Revogada

Não me coloque à prova
para o espetáculo
não mereço aplausos
nem sou digno de vaias

Não me desafie em tudo
não preciso comprovar nada
nem te atestar qualquer mérito
minha vida não vai ser calculada

Por nenhum erro me culpo,
por mim, até me retrato
não para me ver validado
porque há muito
aprendi a ser eu de fato

Não que meu ego domine
ou não mereça críticas,
elas são até desejadas
porque aprendi, sobretudo,
por elas evoluir
deixar marcas

Erro sim, é verdade,
não admito, com tudo, ser condenada
por falhas humanas abstratas

A minha trajetória, por fim,
autoriza apenas o eu
como sujeito da caminhada

Aprendi a corrigir sem ser avisada
e, no que eu puder resumir, serei retificada
e se não quiser assim,
ao que pensas de mim
serei sempre revogada

Diante de suas ausências

Diante de suas ausências
nem mesmo as ilusões sobrevivem
diante de suas faltas
nem mesmo os fatos coincidem
diante das inconsistências
que se agridem
existe um quê do fato
abstinências das realidades que nos oprimem

Diante das percepções distorcidas do todo,
o ontem já deixou de ser ontem e foi embora,
a ansiedade do hoje sem você sumiu
o amanhã me pertence

Não sem memória de que você existiu
e foi embora
não sem lembranças do que a gente viveu
e se evapora

Não se trata de deixar o passado pra trás,
nem de fechar a porta, nem de encerrar ciclos,
nem de acerto de contas, nem de desculpas,
nada disso se elabora

Diante de suas ausências, nem o vazio
me ocupa agora
nem um estado servil
me aflora

Diante de suas ausências
se descobriu que fui eu
que flui embora

O tempo

É preciso parar o tempo,
não parar um tempo,
nem rever prioridades,
nem reaver conceitos

É preciso parar o tempo:
o tempo da culpa, o tempo que corre,
o tempo que consome, e o tempo que comove

É preciso parar o tempo:
o tempo da angústia, o tempo do passado,
o tempo do futuro, o tempo de presente

O tempo da vida não muda,
o tempo da vida não morre,
o tempo não faz curva,
o tempo não nos socorre

O tempo é o tempo,
unidade que existe, ou não
o tempo é invenção do homem
que move até constelação

O tempo não pára, nem deve caber o clichê,
o tempo não existe, o que existe é você,
o relógio não quebra, o compromisso, não cessa,
a justificativa só consome um tempo de esperas

O tempo é a falta de atitude que não se tolera,
o tempo é um reverso daquilo que não há,
o que não cabe imaginar,
o que seria da gente sem o tempo,
sem tempo para nos controlar

Servidor

Por que ser servidor?
Refletir, primeiro o sonho,
nosso projeto próprio, individual,
lembrar das mudanças que se fizeram distantes,
hoje, tão reais

Servir por missão coletiva,
pela capacidade de pensar além,
servir porque ninguém faz nada sozinho,
doar-se para ampliar horizontes,
renovar, buscar esperança,
mudanças de uma sociedade

Por que servir ao Estado, e não a um patrão?
Servir por opção de vida, pelo projeto de Nação
para garantir, na lida, comunhão:
Servir Educação!

Para mudar o rumo da história,
dar outra dimensão,
por acreditar nas oportunidades
e fazer do improvável, a realização

Por questão de dignidade,
pela melhor opção,
servir por igualdade,
pela qualidade da força humana…
Como pedra que cai na água
e provoca ondas,
promovemos mares de sabedoria

Servir por um passo de luta,
para não perpetuar o sofrimento,
resistir nas curvas, e nos ataques,
e nos impasses de destruição

Servir para não ficar à mercê
das inverdades (mal ditas) sobre nós,
para dar credibilidade ao que nós construímos

Um espaço multi-indivíduos que aceita, acerta e acata
o pobre, o rico, de direita, de esquerda, de raça, de religião (ou não)
o diferente:
tendo sempre um direito a alcançar pelas nossas mãos.

Servidor com sentido,
consentido,
sem servidão…

Blefe

Repousa leve
sobre a pena breve
ou absorve no punho que se ergue
palavra que se coloca em blefe,
mas nada quis dizer

Assim, como se quer fazer crer,
nem eu sei dizer
o que é que se tem realmente

Oriente os pensamentos
é o que há de recado,
quando se procura fatos
feito pratos quebrados
são cacos esperados
no fragmento
do ser

Verdadeiro eu

Muita gente promete ser afago
e vira um fardo na alma,
quando a gente ainda não aprende a retirar
as máscaras dos falsos anjos

Não adianta a promessa de estar sempre junto,
o pra sempre é o tumulto que cabe no peito,
não tem jeito: é seu processo, sem saída

A esperança cafajeste da solução fácil
não está na mão estendida que ajuda,
a labuta própria não pode ser vendida,
é um fato filho da puta!

A roda do tempo tem girado,
a atitude é o passo que não adianta outro dar.
Pêndulo do progresso, eu te peço, guia
o corpo e a mente, o coração e o começo
de um novo fim, o recomeço

A roda do tempo tem girado,
e mostra, entre os pratos quebrados
que a cara não quebra sozinha,
é minha jornada, toda minha

Na reação há ação invertida,
investida de intenções,
suas ações revestidas de bondade
são vãs contradições

Gira a roda da vida,
e se agita, que o mundo não espera,
e grita, grita, grita
companhia bendita do verdadeiro eu…

Experiências

De manhã, quando acordo e vejo a janela aberta,
o ar entra, frio e rígido, cortante
perturbando o sonho, o sono anti-compromisso

E a escova de dentes, o olhar perdido no espelho
a pasta que escorre até o ralo, já foge de mim.
Consulto o relógio sem reação, nem sei precisar
se perdi a hora ou não, são tantos vícios

Tudo se confunde no papel
e eu nem sei direito qual é o meu
entre sorrisos fáceis, rasos e tortos
a vida tem as suas regras,
impostas ou me imponho?

É a sala de aula reproduzindo a burocracia
combinações de gente morta, vivendo uma vida vazia
a busca de um pedaço de papel

A mãe que liga e chora calada,
e eu que choro a saudade, distante,
sem me calar, e as lágrimas gritam quentes

Tudo parece ter perdido o sentido
sequer sou filho mais, direito
detesto o meio termo
entre a criança e o adulto,
finjo-me de guerreiro

E quero confundir o mundo,
sabendo que as minhas atitudes
não precisam de roteiro,
sou inteiro, o caos

Os amigos não me visitam mais,
e os círculos sociais aprofundam
o meu desespero

O meu despreparo para o mundo
que não enxergo, cria outro,
paralelo

Sem sentido, minhas emoções entornam,
consumindo até a última gota de consciência
que achava que tinha, tornando-me ilha
de dúvidas, e de líquidos intragáveis

Tudo parece convergir ao transtorno,
tudo parece se entender nessa forma louca
dos meus julgamentos

Busco não me envolver, e de afastamentos,
em separações escolhidas a dedo,
eu me perco a esmo

E não consegui ouvir o cantar dos pássaros de manhã,
nem o cachorro da rua pedindo carinho pelo caminho,
o meu vizinho, ao bom dia, que não respondi

Há pedinte de carinho de afeto quando passo na rua
e eu não meço esforços para correr, para não perder tempo
E evito quem senta ao meu lado, quem troca sorriso
querendo uma caneta emprestada

Na empreitada do viver, eu perdi a sintonia de tudo
só existe a bolha das minhas músicas e dos meus gostos,
meus filmes preferidos, e um – nem sei se tão – querido amigo
capaz de me escutar, quando eu falo pelos olhos
o que minha alma não materializou expressar

Sinto ser lindo, mas não sei se sou
há dúvida onde estou, sobretudo
quando existe o limbo
do viver sem saber quando o caminho
deixará de ser torto

Tonto, eu me mordo
buscando explicações
perdi as ligações de um recém-conhecida
que queria um livro emprestado, dito mais cedo

Certo de que olho com os olhos d’alma
fecho os ouvidos do corpo,
tranco a boca do corpo,
punhos prontos ao soco – de ira

Transcender ao metafísico,
perco o vigor do homem
porque não entendo os pedidos de criança
ainda não realizada

Não devo ser alma penada no mundo,
vagando sem rumo, sem norte,
sê forte sem ser fraco,
é o fato que gera aprendizado.

Revigora

Os homens de bem estão se reerguendo,
passado o momento de desalento e descrença,
pois a vida é feita de ciclos, e a Criação espera,
compreende perfeitamente o passo mais contido,
o andar mais lento, o cansaço que veio grande,
imenso, corroendo o vigor, a vontade de lutar,
de acreditar, de mudar e de vencer.

Mas, levantados, os homens de bem são poderosos,
não no sentido perverso da liderança humana,
falha, torta e torpe.

Avante, estamos todos, livres das amarras do desassossego,
livres para crer e para reviver o lado gostoso da vida,
a face da energia plena, de paz, serenidade, aliança,
compaixão.

A fase em que se troca o não,
que se toca o chão, e se ergue.
Voltemos a ter sede do progresso,
a ter sede de sucesso, a ser por completo
a força da fonte da vida

Voltemos a ser nós mesmos, mais lindos,
mais limpos, límpidos e alegres,
mais criativos, cheios de sorrisos,
bem-vindos ao aceite do reflexo,
da nossa sombra, do nosso eu de novo,
o outro lado, virada a mesa,
virada a cara, virada a carta,
a fase, vencida a febre,
de tudo aquilo que nos afeta

Aperta de novo o botão da flor!
Agora ela não murcha, não despedaça,
não padece.

Aperta de novo o botão da flor!
Ela vive, e cheira, perfuma,
encanta, colore, arruma
um jeito novo de refazer o jardim
dos versos

Poema profundo

Debata-se
Se acaso não se importa,
meu verso abriu nova porta
no sentido de ser poeta

Não é mais assim tão romântico,
como era feito eu, de esperança, num cântico
de amor, eu diria; se platônico, não sei…
A bem da verdade, dava para realizar,
se quisesse.

Mas, agora, na casa em que essa janela se encosta,
outra fresta de luz insiste em me impulsionar.
É a profissão que me cerca, a árdua labuta de quimera,
é o suor, é o salário, é a conta paga,
é o compromisso assumido e cumprido,
palavra dita e fiel, há realidade.

Meu poema, meu bem, tem outro tom,
tem outro cheiro, outro vigor,
o calor subjetivo é concreto,
o pensamento é reto, trocou tudo:
desde o membro ereto, a língua quente

Hoje é tudo simples, e plausível,
palpável, é verdade… que não divaga mais…

Ademais, o vento mudou de rumo;
o coração mudou de prumo;
a alma, mudou de rota…

Ela agora é porta entreaberta,
nem desistiu de sonhar,
nem acordou para realidade,
mas, sabe, desde então, aceitar visita real
e da plebe, não sei de qual mundo mais bebe
– se do amor ou do mundo –
em todos, porém, afoga

Porta ora fechada, ora entreaberta,
afoga-se, sim, queimando a garganta,
inundando o corpo, rasgando as ilusões,
abrindo os olhos da paixão para o cansaço
de ser do mundo de lá – das ideias –
para ser do mundo de cá – das matérias –

Debate-se o novo poema.
Mergulha-se em estrofe.
Afunda-se em cada verso.

Regressão

E se eu, antes de pedir ajuda da espiritualidade,
do além-matéria, me lembrasse, sobremaneira,
de que eu, hoje, sou o além-matéria, a própria espiritualidade,
de séculos atrás, antes do agora?

E se eu, antes de pedir auxílio das esferas superiores,
antes de desejar uma direção, orientação do guia,
lembrasse, que já estou em outro caminho diferente,
bem distante do que já trilhei um dia, séculos antes?

Ah, se eu regredisse no meu próprio ser,
nessa própria vida, quanto já aprendi!
Quantos percalços se fizeram dolorosos,
quanta lágrima, quanta angústia, eu venci!

Se eu me lembrasse, nessa vida mesmo – só nessa –
do quanto desejei estar aqui para me redimir de erros imperdoáveis de outrora, ah!
Eu, não me espantaria, se relembrasse o quanto já deixei a punição máxima,
por tantos irmãos que, anteriormente, eu me fiz protagonista no papel de algoz!

Como eu sou tolo! Auxiliando-me em vida, querendo a outra vida, além da matéria,
quero palavra amiga de um guia, espírito de outro lado, de qual lado?
Não existe lado para experiência!

Eu sou a própria ajuda do futuro do meu próprio ontem,
perdoem-me os outros amigos, os meus amigos espirituais,
pelas horas de lamentação, de muitas frustrações não entendidas,
ocupando-me de perturbar outras vidas, lidas de outro ângulo,
quando eu tenho a minha própria…
de ontem, de hoje, de agora, e de amanhã pra cuidar

Eu não quero regressão espiritual,
não quero regredir nessa vida para lembrar de outra,
nem quero antecipar a regressão do futuro para esse instante,
nesse instante, paz e bem, e vamos lá!

Perdão ao tempo que se perdeu no tempo
porque eu não tive tempo para me cuidar…