Tecer

Estou assim leve,
pra que você tenha oportunidade.
Vem, me conhece, como quiser,
hoje estou pronto, e alegre.

Não precisa me enaltecer,
há ainda o que ver,
existe no que acreditar,
sei que depois de muitos tropeços…
o que cabe é desconfiar

Fia, sem freios; volta a fiar,
e cose, de novo, volta a costurar;
vai fazendo a peça, junta os pedaços;
vem tear, tatear, experimenta;

Se ajusta, volta a apertar; modela;
veste, vê se cabe; cai bem; roupa nova;
cheiro de novo; consome; paga o quanto achar que deve,
e volta a usar; procura a minha ocasião,
até desfiar; remenda; reaproveita; enquanto eu quiser,
por favor, me doar…

Aromas

Passou o tempo,
é o meu momento,
coisa nova, a aurora,
independe dessas farsas,
cansei das farpas que você colocou

Estou retirando uma a uma,
e agora já não dói mais,
a liberdade me faz sorrir,
com o livramento que a vida me cedeu

Concedeu, o tempo, um turno novo,
nessas rodadas que a vida tem
de uma hora te fazer sorrir
e noutra, o desgosto…

Seu gosto, seu cheiro, seus gracejos
não ficam mais na lembrança,
sou criança de novo que redescobriu a graça de amar

Não precisa ir embora, nem precisa ficar,
deixa a vida decidir a melhor forma
a se podar, as flores, para retirar os espinhos,
os versos meus são novos aromas pra se respirar…

Hoje eu entendi quem mora em mim,
e quem merece o frasco, fraco,
o fiasco da amostra grátis,
que perfuma um pouco, mas ninguém pede,
só passa no pulso e deixa passar…

Falta

Falta, se não chegar na hora certa,
falta, se não for ao serviço,
falta, se o dinheiro não cair na conta,
falta, se o médico remarcar a consulta

Falta, desconta na folha de ponto,
falta, um tanto para o fim do ano,
falta, um bocado para fechar o mês,
falta, uma conversa franca, forte

Falta, o espaço que você deixou em aberto,
falta, o olhar sincero que já me responde,
falta, a segurança que a sua presença me fornece

Falta, o amigo que caminhava comigo diariamente,
falta, o poema que a gente vivia dando risada,
falta, o dia a dia da piada pronta com a correia,
falta, a pausa do café, que frio, você aquecia

Falta, a nossa prece em grupo,
falta, alguém por perto que me diga:
“falta, você confiar mais em você” e,
“falta, nada não, segue em frente, vai, confia”

Falta, a simpatia que acalma o dia,
falta, o norte que você escreve,
falta, a sensibilidade da alma gentil,
falta, a falta que você nunca fez,
falta, a leitura dessa confissão,
falta, a sua presença faz, mas nunca ao coração;

Falta, acabei de fazer
falta.

Alimento para a alma

A calma de hoje
vem da passagem
da tempestade de ontem
– que revolta -, mexeu com todos os sentidos.

Das reviravoltas do tempo, que ontem me fez chorar,
dos revezes que a vida coloca, eis a sorte de sorrir de novo;.
A ferida aberta, fecha uma hora, passado tanto tempo;
uma hora, se não passar, passado será você.

Não carrega o ontem nos ombros,
não se pese com os acontecimentos,
seja livre, leve, eleve-se, entregue
o que for fora da sua competência;
a vida só te deu ciência,
não pediu pra você resolver…

Passa pra frente, deixa para o próximo,
cada um sabe o que pode fazer e como agir,
assim, é seu atributo, ser canal do mundo,
adubo de ajudas e contribuições.

A colheita, quem fizer, é o mais necessitado,
mas não sem antes preservar a terra,
cuidar da terra, semear a terra, preparar a terra,
ceder a terra, sem antes a intenção de reservar espaço,
para amar quem vai comer.

Paciente

É o poema o remédio da alma,
na expressão da arte da dose certa,
que alivia em prece reta
entre a vida e a experiência do poeta

São ampolas do tempo que se maneja,
e se manipula a palavra que escorre na veia,
são as correntes de energia capazes, sempre,
de aquecer o corpo e animar a alma

O poema pede calma, cama e repouso;
pede reflexão, paixão, mas repouso;
pede cuidado, pede zelo, mas repouso;
e por pouco, de pouso em pouso,
vai cicatrizando o que era sofrido

E no rito não atesta alta alguma,
nem permite afastamento algum,
mesmo em dias comuns, incubadora das letras,
vai recolocando na alma que escreve e que lê,
o parto e o renascer de um novo
paciente.

Estado de graça

A vida que você leva
é leve ou te leva?

É preciso ter prazer quando se vive
seja no trabalho, em casa, na roda de amigos,
viver bem ajuda a encarar os desafios da matéria

E em matéria de desafios fortes,
viver é uma gama de sortes e sortes
quando você se sabe forte e leve

Quando se aceita o caminho que se escolhe,
a gente anda com mais segurança no desconhecido.
Tem sempre a surpresa do caminho a ser vivido,
mas, não cabe pavor ou angústia quando a gente entra na sombra,
no breu da escolha que vai se rompendo nos passos

Viver bem, ainda que nem sempre otimista,
quando a gente entende o motivo da partida,
ajuda a ser luz, mesmo sem ser espiritualista

Quantos são aqueles que mesmo na descrença do divino
sabem, não raras as vezes, honrar as oportunidades da vida?
Valorizam o que têm em vez de ambicionar um pouco mais,
e se caem, não desistem, podem até não tentar de novo;
buscam outra meta mais ajustada ao que podem fazer.

O que fazer quando não se sabe o que fazer?

Parar o passo, agradecer o discernimento,
o pensamento e a reflexão, a primeira atitude da razão.
Se é que a vida não anda nada bem, se está valendo pouca coisa,
não é essa a sua trajetória, volta e se refaz.

Encontre-se e tome para si um outro rumo,
crie o mundo! você é parte dele, não assiste!
Se auto-admite! Ser vivo, vive! Até chegar onde?
No seu estado de graça.

Tens sorte

Tens sorte
por ti, enfrentei a morte
sê forte, eu voltei
fui lorde

Tens sorte,
pedi a posse
dessa vida

Tens norte,
agora que eu voltei,
conforte, que nasci

Tens sorte,
que fui atendido,
demorei a te encontrar,
nesse mundo perverso e sofrido

Tens sorte,
que te achei, ainda cedo
com a ilusão de apenas uma vida

Tens sorte,
que a gente se ame
tanto e muito forte
nessa vida, nessa vida,
nessa vida, e nessa vida,
tens sorte…

Casa cheia

Faço um gesto
ambidestro
saia pela direita
saia pela esquerda
me deixa
dançar com outro par

Sei quando não sirvo mais pra dançar,
eu nem encaixo mais com seus passos,
outrora, tão cadenciados…

A nossa coreografia já não tem o mesmo compasso,
já desalinha quando eu me refaço dos seus laços,
ensaio já não me reserva nenhuma dor
quando a gente tenta o mesmo número desgastado

É o fim do espetáculo
já tão visualizado…
o artista quando cansa da turnê,
encerra o espetáculo

Saia pela direita,
saia pela esquerda,
escolha o seu lado

Eu vou pelo centro
cumprimentar o público,
mesmo de saco cheio
da casa cheia…