles que fazem o bem, e que se é assim, meu bem,
você tem a proteção desse sentimento arrebatador

Ergue a cabeça, por favor, você não deve temer a ninguém,
não se preocupe se alguém lhe machucou, tenha a piedade
desses seres baixos, ignorantes, por favor

Eles não sabem o que fazem ferindo anjos, cortando a carne,
não sabem que podando as suas asas eles causam um mau interior…

Mas não desista, não fraqueje, você sabe a importância
de ser uma benção para muitas circunstância, e a vida já lhe mostrou
que esse seu papel, essa sua missão é muito mais importante,
bem mais relevante do que todos aqueles que desejam atrapalhar
o enorme poder do amor

Parte de mim

Quero abrir os meus trabalhos para esse ano novo
desejando de novo o mesmo de tantos outros dias
que você sinta a alegria de viver, e de amar
que você sonhe alto, sim, e voe baixo, aos poucos

Sou louco para te ver feliz e bem, realizado, sendo alguém
e que a mim não reste nenhuma obrigação de obrigado…
Esse é um papel que desempenho sempre com prazer,
não especialmente a você, é um dom particular

Sou assim mesmo, não quero apenas você tranquilo,
aceitando que você pode ser seu melhor amigo…
Isso não sou eu quem te trago, é você que esconde…

Não guarde mais as suas realizações no medo, não
você pode realizar sonhos incríveis da forma que você pensa,
assim mesmo como seu olho tem brilhado só no imaginário

E vem, me diz aqui, por que não?
Qual é a dificuldade, afinal?
Pra qual realidade você quer voltar?
Em qual real você quer cair, se isso é relativo?

Por qual razão a sua realidade não pode subir
para se viver o melhor que você pode querer,
o que te impede?

E não me cabe aqui nenhum obrigado,
agradecimento nenhum, eu proponho…
Não há necessidade, eu componho,
eu escrevo isso, e te transmito isso
porque é assim que é…

Parte de mim, parte de mim…
Naturalmente um prazer,
sem esforço e sem dor,
automaticamente,
necessariamente,
Parte de mim…

Cronometragem

Ainda que a hora passe, que você não vá;
que não me deixe, mesmo que o dia acabe;
que não se cale para mim, eu insisto

Podemos ter mais de duas horas felizes,
nós merecemos longos momentos de felicidade,
ora sim, por que não?

Podemos ter a eternidade alegre,
sermos bem dispostos ao amor
mais do que apenas alguns momentos

Ainda que não nos reste mais nada,
por que não ao prazer da vida, me diga,
por que temos que ter cronometragem?

Regrida o tempo, mas não me agrida,
não nos agrida, em suma…

Desmarque todos os compromissos…
Tudo pode ser reagendado, meu bem,
tem tanta coisa ainda para festejarmos…
Por que abaixar o som na melhor hora?

Desmarque a agenda, desligue o celular,
hoje não tem reunião, nem planilha pra calcular…
Esqueça relatórios, prazos, fuja dessa loucura
um dia apenas, um dia apenas…

Sou seu agora, estou aqui, vamos viver a vida,
vamos viver a vida, e não deixá-la nos viver
Sou seu aqui, estou agora, vamos fazer o nosso sonho…

A utopia existe e nos é presente, pode ser vivente…
Não deixe anoitecer para sonhar, e nem viva o inconsciente
se somos cientes de que dá pra acontecer…

Exercício de humildade

Quem sou eu pra ser melhor que alguém?
Aliás, quem sou eu apenas, para me comparar ao outro?
Quem sou a não ser aprendiz da vida e do amor, quem sou?

Senão uma alma que tenta acertar, errando, às vezes.
Senão um ser humano falho, mas nunca farto de aprender.
Senão um homem com um caminho incompleto, ainda longe do fim.

O exercício da humildade passa muito pelo ouvido,
e o exercício da humanidade desce ao coração

Quem sou eu senão aquele que acerta, depois de muito erro?
Quem sou eu para me vangloriar por um acerto depois de noventa e nove erros?
Quem sou eu que falando muito, não digo nada e ouvindo muito, falo tudo?

O exercício da paz de espírito não é coisa puramente divina, não.
Tem que vir junto de trabalho exaustivo, mas não há necessidade de ser árduo.
Tem de vir do coração, mas não precisa de sofrimento, não.

O exercício da humildade passa muito pelo ouvido,
e o exercício da humanidade desce ao coração.

Quem eu sou sendo assim tão arrogante, me achando dono da verdade?
Um equivocado, não mais que isso, um errante…
Quem eu sou? Nada mais que um aprendiz com ego inflado
achando que uma única lição bem feita já me dá o certificado…

O dever nunca estará cumprido, querido, ele não acaba tão cedo.
A tarefa é ouvir mais, e falar menos, é falar menos e ouvir mais, ouviu?
Não queira ensinar o que você aprendeu… Isso é tão vago e tão pouco…
É tão pequeno se achar grande com tão pouco aprendido, mesmo vivendo muito…