Sê eu

Onde buscar poesia
nessa vida atribuída
atribulada
atrapalhada

Em dias de chuva
sem a florada das flores
sem o orvalho que ressignifica

Livre-arbítrio
preso em
compromissos
de receitas
de remédios
não tomados
de diagnósticos
infundados
infecundos
infrutíferos

Em busca do que é belo
para justificar mais um
dia sem gosto, insosso
feito sopa sem tempero
sem vontade de cozinhar
ou de coser para pensar
em tempo a perder

Compartilhar a vida
em traços de compartimentos
sem buscar lamentos
para os elementos distintos
de várias personas do eu

Por onde anda os meus desejos
que já não se vocalizam mais
em minhas palavras
escritas ou faladas

Muita coisa já não passa mais
pelas minhas mãos, não produzem mais sons
O verbo transmitir – direto –
já não diz mais nada

Fragmentos de paz e de silêncio
evitando aborrecimentos
emburrecimentos
emudecimentos de reflexão

Flexões do tempo
que sabe passar
sem instrumentos
em amadurecimentos
ao longo dos meus
seres meus
em um só

Incompletudes imprecisas

Eis que sinto ausências
passadas a limpo
presentes no limbo da memória

Eis que sinto desconfortos d’alma
que a mente ainda não decifra,
sequer investiga, nem busca respostas

Eis que esse estado confunde,
ilude e decepciona sentidos,
sentimentos, semi-círculos de vivências,

Incompletudes guardadas em versos imprecisos

Necessários
Deslocados em estrofes

Eis que sinto vazios não percebidos
lacunas do tempo do eu que não sofre
sem fundamento, e sem angústias

Contemplação das incongruências
de existências não lineares

Fica à vontade

Fica à vontade pra ser o que você é
mesmo que ainda não saiba quem você é.
Eu gosto de descobrir junto com você
o caminho que você está seguindo
mesmo que ali na frente você volte

Fica à vontade pra pensar em voz alta,
fica à vontade pra falar em voz baixa,
fica à vontade pra manifestar a sua dúvida
fica à vontade

Eu vou interagir, não criticar (às vezes, sim)
eu vou participar da construção do seu eu
se você me der essa liberdade

Não tenho olhar terapêutico, nem clínico;
retirei dos meus olhos o vício de ver maldade.
Temos um acordo não dito de reciprocidade
pra você se sentir à vontade, e sentir o que quiser,
e poder chorar, se quiser, e rir também feito louco

Aos poucos, a gente se entende, e se entende que a gente é gente,
e muda o tempo todo, e testa novos jeitos de ser, e sonha e se frusta
de novo, de novo e de novo, sabendo ser mil de nós;
amparados pela mão que não julga, pelo olhar que compreende…
há diferentes formas de existir e de ver o mundo

Eu quero conhecer outros mundos, outros lados,
outros fatos, outras curvas, outras práticas ocultas
que só você sabe que sabe de você mesmo

Descobre comigo, numa companhia madura,
de quem tem a paz de espírito necessária
para ser de toda e qualquer ajuda

Multitalentos

É o que se espera
de todo artista
que ele domine o sentido da arte,
que saiba das palavras, das músicas,
das imagens, das obras-primas, das rimas,
cultura esculpida a la carte

Que compreenda a literatura,
a partitura, metades de tudo,
movimento do corpo e da mente,
disposição para a escrita
das várias formas de sentir a realidade

Ah, o artista, multitalentos da expressão humana,
disfarça o que é,
cria a realidade do outro,
causa empatia com a voz e com as mãos,
mimese de outras dimensões,
os traços da criação…

O tempo

É preciso parar o tempo,
não parar um tempo,
nem rever prioridades,
nem reaver conceitos

É preciso parar o tempo:
o tempo da culpa, o tempo que corre,
o tempo que consome, e o tempo que comove

É preciso parar o tempo:
o tempo da angústia, o tempo do passado,
o tempo do futuro, o tempo de presente

O tempo da vida não muda,
o tempo da vida não morre,
o tempo não faz curva,
o tempo não nos socorre

O tempo é o tempo,
unidade que existe, ou não
o tempo é invenção do homem
que move até constelação

O tempo não pára, nem deve caber o clichê,
o tempo não existe, o que existe é você,
o relógio não quebra, o compromisso, não cessa,
a justificativa só consome um tempo de esperas

O tempo é a falta de atitude que não se tolera,
o tempo é um reverso daquilo que não há,
o que não cabe imaginar,
o que seria da gente sem o tempo,
sem tempo para nos controlar

Respostas da vida

A chuva vem da nuvem negra,
o progresso, pelo pico da adversidade.
Em toda crise, surge a prosperidade
e toda questão de saúde delicada
requer cuidados, sem vaidades

Toda alma triste está procurando a felicidade,
e para cada problema não resolvido ainda há o caminho,
há capacidades em desenvolvimento

Em todo alento, um novo rumo
e em tudo que é novo,
rege a ansiedade

Toda matéria incompreendida
requer estudo, e todo saber
tem por sequência um esforço anterior

Se a vida fosse fácil e tranquila,
não me daria ao trabalho de provocar o meu interior
Se a vida fosse fácil e tranquila,
querida, não brotaria sequer uma flor

Se é da luta que se sai do casulo,
a borboleta, sem nenhum barulho,
não inspiraria o amor

Se a vida fosse só pausa,
o mar não teria seu encanto.
Se ondas alegassem sofrimento,
de pronto, e de momento,
abaixo das águas não reinaria a vida

Se a vida fosse só poesia,
não existiria o poeta,
o poema, antes disso;
um vazio de ideias,
um conjunto de palavras,
um amontoado de letras

Sem sentido
a vida é
sem mudanças

Cuidado divino da vida

Diante das mudanças,
para vida solicito esclarecimento
e a todo momento que as aflições que me atingirem,
não sê triste;

Oh vida, amplia meus pensamentos,
em auxílio pequeno que eu possa conceber
vindo de você, tão linda a me ensinar
a ser aprendiz

Aquilo que um dia eu fiz
cometendo qualquer equívoco,
é pelo vício de acertar e ser melhor

Eis que vim do pó, e que a evolução se faz constante,
aceite o meu momento de latência terrena
e me elucida com as experiências que a vida resguarda,
acima e antes de mim, bem antes do tudo e do agora

Oh vida, se abra as portas do conhecimento,
tece em mim, pelos fios condutores da transformação,
a reação renovadora que me solicita a existência

Coloco-me á disposição da consciência da vida
que tudo sabe, tudo rege, tudo agita, e tudo compreende
para prestar socorro a qualquer momento,
utilizando das minhas mãos, das minhas falas,
das minhas atitudes, aquilo que, com plenitude,
se solicita

A paz de espírito e a calma da atuação,
me conserve de pôr em prática…

Qualquer intenção que eu não possa medir no hoje,
mas se agiganta no amanhã, que a Deus pertença…

Cuido da minha gente,
cuida de mim,
cuido do que posso,
cuido por servir à vida,
a vida que cuida de todos nós

Hoje eu não sou o eu de ontem,
e do amanhã não sei;

Hoje eu tenho a prece
e que não se apresse qualquer
amém

Há quanto tempo

O tempo é uma decorrência de percurso,
ele não cura, nem perturba ninguém;
O que nos cabe no tempo é o aprendizado,
a mera mudança de hábitos, de palavras, de gestos;

O tempo é percurso do ser,
a contar-se de que maneira for,
mas, é bobagem

O que difere o hoje e o amanhã
não é o tempo, mas, a mudança,
o aprendizado e o ensinamento

O desejo de novidade,
o destempero do agora
não é o daqui a pouco,
isso é pouco,
o cronológico

Falo o óbvio:
Há crianças bem esclarecidas
e maduros humanos, ainda crus

Cada um leva a cruz
do tempo que não vale madeira,
nem esforço,
o tempo é um esboço do progresso
do todo

Verdadeiro eu

Muita gente promete ser afago
e vira um fardo na alma,
quando a gente ainda não aprende a retirar
as máscaras dos falsos anjos

Não adianta a promessa de estar sempre junto,
o pra sempre é o tumulto que cabe no peito,
não tem jeito: é seu processo, sem saída

A esperança cafajeste da solução fácil
não está na mão estendida que ajuda,
a labuta própria não pode ser vendida,
é um fato filho da puta!

A roda do tempo tem girado,
a atitude é o passo que não adianta outro dar.
Pêndulo do progresso, eu te peço, guia
o corpo e a mente, o coração e o começo
de um novo fim, o recomeço

A roda do tempo tem girado,
e mostra, entre os pratos quebrados
que a cara não quebra sozinha,
é minha jornada, toda minha

Na reação há ação invertida,
investida de intenções,
suas ações revestidas de bondade
são vãs contradições

Gira a roda da vida,
e se agita, que o mundo não espera,
e grita, grita, grita
companhia bendita do verdadeiro eu…

Experiências

De manhã, quando acordo e vejo a janela aberta,
o ar entra, frio e rígido, cortante
perturbando o sonho, o sono anti-compromisso

E a escova de dentes, o olhar perdido no espelho
a pasta que escorre até o ralo, já foge de mim.
Consulto o relógio sem reação, nem sei precisar
se perdi a hora ou não, são tantos vícios

Tudo se confunde no papel
e eu nem sei direito qual é o meu
entre sorrisos fáceis, rasos e tortos
a vida tem as suas regras,
impostas ou me imponho?

É a sala de aula reproduzindo a burocracia
combinações de gente morta, vivendo uma vida vazia
a busca de um pedaço de papel

A mãe que liga e chora calada,
e eu que choro a saudade, distante,
sem me calar, e as lágrimas gritam quentes

Tudo parece ter perdido o sentido
sequer sou filho mais, direito
detesto o meio termo
entre a criança e o adulto,
finjo-me de guerreiro

E quero confundir o mundo,
sabendo que as minhas atitudes
não precisam de roteiro,
sou inteiro, o caos

Os amigos não me visitam mais,
e os círculos sociais aprofundam
o meu desespero

O meu despreparo para o mundo
que não enxergo, cria outro,
paralelo

Sem sentido, minhas emoções entornam,
consumindo até a última gota de consciência
que achava que tinha, tornando-me ilha
de dúvidas, e de líquidos intragáveis

Tudo parece convergir ao transtorno,
tudo parece se entender nessa forma louca
dos meus julgamentos

Busco não me envolver, e de afastamentos,
em separações escolhidas a dedo,
eu me perco a esmo

E não consegui ouvir o cantar dos pássaros de manhã,
nem o cachorro da rua pedindo carinho pelo caminho,
o meu vizinho, ao bom dia, que não respondi

Há pedinte de carinho de afeto quando passo na rua
e eu não meço esforços para correr, para não perder tempo
E evito quem senta ao meu lado, quem troca sorriso
querendo uma caneta emprestada

Na empreitada do viver, eu perdi a sintonia de tudo
só existe a bolha das minhas músicas e dos meus gostos,
meus filmes preferidos, e um – nem sei se tão – querido amigo
capaz de me escutar, quando eu falo pelos olhos
o que minha alma não materializou expressar

Sinto ser lindo, mas não sei se sou
há dúvida onde estou, sobretudo
quando existe o limbo
do viver sem saber quando o caminho
deixará de ser torto

Tonto, eu me mordo
buscando explicações
perdi as ligações de um recém-conhecida
que queria um livro emprestado, dito mais cedo

Certo de que olho com os olhos d’alma
fecho os ouvidos do corpo,
tranco a boca do corpo,
punhos prontos ao soco – de ira

Transcender ao metafísico,
perco o vigor do homem
porque não entendo os pedidos de criança
ainda não realizada

Não devo ser alma penada no mundo,
vagando sem rumo, sem norte,
sê forte sem ser fraco,
é o fato que gera aprendizado.

Óculos ímpares

Deixo os pares de óculos sobre a mesa
tenho outras visões.
De qualquer maneira, não se enxerga
o que é preciso ver
diante das lentes não mais tão grossas do ser

A minha alma, grosseira, refina constante;
é outra dimensão que se vislumbra
ainda que em matéria miúda

Alguns pontos agora são claros,
tendo foco e preciso:
não turva e nem embaça

A vida é graça de olhos fechados,
não vendo o mundo…
não vendo o mundo;
nem me compare, nem me compre

Desvendo o horizonte
sabendo do passado

Calmo, a claridade não me incomoda.
Debaixo de tudo, tudo que se crê demais
é fácil, fato, falso

É mentira que se fez acreditar
e da qual não topo rever, por comodidade;
mas, é a idade que chega – peneira da ignorância

A paciência faz criança nascer
faz o homem viver bem
e o velho morrer em paz

Não preciso mais
de óculos pra ver
o cristalino estado de
óculos sobre a mesa

Vácuo

No vácuo do tempo
tudo é um estado parado
que não verso mais,
nem de frente se encara

É um movimento solto no tempo-espaço,
é opaco, e sem rumo, o vazio do tempo,
um nada, um vão, é mar seco, e praia sem vento

É o vácuo do sentido literal,
da palavra que não vê fundamento,
é o eco do ethos humano,
a brecha do discurso,
da legislação e do momento

No vácuo do tempo,
sentimento confuso,
não sente nada

É uma faca de dois gumes não afiada,
é a certeza na dúvida, o marasmo,
um fantasma, é a falta de sorte,
é o contínuo não-fim da estrada

O vácuo do tempo é o horizonte no avesso
que se vê de longe, mas, não se sabe o preço.
É a chegada que a gente temia,
o não saber se chegaria… que, de fato, se concretiza
– quando se chega, e não se chega onde –

É o vazio da caneta,
o nada do homem
que nem homem sabe se é

O ego que se diluiu,
o desconforto da falta de fé,
é o vento que ganha espaço,
o nada é o combustível do pé, o nitro
Do avião quebrando a barreira do som,
e o seu som que não me chega ao ouvido.

É o vácuo do tempo,
das embalagens fechadas,
é o nada que quando aberto,
explode na cara

É o termo não descoberto,
o vácuo do significado,
é o sem nexo do movimento,
passo em falso na escada

Perder tudo que não se teve,
o verbo não rasgado, o vácuo do mundo
é o sentido ter mudado, sem rumo

É o amigo que brinca e não toca na mão,
é a sua mão que não segura mais a minha,
o princípio da contradição

O pior dos vácuos da vida,
não é o vacilo que se fez ocupar,
não é o silêncio que fala muito,
é aquele que eu não consigo mais amar…

De já, vi

Eu tropecei dentro de mim
e caí por cima dos meus egos
sim, são múltiplos
para cada grupo.

Contudo, todos reconhecem
um mesmo eu

Incrédulo, cético,
sério, vivo,
aqueles olhos fundos
que você não tem coragem de encarar

São visões de mundo, a de todos vocês,
que já não sabem por onde olham,
e eu digo: por aqui

Porque caí dentro de mim,
mergulhei em queda livre!

Pode passar um filme na sua mente

A lua não mente no céu,
está lá forte e decidida
– para alguns recaída –
minha amiga

Dentro de mim
descobri
que consigo me ter,
consigo me ver para além,
também para fora

Sei lidar com a minha presença,
não pedi ausência, sorrio.
E me contento, contemplo
o mundo a minha volta,
e sorrio (em paz)

Minha vida não me incomoda
vi meus fantasmas e está tudo bem.
Eles me ajudam a psicografar
aquilo que eu acho que vem do lado de lá
na verdade, eu já vivi, sou o mesmo eu
déja vu

O ontem da vida passada,
repassada nessa vida,
parece futuro

E quando eu vejo o futuro de outrora
eu agradeço, já conheço minha história.

Paciente

É o poema o remédio da alma,
na expressão da arte da dose certa,
que alivia em prece reta
entre a vida e a experiência do poeta

São ampolas do tempo que se maneja,
e se manipula a palavra que escorre na veia,
são as correntes de energia capazes, sempre,
de aquecer o corpo e animar a alma

O poema pede calma, cama e repouso;
pede reflexão, paixão, mas repouso;
pede cuidado, pede zelo, mas repouso;
e por pouco, de pouso em pouso,
vai cicatrizando o que era sofrido

E no rito não atesta alta alguma,
nem permite afastamento algum,
mesmo em dias comuns, incubadora das letras,
vai recolocando na alma que escreve e que lê,
o parto e o renascer de um novo
paciente.

Estado de graça

A vida que você leva
é leve ou te leva?

É preciso ter prazer quando se vive
seja no trabalho, em casa, na roda de amigos,
viver bem ajuda a encarar os desafios da matéria

E em matéria de desafios fortes,
viver é uma gama de sortes e sortes
quando você se sabe forte e leve

Quando se aceita o caminho que se escolhe,
a gente anda com mais segurança no desconhecido.
Tem sempre a surpresa do caminho a ser vivido,
mas, não cabe pavor ou angústia quando a gente entra na sombra,
no breu da escolha que vai se rompendo nos passos

Viver bem, ainda que nem sempre otimista,
quando a gente entende o motivo da partida,
ajuda a ser luz, mesmo sem ser espiritualista

Quantos são aqueles que mesmo na descrença do divino
sabem, não raras as vezes, honrar as oportunidades da vida?
Valorizam o que têm em vez de ambicionar um pouco mais,
e se caem, não desistem, podem até não tentar de novo;
buscam outra meta mais ajustada ao que podem fazer.

O que fazer quando não se sabe o que fazer?

Parar o passo, agradecer o discernimento,
o pensamento e a reflexão, a primeira atitude da razão.
Se é que a vida não anda nada bem, se está valendo pouca coisa,
não é essa a sua trajetória, volta e se refaz.

Encontre-se e tome para si um outro rumo,
crie o mundo! você é parte dele, não assiste!
Se auto-admite! Ser vivo, vive! Até chegar onde?
No seu estado de graça.

Estrutural

Não quero nada que fira a minha integridade,
de verdade, sou de safira, em uma parte.
Comprometo-me com o mundo, mas, a essência,
não tenta mudar, não seja covarde…

Tem uma parte do meu espectro
que eu não nego, não abro mão,
sinto dizer que eu não caio em contradição

Sou de várias frentes, muitas formas,
maleável, a verdadeira caixa de Pandora,
mas tem um eixo, a espinha dorsal
que me sustenta desde o meu ancestral…

É o meu norte, o meu ideal,
minha concepção humana,
visão de mundo, mudo tudo,
menos o que me é estrutural…

Em tramitação

Estou em processo
de construção da vida,
de desapego do ego,
de desprendimento de vaidade

Em processo de saber viver,
aprender e aprender ser,
ser melhor, menor,
mas, sem falsa humildade

Estou em processo de metades,
relativizando o que vale a pena.
De verdade, muita coisa já não vale mais,
mais nada, sem curiosidade, sem entrega,
desapega, desencosta, agora e com sinceridade

Estou em processo de verdades
que não foram fabricadas pra machucar,
são só constatações de resultados parciais,
uma vez mais

Estou em processo,
dinheiro não me compra,
situações não me obrigam,
o afeto não me pressiona,
a grita não me cala

Em processo de ser eu mesmo,
de me colocar a par do meu próprio eu,
descobrir onde está a outra parte de mim,
que não cedeu ao mundo de outro,
ao amor de outro, ao calor de outro,
desejo, outro, expectativa do outro,
serei inteiramente meu

Colação de graal

Eu não vou embora
agora, só uma fase provisória
está passando como tudo
que um dia termina, finda

Ainda fica, não me venda
desvenda tudo que a gente fez,
eu sei o quanto crescemos
outra vez, mais uma,
pela quarta vez

A vida segue seu curso
o discurso é o de menos,
o que mais importa é a certeza
que no quarto ano não ficaremos

Fiquemos para a posteridade,
pós co-ação de grau,
colação de grau,
bebendo o Santo Graal
da sabedoria que lograremos
e logramos ao longo de um caminho
que cada um vai retornando
pela origem da ignorância humana

Desconstruindo pessoas

E quando não se dava nada por alguém,
a doação total constrangeu,
e quem disse que o mendigo na rua
é coitado, a compaixão dele cedeu
a partilha do pão de ontem

E quando se achava um ser humano perdido,
perdido foi o ego ferido, quando ferido,
por aquela mão que se estendeu

E quando o cuidado necessário se fez presente,
mas o dinheiro não pôde bancar,
quem nunca foi cogitado se ofereceu sem centavos.

O idoso moribundo ainda pode cuidar das crianças,
a criança frágil e pequena diz verdades escondidas das outras bocas,
o jovem imaturo também ensina que a coragem não se ensina,
quando o sistema sufoca tantas adultos maduros,
o deficiente é servidor público que trabalha e não foge do ponto,
e o ponto final é só um blefe.

A vida nos pede a reincidência das reticências

O Eu que mora em Mim

Eu
sou o cara
da piada pronta
do raciocínio rápido
do humor do improviso
e do ato imprevisto

Eu
sou o cara que não procura,
mas se acha a cena certa,
acerta e vai em frente
com coragem e de peito aberto
aquele que não mente

Eu
sou o cara que observa
sou mera leva daqueles que se importam,
assumo a culpa daquilo não feito,
desse jeito que mata no peito o problema,
o lema da coragem, que dá a cara, as duas faces

Eu
sou a fase que segura a oportunidade,
fruto da confiança na espiritualidade,
aquele que abre caminho, fortalece o próximo
o lógico que encurta o problema,
e resolve

Eu
sou o abraço inesperado,
a outra cara da moeda que vira
no tapa que a vida dá no pulso

Eu
sou o impulso do que será o amanhã,
sou o divã do passado, o silêncio que responde,
sou o bonde esquecido, o mais charmoso coletivo,
não deixou o sorriso antigo ser morto,
o representante dos esquecidos sem voz

Eu
sou aquele que desamarra mais nós
que as orações sem atitude,
o fugitivo das escrituras inúteis,
a ação que desilude e desperta,
a peça que ninguém toca

Eu
sou o medo da mudança,
aquele que toma a frente,
o primeiro dos loucos
que todos depois seguem

Eu
sou a Dimensão que se expande, o big-bang,
aquele que tomou ciência da amplitude de ser
Eu

Una-vida

De braços abertos a vida nos recebe
felizes que somos, a vida prevalece
sorrindo constantemente

Temos coragem para aquilo que nos propusemos,
nós fizemos um acordo: nem sei se assim, secreto…
Nem tudo é sofrimento, nós vemos o que queremos,
lapidemo-nos

O planeta se coloca como um afinado instrumento,
escola maravilhosa para o crescimento, aprendemos
querendo ou não querendo, a escolha já fizemos
construiremos o mais limpo som, refinaremos

Os ouvidos, as falas, os atos e as atitudes,
os ciclos que a vida propõe são fatos,
inegáveis e caros para aqueles que não vêem

Aqueles que enxergam mais longe e mais lúcidos
percebem que a sabedoria da vida não tem hiato,
não existe nenhum vácuo para a dúvida, última
via das vidas e outras curvas, ensinam na hora
que o antes, ontem, o hoje, o agora e o amanhã,
depois, pois, cruzam-se em eternidade
um grande espetáculo de arte, vida-una

Poema do orçamento público

I – 50

Merrequinha inflacionada
poucos mantimentos, quase nada,
quando você vê já foi embora,
basta minutos, sequer hora

II – 300

É começo de conversa do dinheirinho,
no mercado, ainda, o básico,
a metade da primeira necessidade

III – 800

É o cheiro do e no mínimo hipócrita,
não cabe defesa nem argumento,
se for ver bem, é mais linda manobra
do vintém

IV – 1.800

já não há tanto o que reclamar,
se souber aproveitar, bem que o aceitável,
conversa fiada, um chá, compras pequenas,
um mimo aqui, outro lá, bem de vez em quando,
calha de nomear ordernado

V – 3.000

E se me permite o comentário,
já dá pra começar um negócio simpleszinho
se a renda vier de um lucro bem administrado

VI – 6.000

Já se anuncia o empreendedor
com terno de segunda mão,
já tem cara de doutor,
ainda sem condição

VII – 15.000

Aqui a coisa muda,
se vislumbra pequenas economias
que, quem sabe um dia, será usufruto
da tranquilidade

VIII – 40.000

Já vem o capital itegralizado,
sociedade do comércio,
uma transição de requinte baixo nesses versos

IX – 80.000

É perfil do investidor de primeira ação
que pode abrir mão do hoje pelo amanhã
capital de visão

X – 150.000

É o ato dos pequenos fazendeiros
terra pequenina de rebanho,
pecuário dos sonhos,
da casa no subúrbio da praia

XI – 300.000

Já tem teor de importância,
apartamento distante do centro,
a filha já sonha com casamento,
apresentação social

XII – 800.000

Já vira prêmio de capitalização,
pra qualquer jogo de médio porte
que, com sorte, e muita sorte,
resgata um carro de pequeno porte
com laço de fita vermelha,
e mico de entrega no brinde

XIII – 2,5 milhões

Três meses fingidos de atuação,
supostamente trancafiados pela direção
de alguma emissora sensacionista

XIV – 5 milhões

Alguns órgãos ainda chamam de verba
para desviar dez por cento
pra conta de qualquer colega
por compra de voto

XV – 20 Milhões

É o primeiro passo de um orçamento
de uma mega empresa em expansão
que vende sonhos, mas cobra por ligação

XVI – 200 milhões

Já caminha pro aporte
descontrole de todo tamnho
são muitas mãos no mesmo cofre

XVII – 500 milhões

É a política pública mal feita
o cartel com a quadrilha de pilantras
que desde a planta do terreno já afunda

XVIII – 1 Bilhão

Orçamento geral de relevância
para doar casa popular aos montes
é a fábrica da cesta básica dos pobres

XIX – 30 Bilhões

Investimento do Governo Central
pelo aperto de mão em outro país,
já dá pra montar um circo decente
para os indecentes do País

XX – 500 Bilhões

É a obra pública bi-lateral
que já chama a atenção da mídia
internacional por alguns dias

XXI – 1 Trilhão

Majestosa pela própria natureza
és o gigante, colosso que ninguém domina
é a rima que ninguém entende
como pode tanta gente produzir tanto
e ver tanto não voltar pra gente?

Oras, horas

Dentro de mim há fantasia,
e realidade também
Sei que a poesia brinca
com essas duas verdades
sem dizer porém.

Dentro de mim há
morte e vida, luz e sombra
música viva, música pronta

Dentro de mim há o tédio
há também a vibração,
além de tudo, não há nada
flutuo em contradição

Dentro de mim há transparência,
mas também mora mistério,
hora eu quero, hora renego,
ora, relógio,
ora, o tempo

Ora há Deus,
ora há inferno
ora ao céu,
ora ao inferno,
Há hora
ora, há!

Interno

Quando outro homem,
apavorado, agitado,
intranquilo, eu
precisava mudar
para me permitir
o sossego daqueles que
precisam, de qualquer modo,
do silêncio que não perturba

Conturbado, sem a lucidez,
ácido, bem longe da doçura,
detectei o que me atormentava,
ataquei os males que me incomodavam,
e hoje, depois do esforço diário,
contínuo mesmo, incessante,
o alívio e a garra agora
são a coragem do tempo novo

Esse tempo novo tem sido recomeço
do amanhã, que desde então, desafia.
É um amanhã que não cobra o ontem,
que não joga na cara o quanto se deve
para a vida, que só deseja, adrenalina,
essa vida que cumpre o seu papel
e me perguntou qual o passo que eu dei
para a paz interior almejada num outro plano,
na ilusão do céu…

Segunda impressão

Quem não me conhece
não me sabe, nem da metade
do que esse corpo passou,
das surpresas que a vida pegou,
julga sem saber, sem sentido
por me acharem sério e aborrecido…

O corpo reage diferente do espírito
que, mesmo maduro, não perdeu o carinho,
a doçura, nem o prestígio da companhia;
não jogou fora o dom da alegria,
a vontade de amar, a preocupação,
nem o apreço, o peso do íntimo

Quem não me conhece
não me sabe, não me percebe,
e eu, eu não peço a prece,
nem quero que você mude,
vou deixar você impune
de ter me visto, não culpo,
não, não, não…. Primeira impressão!

A segunda, a retificadora,
só pra quem merece, só pra quem sabe,
olhar os outros e ver pelo coração….