O incapaz

Eu sou o incapaz do século 18
negro escravizado que não viam como gente,
eu sou o incapaz do século 19
criança e mulher, – velho até – da jornada de trabalho absurda
eu sou o incapaz do século 20,
mulher, subjugada, incompetente para o alto cargo
Eu sou o analfabeto do século 21 que assina com os dedos,
sou o deficiente ainda visto como o doente merecedor de cuidados,
subestimado como o coitado da assistência social,
superestimado como o super-herói que venceu,
o exemplo, fora da curva.

Eu sou o começo de luta
que não podia votar,
não podia usar calça jeans,
não podia sair de casa,
não precisava estudar,
sustento que venha de terceiros

Eu sou o que não aceitou
o fato de ser menor ser humano,
fadado ao fracasso social
certo do destino ingrato traçado

Eu sou o incapaz
de aceitar a incapacidade posta
pelos capazes que sempre viraram as costas
do alto de suas concepções de merecimento

Eu sou o incapaz
de aceitar o farelo merecido aos porcos,
doado aos poucos,
pelos próprios incapazes
de ver a vida na sua plenitude

Eu sou o incapaz de não escrever sobre isso,
sou o incapaz de não ter atitude,
aquele grita mesmo, que fala ríspido e rápido
para ver se me respeitam

Eu sou aquele incapaz de engolir a demagogia
dos espaços das cotas de pouca representatividade,
eu sou a incapacidade da arte não decifrada,
eu sou o que não se dava por nada, – e surpreendeu –

Eu sou o esforço que não cedeu,
vencido pelo preconceito – jamais –
prazer,
– o incapaz

Sem meta

Eu já fiz muito,
sei que não se começa assim
um poema de começo de ano,
mas, compondo esse novo momento,
sem nenhum lamento, olho pra atrás,
porque há o que valorizar no ontem

Eu vou fazer mais,
ainda que não saiba
por onde ir, ainda que sem metas,
vida aberta, como o livro análogo,
liberdade de não ter rumo,
não nesse ano

Eu vou ser melhor,
sem rota, sem reta,
sem placa, sem trava,
sem meta

Objetivos, já busquei demais,
cumpri tarefas em excesso,
passei por anos idos de crise,
não quero crise mais, minha vida,
não vai ter mais ajuste fiscal,
não cometo mais crime de responsabilidade emocional

Vou me desfazer das pessoas doentes,
não quero mais ser paciente com quem
não quer se curar, eu vou me cuidar,
vou viver, viajar, me presentear,
vou ser leve, vou rimar mais,
rir mais alto e melhor

Vou fazer piada, chorar de risada,
vou buscar a minha atitude plena,
cansei de ser pequeno em alto mar
vou me derramar em oceanos,
atravessar o mundo, leve,
apaixonado pela vida que corre,
não comporto mais comportas,
não vou me sujeitar a barreiras,
nem buscar companhia… viver,
viver a maresia da minha própria poesia…

Nome do meio

Eu vou fazer mais e melhor,
com mais vontade, com mais carinho,
com muito mais empenho…

Não sou gênio, nem sei de tudo,
nem a minha autoconfiança é imunde,
mas eu vou sim, partir pra cima
e, se cair, que seja na rima

Eu vou fazer mais e melhor,
na mira: melhorar ainda mais o meu trabalho,
não basta ser operário, tem que manter o alto nível,
é o padrão das relações bem-vindas, atendidas,
acima da média.

Eu vou fazer mais e melhor,
para agradar o meu eu em evolução,
para ser maior do que fui ontem,
sinto muito, podem, incomodem-se,
eu não ligo

Farei mais a frente, diferente,
convincente – não ao status –
mas, aos fatos de que quem faz bem,
e faz direito, sempre em progresso,
gera o melhor dos protestos da emoção

Com prazer, elo, zelo e pelo que eu anseio,
mais e melhor, meu apelido e nome do meio..

Una-vida

De braços abertos a vida nos recebe
felizes que somos, a vida prevalece
sorrindo constantemente

Temos coragem para aquilo que nos propusemos,
nós fizemos um acordo: nem sei se assim, secreto…
Nem tudo é sofrimento, nós vemos o que queremos,
lapidemo-nos

O planeta se coloca como um afinado instrumento,
escola maravilhosa para o crescimento, aprendemos
querendo ou não querendo, a escolha já fizemos
construiremos o mais limpo som, refinaremos

Os ouvidos, as falas, os atos e as atitudes,
os ciclos que a vida propõe são fatos,
inegáveis e caros para aqueles que não vêem

Aqueles que enxergam mais longe e mais lúcidos
percebem que a sabedoria da vida não tem hiato,
não existe nenhum vácuo para a dúvida, última
via das vidas e outras curvas, ensinam na hora
que o antes, ontem, o hoje, o agora e o amanhã,
depois, pois, cruzam-se em eternidade
um grande espetáculo de arte, vida-una