Casa cheia

Faço um gesto
ambidestro
saia pela direita
saia pela esquerda
me deixa
dançar com outro par

Sei quando não sirvo mais pra dançar,
eu nem encaixo mais com seus passos,
outrora, tão cadenciados…

A nossa coreografia já não tem o mesmo compasso,
já desalinha quando eu me refaço dos seus laços,
ensaio já não me reserva nenhuma dor
quando a gente tenta o mesmo número desgastado

É o fim do espetáculo
já tão visualizado…
o artista quando cansa da turnê,
encerra o espetáculo

Saia pela direita,
saia pela esquerda,
escolha o seu lado

Eu vou pelo centro
cumprimentar o público,
mesmo de saco cheio
da casa cheia…

Fim

Eu quero me afastar
deixar de lado
o tempo que passamos juntos
nós nunca estivemos perto

Eu quero
cancelar todos os planos,
descumprir todas as normas
da eternidade, do para sempre

Eu quero chegar à finitude,
não desejo mais contar os anos,
vou embora amanhã

Eu não quero despedida,
isso não é um ultimato,
nem um aviso prévio

Eu já fui e você não me deixou,
já estou do lado de fora,
meio indiferente

Não guardo saudade,
já passei dessa fase,
não peço desculpa,
não tenho o que pedir,
nada mais

Não vou relembrar
os melhores momentos
e os piores apertos,
não faça isso também

Não deixe espaço na memória
para o meu nome, nem para a minha vida,
e não houve uma nossa, em momento algum

Não tenho do que pedir perdão,
nem te perdoar, nem tão pouco
culpar o tempo por nada

Acabou e está acabado
isso não é um basta,
e não guarde esperança,
definitivamente não tem recomeço

O que acabou está aqui
sem dor nem piedade,
nem amor, nem maldade,
é apenas o fim das minhas letras
em três letras apenas…

Depois que morre fica tudo aí

Depois que morre fica tudo aí,
não adianta chorar pelo defunto,
não tem nada de luto, acabou de partir

Paletó de madeira, pensou muito, deu bobeira,
a vida passou assim, pensou que era brincadeira,
caiu na besteira de achar que tinha tempo

Pra quê? Que tormento, acabou seus momentos,
a vida não é passatempo, passa rápido,
e você, que fiasco, virou muquirana, deu um de bacana,
preocupou-se com tudo, não conheceu o mundo,
mas fez a viagem, estamos aqui de passagem,
coisa curta é a vida, capricha no caixão,
seu dinheiro, levou pra onde, patrão,
sete palmos ao chão

Pensou que teria casa no subsolo?
Morreu com remorso, não tem mansão,
não tem gaveta, não tem ilusão,
a família briga pelo que sobrou
enquanto pra você acabou

Depois que morre fica tudo aí,
o carro de luxo, o telefone mudo,
deixa na caixa postal que foi ladrão

Mas o celular não é seu,
querem dividir a herança
seu tempo de bonança
ficou na lembrança
dos infortunados

E você, pobre coitado,
morreu, deitou em espuma qualquer,
economizaram um pouco o que você guardou feito louco
– e defunto precisa de conforto?! É tudo igual! –

Vai decompor, não adiantou o título de doutor
nem de barão, afinal de contas vai cair na escuridão,
depois que morre fica tudo aí, tudo aí, para usufruir

Coisa que você não fez, fazer o quê?
Depois que morre fica tudo aí,
depois que morre fica tudo aí
fica tudo aí, depois que morre!

Alta velocidade

Não me interessa seus caprichos,
coisas de um bicho bem adestrado,
destes que são mimados até para deitar no caixão

Tudo é cuidado, tudo é proteção sem sentido
não me interessa a sua orientação, não importa;
Coisa banal demais se você tem carro do ano, coisa e tal

Tomara que seja multado, reboquem o seu amuleto social,
status para publicar na rede, compartilhar no face,
tomara que curtam sua falta de postura, erro cruel

Bafômetro não respira, é bem isso que me dá inspiração,
indignação, que lhe cassem a habilitação!
Sem habilidade nenhuma, quem foi o louco,
aloprado que lhe permitiu a condução?

É recondução de tantas vidas antecipadamente
para a morte, ou para a vida mutilada…
Eu maltrato a língua, a Portuguesa que registre bem:

A revolta deste alguém que despreza compaixão
com assassinos em alta velocidade

Absolvida

Cada dia é uma luta diária para a felicidade,
mas quem foi que disse, no começo da história,
ter essa necessidade de batalha toda hora?

Por que esse esforço alucinado,
por que a perseguição desenfreada,
se a felicidade pode ser camarada da razão?

Entre muitos sujeitos, a felicidade virou adjetivo
quase sempre um privilégio que poucos reconhecem…
De outra maneira, mais superficial eu diria,
felicidade tem se tornado predicado
que exige o complemento da vida

Entre muitos eus, muitos vocês,
entre muitos eles, aqueles, elas…
Aquela que não tem descanso

Proponho o descaso, o descumprimento,
proponho a liberdade, o habeas corpus,
concedo a inocência por falta de provas
de que felicidade é culpada pelo crime do sofrimento,
agravado quase sempre por uma ilusão que não se realiza

E na mente dos réus, diante do júri da consciência
muito maior é a clemencia pela justiça depois de constatada
a condenação equivocada dessa tal felicidade que não tem culpa de nada

Luto

Fonte: Google Imagens

Fonte: Google Imagens

É preciso muita sensibilidade
para chorar o desconhecido
para sentir que tantos partiram

É preciso mais amor pela vida
numa fração de segundo, e tudo muda
famílias se desfizeram no enigma,
na pergunta da existência…

No questionamento da dor
só resta o luto…

– De um estado, um país, –
cento e oitenta ao menos,
– até no mundo –

Manhã de vinte sete
na madrugada a alegria,
amanheceu triste

E quando ainda nos perguntamos
porque isso tudo ainda existe,
nos corações ainda humanos
a tristeza se instala…

A reflexão e o pesar nos acompanha
na complexidade daquilo que há,
do lado de lá, ao Sul…

Imensurável imaginar a dor da partida,
por tantos que ainda restavam tanta vida…
Fatalidade de um tempo em que tudo é rapidez
seria utopia, senão insensatez, uma palavra de conforto…

Se também me pergunto o quanto o tempo é louco,
quando se pensa que ainda nos resta muito,
uma trapaça do acontecimento nos mostra o pouco…

A fragilidade da vida só não nos é mais evidente
enquanto estamos na zona de conforto,
em meio a este acontecimento, acordamos,
comovidos, em luto

——————————————————-

Pela tragédia na boate em Santa Maria/RS  em 27/01/2013.

Às 11:23  a estimativa de óbitos era de no mínimo 180. Às 15:05 são confirmadas 232 mortes.

  •  Horário oficial de Brasília.
  •  Horário brasileiro de verão.

Decepção

A decepção carregue contigo
porque comigo se chama frustração,
Cabe-me apenas as suas expectativas
que não se concretizaram

Cabe-me apenas a sua cobrança
mas eu não sou fiador dos seus sonhos
nem cobrador dos seus atalhos

A você cabe a responsabilidade
pelos seus muitos planos
que não foram colocados em prática

E na prática sou apenas uma ilusão,
sou o fantasma do seu remorso
pelas muitas alegrias que te esperam
e se entristeceram

Não me torne seu heroi
eu não sou nada além
eu não sirvo como exemplo
e exemplo seu, só o espelho

Cabe-me apenas a sombra
carrego comigo apenas o fantasma
das farsas que você queria esconder
debaixo das minhas asas

Lata de lixo

Antes de se amassar papel e jogar no lixo
como indignação pelo pensamento mal formulado
antes de os dedos se juntarem em ira do punho fechado
aqui um recado amassado de desejo:

Eu e você sempre tão amigos
sempre tão confidentes
de uma hora pra outra
intencionalmente
fomos pegos pela farsa

Há tantos invejosos ao bem do outro
querendo desmerecer aquilo que feito loucos
– ironicamente – nós dois sempre desejávamos

Mas na primeira armadilha ardilosa
você escorrega nesse casca de banana maldosa
que terceiros, tentando destruir o meu peito,
colocaram em nosso caminho

A primeira pedra do trajeto foi suficiente
para quem se achava esperto comemorar
e pra mim, amigo sincero, praguejar

Mas, apesar de saber de toda a verdade,
eu prefiro amassar nossa amizade nesse papel
porque não vou representar nenhum ato louco
para um amigo que se dizia tão imune
prefiro aos maldosos à impunidade
e ao amigo fraco, a lata de lixo

A eternidade de um amor que se finda

Eu sei que você pode ser cruel, apesar de dizer que me ama,
eu sei do revés que virá se eu fugir da linha….
Eu sei que você me adora hoje intensamente,
mas também seria ingenuidade não ver a fera
que habita seus olhos quando os lábios
pronunciam singelas palavras de carinho

Eu sei que o rio que refresca e me dá água doce,
eu sei que esse mesmo rio do qual bebo tranquilo
deságua como um vício em mar tenebroso,
de águas escuras e salgadas, capaz de me levar para baixo,
para as profundezas, me matar nas correntezas e me jogar nas pedras do desprezo

Eu sei que as mãos que afagam também sabem se fechar,
eu sei muito bem que o presente que me entrega,
pode vir a ser mera lembrança de um passado bom
e aquela carta amassada que você rasgou com ira,
eu sei que um dia me trouxe belas rimas

Eu sei muito bem que a língua que me invade
que vasculha dentro de mim a verdade do amor
amanhã terá a aspereza da indelicadeza de não, infelizmente,
ter a generosidade para preservar nossa intimidade, sendo afiada,
desafiadora de minhas mágoas mais fortes, quando o que era inquestionável:

A eternidade de um amor que se finda

Pobre coitado

Não sou obrigado a gostar de quem não gosta de mim,
eu suporto, mas não gosto… Quando é possível se afastar…
Vem cá, bem cá entre nós, vou te falar a verdade

Essa falsidade falsificada de amizade
não me engana, nem adianta,
não vem que não tem,
tentando me deixar mal
não vai durar muito ao meu lado

Eu quero é respeito, sim
eu mereço, sim
se está pensando que vai puxar meu tapete,
não tente, não perca seu tempo,
que de tapete eu não caio

Isso é pra quem está lá embaixo, como você,
eu já subi a escada do sucesso, e essa sua inveja
querido, eu não tolero

Eu quero ser bem tratado, sim
eu quero comigo quem me faz bem
e não é qualquer um,
não é ninguém que viva de tratos,
contratos de relacionamento interesseiros

Eu mereço educação, sim
coração, se você pensa que vai me ver por baixo,
muito pelo contrário, eu não me faço de coitado
pra conseguir sequer um mísero trocado

E, meu caro, quando eu estiver por cima de novo,
mesmo quando eu puder pisar no seu calo,
eu estarei muito ocupado sendo feliz
e você, pobre coitado, vai continuar
rastejando ao meu lado se dizendo infeliz….

Des-encefalecer

Controlar as feras psiquicas, muito pior seria
se eu não tentasse, se eu me sujeitasse apenas ao meu isolamento
ao confinamento dessa mente que, ferida, leva a cada dia a mais ácida mordida ao intelecto

Não há remédio que controle, não há camisa que isole, e antes que eu implore
no último filme da minha mente consciênte, e antes que eu chore
por qualquer coisa que não sei o que

Sinto muito, mas o caminho fui eu quem escolhi
por favor, não tenha pena de mim
tenha pena de quem acreditou na saída
quem ainda viu a vida gritar em mim
presa nos meus olhos

Presa de meus erros
na pressa do apego
de não ser compreendido

E assim se constituiu o vício
ferindo à construção familiar
e antes que a reflexão se perca,
perceba, é realmente literal

Hoje, por motivos alheios,
sinto falta do cheiro a me matar
das roupas, o odor, o clímax de me perder

E para dar um ar cômico ao recheio
sinta o trágico desfecho ao se constatar

Que as camisas de força, as internações,
as injeções, e as orações daquela moça,
não têm adiantado muito

Ainda me lembro de absurdos
que minha mente luta para não esquecer

Aquela senhora que um dia chamei de mãe
hoje ergue as mãos para me benzer

Para bem dizer é ela quem precisa de oração,
já cansada de viver, roubei-lhe os bens
materiais e humanos, para me entregar aos erros mundanos
ao me des-encefalecer

Degolando mentiras

Desce com vigor as escadas
com hobby riscado de giz
cabelos semi-molhados
em passos lentos

Escorre pela mão
o ódio, a fúria
que figura em batom
vermelho-sangue

Há de pagar aquele homem
que em meio a tantos
conseguiu ludibriar
finalmente, Lumiar

De jeitos mil sempre conseguiu
trapacear os companheiros de noite,
mas, novamente, cometeu erro de cair

Tropeçou na escada a essa sutil lembrança,
era ainda criança, na casa dos quinze,
quando, perdida de amores, foi jogada na sargeta
tratada como gorjeta de um homem pouco mais velho

Hoje, próxima aos trinta e cinco, pensava ter aprendido
suficientemente o necessário para não cair mais ao conto do vigário
Infelizmente, coração aloprado, não permitiu a ela o controle

Envolveu-se com traficante de amores, quando em viagem a Europa,
e naquele instante, embalada pelo novo ritmo de vida, deixou-se levar;
Eram jóias, perfumes, requintes restaurantes, anel de ouro, pôs a casar

De volta ao Brasil, tantos cantos a viver, ele escolheu casa luxuosa, de fato,
mas o combinado era ser de interior pois, alegava, queria vida pacata, depois de anos de trabalho.
Mal sabia Lumiar, que Euclides vinha foragido, bandido procurado, estava cercado, ameaço de morte

E então, sob a escada de olhos negros como o pano dos derrotados, viu seu amado degolado
com um bilhete escrito à sangue pelo assassino:

Sinto muito a viuvez, mas ele precisava pagar a insesatez de matar a filha de meus mandantes,
criança de quartorze anos, cheia de vida, finda por este crápula.

Lumiar, boquiaberta, via seu amado morto, e lhe matava por dentro saber
que cometera mesmo pecado que tanto lhe feriu na mocidade…

Frascos cinzas

Aroma de saudade
com fragrância que
arrepia a pele

Sem custo estimado.
Embora se conte primaveras,
nada se compara as tantas Rosas,
que partidas, deixam seu cheiro.

Em um dia do ano, a doçura prevacele,
entorpece os sentidos com a química
e o odor da solidão.

Recipiente que guarda cravos apodrecidos.
Com o passar do tempo vira apenas embalagem,
que a todo instante nos resta contemplar.

Frasco fragilizado pelos anos idos,
cheios de doces lembranças que predominam
às amargas de uma vida complicada,
após a decantação do tempo.

Palavra de Deus

Certa vez, ao passar pelo quarto de seu filho, a mãe se depara com a criança fazendo sua costumeira oração de fim de dia. Encantada pelo momento, ela para à soleira da porta para observá-lo, com as mãos pequenas unidas sob a cama, e de joelhos ao chão, em prece:

– Senhor, sei que sou jovem, mas já estou tão cansado… Meus pais dizem que criança não tem motivo pra isso, que a minha vida é boa e que eu não faço nada além de estudar. Sei que estão certos, mas mesmo assim tenho estado triste esse tempo todo. Minhas notas são boas e meu comportamento é legal, mas a tristeza ainda é grande. Peço que me ajude, Senhor. Não tenho motivo algum para estar assim…

Então, a mãe suavemente entrou no quarto com um sorriso no rosto, dizendo que era hora de dormir. Rapidamente o filho ficou de pé e se ajeitou na cama, em quanto a mãe o cobria.

Antes de sair, porém, a mãe parou perto da porta e considerou uma resposta ao filho:

– Querido, sei que fez essa pergunta a Deus, e só Ele vai poder te responder como é preciso, mas, quando se sentir nesse estado, quando o mundo inteiro estiver perfeito e você angustiado, lembre-se sempre que esse sentimento é simples de entender: Quando tudo é ótimo para o mundo, mas não satisfaz o Deus dentro de você, a luz se apagará.

O filho, atento às palavras maternas, demorou alguns segundos para perceber que a luz do seu quarto acabara de ser apagada, e que a mãe saia, quando o menino retrucou:

– Mãe – Sim, filho? – Deus esteve aqui e já me respondeu…

Dança das viúvas

Meu bem, meu bem
quanta falta você me faz
quantas lágrimas se desfazem
na minha pele envelhecida
na minha sudade contida
de meu velho, minha vida

Meu bem, bem meu
quanta falta de seus tropeços
das suas noites bebedo
em que eu lhe dava banho no chuveiro

Mais pra lá do que pra cá, era você
partiu de tanto beber, e sem me beijar
me restou uma pobre velho
corpo podre, e lábios quase secos
cheios de mau cheiro

Meu bem, que falta você me faz
dos braços fortes, para trocar a torneira da cozinha
das pernas longas, para trocar a lâmpada da varanda
do carro, para me levar da casa das amigas à quitanda

Que falta você me faz, meu velho
e sabe de quê mais me lembro, ironicamente?
foi em um dos bares desse quarteirão
que em meio ao partido alto dos bebados do asfalto
você me pediu em casamento

Ah, meu velho, eu aceitei prontamente
e, oh, que falta me faz seu jeito imperfeito
de ser você perfeitamente….

Deficiente visual

Há dúvidas nesse mundo todo
não me desespero, não choro
não quero mais pensar nos problemas

Desde que a humanidade começou a se organizar
têm surgido interrogações que até hoje não responderam
não há motivo para que eu fique triste por não solucionar
pequenas inconstancias da vida, assim tão depressa

Não vou mais dramatizar, não vou mais me cobrar
soluções milagrosas para perguntas que o tempo me fez
se eu não responder, a vida vai me dizer o enígma

A charada da vida está nas graças contidas,
nos sorrisos, na partida, ao abrir da janela
enquanto você pensa nos raios da manhã
eu penso nas flores ao se abrirem

Tudo que nos surge, tudo aquilo que nos ilude,
nos engana porque olhamos a vida com foco errado
somos míopes da divina sabedoria, somos estigmas
de uma vida deficiente visual

Sábado passado

Certa noite acordei de um pesadelo
e quando me vi consciente era meu suor sufocando
minha respiração acelerada falhando
minha garganta seca, queimando

Acordei de um pesadelo, sábado passado
tinha cheiro de sangue, de uma ferida qualquer
eram minhas lembranças de menino machucado
visitando minha mente de adulto amputado
de esperanças para um futuro feliz

Quando a caixa das lembranças me acordou
e saiu dali um palhaço assustador
com um sorriso falso nos lábios
por eu ter dado corda nas minhas lembras
eu acordei assustado

Era um sábado que eu quero esquecer
da farra com os amigos, das bebidas
da balada até ao amanhecer

Não há nada nesse mundo
capaz de tirar do meu peito essa dor que me consome
não resolve meus problemas fingir ser feliz ao anoitecer

As luzes de neón, o barzinho, um bem querer
o apoio dos amigos, Deus me livre de você
lembrança maldita de criança que vem me entristecer
faz da minha insonia doença cancerígena que parece não ter cura,
ou remédio que diminua o meu medo de lhe rever…

Sem sentido

Eu vejo meninos iludidos
almas aflitas, perdidos
artilharia pesada
alma penada com o futuro entregue

Balas à venda na lachonete
tiros de ak-47, marchem!
Sim, senhor!

Matem e defendam
morte por encomenda
trajados de verde
sede de sangue

Olhos profundos,
o primeiro morimbundo não se esquece
o primeiro tiro no peito nos empalidece

Sangue frio, não cesse
falta matar mais 947

Que um corpo caia
que os olhos inimigos se fechem
que eu sinta prazer em tirar vida
brincar de capeta, brincar de tira
brincar de demonio, dar risada
de um corpo putrefato

Que eu pague pelos pecados em outra vida
porque a saida será queimar carma uma encarnação inteira
nessa já não dá mais tempo

Tenho que obedecer o sargento
ou, eu lamento, e vou para o saco
me darão veneno, câmara de gás lacrimogêneo
traidor da pátria….

Insonia

23:05. Volto novamente. Não consigo dormir, não consigo pensar, não consigo fingir. Apenas olho para o teto do meu quarto e desvio o olhar pela janela. Só para ver a lua. Só para tentar decifrar seu nome nela.

Sabe, o riso que agora me vem ao rosto é melancolia, desespero disfarçado, sabor da agonia. De não te ter mais ao meu lado, de não te ter nem sequer de dia.

Engraçado como vivemos tão ferozmente. Assustadora a nossa entrega em certos momentos. E agora, o que nos resta senão apenas desprezo?

Eu aqui olhando para as paredes, não conseguindo conciliar o sono, pensando em você, fazendo-me de tonto. Enquanto você, aonde será que está? Será que consegue dormir? Será que consegue pensar? Será que pensa em mim? Será que ainda esconde o meu amar?

Mal entendidos nos afastaram… As poucos lembranças que tenho já estão se perdendo, já estão fugindo… É a falta do sono, não ter você mais aqui comigo está me matando…  

Ditadura

Eu não vou me submeter às suas regras, às suas ordens infundamentadas
não adianta excércitos armados, meu punhal de inteligencia detona
todas as bombas do destino que parece irremediavel

Só sei que de imediato não me deixo abater
nem que duzentos homens e outros tantos à cavalo
façam-me correr, não adianta, eu me vingo, eu te venço
eu não me vendo a você, nem a sua doutrina,
nem a sua mente maligna que busca poder

Eu não me intimido, quem é tímido é fraco
há de convir que eu não sou dessa classe
faço da arte meu protesto, e antes que eu caia no tédio
deixa eu fechar sem rédias de fim, as frestas da denúncia
de erros seus, de erros sociais que seguem uma cabeça só…

Deportado

Aqui tá difícil, não conheço nada, não tenho amigos
aí o mundo pára cedo, você não vê o sol se pôr
mas aqui, meu amor, a gente trabalha com fervor
não tem descanso, ninguém pra curar nossa dor

Queria mudar a nossa realidade
enfrentar as armadas
pra dar mais sossego as amadas da nossa pátria
não adiantou.

Eles eram muitos e o poder aí tá na arma
fui mandado embora pra cá
com uma desculpa qualquer
de ter ofendido a honra da nação

Ainda não me arrependi,
apesar do tanto que tenho sofrido aqui,
de ter feito o que fiz
mesmo escondendo nas entrelinhas
as denuncias que quis

Acho que é disso que eles têm medo
das verdades que digo sem que eles entendam
não aceitam ser enganados
era confortável que eles tivessem o controle de tudo

Eu lhes tirei a segurança
apesar do poder de fogo
ficaram com as mãos atadas
porque eu dava esperança
de uma nova pátria amada

Foi mais fácil que me mandassem pra cá
um lugar desconhecido onde nada posso fazer
querem me colocar medo

Mas mesmo aqui, de tão longe,
mostro-me guerreiro
mesmo sem escudo
sem minha tinta e um pedaço de papel
tudo consigo quando sou fiel aos meus princípios

Esse recado vem em poema
pra não ser receptado antes da entrega
só pra te dar notícias de meu paradeiro
qualquer dia sei que volto pro meu antigo leito
mas por enquanto durmo aqui distante
sonhando no dia de ver seu rosto
que ventos trazem ao meu pensamento

Felizmente fiz a amizade que precisava
mesmo na cela consigo rabiscar algumas poucas palavras
não é todo dia porque aqui as coisas são muito bem controladas,
mas ainda consigo dizer que não esqueci um segundo sequer de você

Venenoso

Seu silêncio virá do sofrimento
seus pulsos serão cortados
ou será melhor beber veneno?

Seu jeito de ser me irrita
esse seu modo de falar
me causa até alergia
vou fazer você calar essa boca
que tanto atrapalha a minha vida

Você não terá mais controle de nada com meu plano em ação
vou dilacerar sua alma, fazer sua carne arder
e seus pés estarão sem chão

Porque minha hora está chegando
e o seu futuro será minha decisão
e o que eu mais quero agora
é ver você pedindo piedade
clamando por compaixão

Claustrofobia da alma

Ando mas não saio do lugar,
pisco mas não vejo,
como mas ainda sinto fome.

Sofro e não aprendo,
durmo e ainda tenho sono.
Me calo mas me escuto.

Eu choro e lágrimas não caem
e falo mas palavras não saem
e xingo mas ninguém afeto.

Me corto e não sinto dor,
é verão e os termômetros
marcam quarenta,
mas não sinto calor.

Sou um ser sem sinais vitais
perdido entre dois mundos,
um do qual não vivo
porque nada sinto nele.

O outro, onde
sou claustrofóbico,
perdido e confuso
no fundo da minha
alma patética,
moribundo.

Enojado

Por saber que seus doces lábios
tocaram os amargos lábios
de outro homem fedendo à cigarro,
me enoja.

Saber que seu lindo corpo
foi vasculhando pelas
patas imundas de outro homem,
me enoja.

Saber que ele fez quantos carinhos
ele quis fazer, e que vi você ceder,
me enoja.

É nojento e repugnante saber que
a mulher que amo está com outro,
que ela sabe disso, porque já esteve comigo,
e mesmo assim, se entregou, me revolta.

Mas o que me deixa realmente enojado,
é saber que mesmo não estando mais
presente na sua vida, eu sempre
me pego pensando em você.

Procura-se, vivo ou morto

Se eu quisesse chorar pela sua partida eu choraria,
se eu quisesse esquecer a minha vida pra te procurar, esqueceria
Se eu fosse louco por você, eu se esqueceria de mim pra ter você.

Mas sabe, acabei de crer que não sou tão louco assim,
talvez eu dissesse  a você que era em algum momento,
e posso até estar sendo covarde em te esquecer,mas,
o momento que passo agora faz com que meu sangue aventureiro esfrie.

Não sei se você vai conseguir me entender estando aí tão longe,
mas nem posso contar muito,
porque tudo que sai desse país é revistado,
tudo é lido e relido para que não escape nenhuma informação,
então, me perdoe se não posso te procurar,
é que daqui não dá pra sair, é só isso que posso contar,
mais alguma coisa que diga e vão me enforcar,
minha sorte é poder contar com quem envia a correspondência
mas, prefiro não abusar pra ninguém desconfiar.

O foragido procurado