Sê eu

Onde buscar poesia
nessa vida atribuída
atribulada
atrapalhada

Em dias de chuva
sem a florada das flores
sem o orvalho que ressignifica

Livre-arbítrio
preso em
compromissos
de receitas
de remédios
não tomados
de diagnósticos
infundados
infecundos
infrutíferos

Em busca do que é belo
para justificar mais um
dia sem gosto, insosso
feito sopa sem tempero
sem vontade de cozinhar
ou de coser para pensar
em tempo a perder

Compartilhar a vida
em traços de compartimentos
sem buscar lamentos
para os elementos distintos
de várias personas do eu

Por onde anda os meus desejos
que já não se vocalizam mais
em minhas palavras
escritas ou faladas

Muita coisa já não passa mais
pelas minhas mãos, não produzem mais sons
O verbo transmitir – direto –
já não diz mais nada

Fragmentos de paz e de silêncio
evitando aborrecimentos
emburrecimentos
emudecimentos de reflexão

Flexões do tempo
que sabe passar
sem instrumentos
em amadurecimentos
ao longo dos meus
seres meus
em um só

Incompletudes imprecisas

Eis que sinto ausências
passadas a limpo
presentes no limbo da memória

Eis que sinto desconfortos d’alma
que a mente ainda não decifra,
sequer investiga, nem busca respostas

Eis que esse estado confunde,
ilude e decepciona sentidos,
sentimentos, semi-círculos de vivências,

Incompletudes guardadas em versos imprecisos

Necessários
Deslocados em estrofes

Eis que sinto vazios não percebidos
lacunas do tempo do eu que não sofre
sem fundamento, e sem angústias

Contemplação das incongruências
de existências não lineares

Fica à vontade

Fica à vontade pra ser o que você é
mesmo que ainda não saiba quem você é.
Eu gosto de descobrir junto com você
o caminho que você está seguindo
mesmo que ali na frente você volte

Fica à vontade pra pensar em voz alta,
fica à vontade pra falar em voz baixa,
fica à vontade pra manifestar a sua dúvida
fica à vontade

Eu vou interagir, não criticar (às vezes, sim)
eu vou participar da construção do seu eu
se você me der essa liberdade

Não tenho olhar terapêutico, nem clínico;
retirei dos meus olhos o vício de ver maldade.
Temos um acordo não dito de reciprocidade
pra você se sentir à vontade, e sentir o que quiser,
e poder chorar, se quiser, e rir também feito louco

Aos poucos, a gente se entende, e se entende que a gente é gente,
e muda o tempo todo, e testa novos jeitos de ser, e sonha e se frusta
de novo, de novo e de novo, sabendo ser mil de nós;
amparados pela mão que não julga, pelo olhar que compreende…
há diferentes formas de existir e de ver o mundo

Eu quero conhecer outros mundos, outros lados,
outros fatos, outras curvas, outras práticas ocultas
que só você sabe que sabe de você mesmo

Descobre comigo, numa companhia madura,
de quem tem a paz de espírito necessária
para ser de toda e qualquer ajuda

Multitalentos

É o que se espera
de todo artista
que ele domine o sentido da arte,
que saiba das palavras, das músicas,
das imagens, das obras-primas, das rimas,
cultura esculpida a la carte

Que compreenda a literatura,
a partitura, metades de tudo,
movimento do corpo e da mente,
disposição para a escrita
das várias formas de sentir a realidade

Ah, o artista, multitalentos da expressão humana,
disfarça o que é,
cria a realidade do outro,
causa empatia com a voz e com as mãos,
mimese de outras dimensões,
os traços da criação…

O tempo

É preciso parar o tempo,
não parar um tempo,
nem rever prioridades,
nem reaver conceitos

É preciso parar o tempo:
o tempo da culpa, o tempo que corre,
o tempo que consome, e o tempo que comove

É preciso parar o tempo:
o tempo da angústia, o tempo do passado,
o tempo do futuro, o tempo de presente

O tempo da vida não muda,
o tempo da vida não morre,
o tempo não faz curva,
o tempo não nos socorre

O tempo é o tempo,
unidade que existe, ou não
o tempo é invenção do homem
que move até constelação

O tempo não pára, nem deve caber o clichê,
o tempo não existe, o que existe é você,
o relógio não quebra, o compromisso, não cessa,
a justificativa só consome um tempo de esperas

O tempo é a falta de atitude que não se tolera,
o tempo é um reverso daquilo que não há,
o que não cabe imaginar,
o que seria da gente sem o tempo,
sem tempo para nos controlar

Respostas da vida

A chuva vem da nuvem negra,
o progresso, pelo pico da adversidade.
Em toda crise, surge a prosperidade
e toda questão de saúde delicada
requer cuidados, sem vaidades

Toda alma triste está procurando a felicidade,
e para cada problema não resolvido ainda há o caminho,
há capacidades em desenvolvimento

Em todo alento, um novo rumo
e em tudo que é novo,
rege a ansiedade

Toda matéria incompreendida
requer estudo, e todo saber
tem por sequência um esforço anterior

Se a vida fosse fácil e tranquila,
não me daria ao trabalho de provocar o meu interior
Se a vida fosse fácil e tranquila,
querida, não brotaria sequer uma flor

Se é da luta que se sai do casulo,
a borboleta, sem nenhum barulho,
não inspiraria o amor

Se a vida fosse só pausa,
o mar não teria seu encanto.
Se ondas alegassem sofrimento,
de pronto, e de momento,
abaixo das águas não reinaria a vida

Se a vida fosse só poesia,
não existiria o poeta,
o poema, antes disso;
um vazio de ideias,
um conjunto de palavras,
um amontoado de letras

Sem sentido
a vida é
sem mudanças

Cuidado divino da vida

Diante das mudanças,
para vida solicito esclarecimento
e a todo momento que as aflições que me atingirem,
não sê triste;

Oh vida, amplia meus pensamentos,
em auxílio pequeno que eu possa conceber
vindo de você, tão linda a me ensinar
a ser aprendiz

Aquilo que um dia eu fiz
cometendo qualquer equívoco,
é pelo vício de acertar e ser melhor

Eis que vim do pó, e que a evolução se faz constante,
aceite o meu momento de latência terrena
e me elucida com as experiências que a vida resguarda,
acima e antes de mim, bem antes do tudo e do agora

Oh vida, se abra as portas do conhecimento,
tece em mim, pelos fios condutores da transformação,
a reação renovadora que me solicita a existência

Coloco-me á disposição da consciência da vida
que tudo sabe, tudo rege, tudo agita, e tudo compreende
para prestar socorro a qualquer momento,
utilizando das minhas mãos, das minhas falas,
das minhas atitudes, aquilo que, com plenitude,
se solicita

A paz de espírito e a calma da atuação,
me conserve de pôr em prática…

Qualquer intenção que eu não possa medir no hoje,
mas se agiganta no amanhã, que a Deus pertença…

Cuido da minha gente,
cuida de mim,
cuido do que posso,
cuido por servir à vida,
a vida que cuida de todos nós

Hoje eu não sou o eu de ontem,
e do amanhã não sei;

Hoje eu tenho a prece
e que não se apresse qualquer
amém

Há quanto tempo

O tempo é uma decorrência de percurso,
ele não cura, nem perturba ninguém;
O que nos cabe no tempo é o aprendizado,
a mera mudança de hábitos, de palavras, de gestos;

O tempo é percurso do ser,
a contar-se de que maneira for,
mas, é bobagem

O que difere o hoje e o amanhã
não é o tempo, mas, a mudança,
o aprendizado e o ensinamento

O desejo de novidade,
o destempero do agora
não é o daqui a pouco,
isso é pouco,
o cronológico

Falo o óbvio:
Há crianças bem esclarecidas
e maduros humanos, ainda crus

Cada um leva a cruz
do tempo que não vale madeira,
nem esforço,
o tempo é um esboço do progresso
do todo

Verdadeiro eu

Muita gente promete ser afago
e vira um fardo na alma,
quando a gente ainda não aprende a retirar
as máscaras dos falsos anjos

Não adianta a promessa de estar sempre junto,
o pra sempre é o tumulto que cabe no peito,
não tem jeito: é seu processo, sem saída

A esperança cafajeste da solução fácil
não está na mão estendida que ajuda,
a labuta própria não pode ser vendida,
é um fato filho da puta!

A roda do tempo tem girado,
a atitude é o passo que não adianta outro dar.
Pêndulo do progresso, eu te peço, guia
o corpo e a mente, o coração e o começo
de um novo fim, o recomeço

A roda do tempo tem girado,
e mostra, entre os pratos quebrados
que a cara não quebra sozinha,
é minha jornada, toda minha

Na reação há ação invertida,
investida de intenções,
suas ações revestidas de bondade
são vãs contradições

Gira a roda da vida,
e se agita, que o mundo não espera,
e grita, grita, grita
companhia bendita do verdadeiro eu…

Experiências

De manhã, quando acordo e vejo a janela aberta,
o ar entra, frio e rígido, cortante
perturbando o sonho, o sono anti-compromisso

E a escova de dentes, o olhar perdido no espelho
a pasta que escorre até o ralo, já foge de mim.
Consulto o relógio sem reação, nem sei precisar
se perdi a hora ou não, são tantos vícios

Tudo se confunde no papel
e eu nem sei direito qual é o meu
entre sorrisos fáceis, rasos e tortos
a vida tem as suas regras,
impostas ou me imponho?

É a sala de aula reproduzindo a burocracia
combinações de gente morta, vivendo uma vida vazia
a busca de um pedaço de papel

A mãe que liga e chora calada,
e eu que choro a saudade, distante,
sem me calar, e as lágrimas gritam quentes

Tudo parece ter perdido o sentido
sequer sou filho mais, direito
detesto o meio termo
entre a criança e o adulto,
finjo-me de guerreiro

E quero confundir o mundo,
sabendo que as minhas atitudes
não precisam de roteiro,
sou inteiro, o caos

Os amigos não me visitam mais,
e os círculos sociais aprofundam
o meu desespero

O meu despreparo para o mundo
que não enxergo, cria outro,
paralelo

Sem sentido, minhas emoções entornam,
consumindo até a última gota de consciência
que achava que tinha, tornando-me ilha
de dúvidas, e de líquidos intragáveis

Tudo parece convergir ao transtorno,
tudo parece se entender nessa forma louca
dos meus julgamentos

Busco não me envolver, e de afastamentos,
em separações escolhidas a dedo,
eu me perco a esmo

E não consegui ouvir o cantar dos pássaros de manhã,
nem o cachorro da rua pedindo carinho pelo caminho,
o meu vizinho, ao bom dia, que não respondi

Há pedinte de carinho de afeto quando passo na rua
e eu não meço esforços para correr, para não perder tempo
E evito quem senta ao meu lado, quem troca sorriso
querendo uma caneta emprestada

Na empreitada do viver, eu perdi a sintonia de tudo
só existe a bolha das minhas músicas e dos meus gostos,
meus filmes preferidos, e um – nem sei se tão – querido amigo
capaz de me escutar, quando eu falo pelos olhos
o que minha alma não materializou expressar

Sinto ser lindo, mas não sei se sou
há dúvida onde estou, sobretudo
quando existe o limbo
do viver sem saber quando o caminho
deixará de ser torto

Tonto, eu me mordo
buscando explicações
perdi as ligações de um recém-conhecida
que queria um livro emprestado, dito mais cedo

Certo de que olho com os olhos d’alma
fecho os ouvidos do corpo,
tranco a boca do corpo,
punhos prontos ao soco – de ira

Transcender ao metafísico,
perco o vigor do homem
porque não entendo os pedidos de criança
ainda não realizada

Não devo ser alma penada no mundo,
vagando sem rumo, sem norte,
sê forte sem ser fraco,
é o fato que gera aprendizado.