Democracia estrangulada

Saindo de fininho
com receio de contato,
com cansaço de dizer o mínimo,
de falar o básico,
de explicar projetos de poder,
e das cartadas da mentira,
e do malabarismo com a informação…

Cansado de ver o povo em pesquisa de opinião
sem fundamento, e de questionamentos vazios
e o Brasil sem direção

Cansado de dizer das armações para a mídia
e da milícia da desinformação,
cansado de mentiras e de colocar no outro
as suas verdadeiras intenções…

Saudade do tempo que o Brasil pensava pra frente
e que se era discutido até a privatização
com democracia e com argumento,
sem fanatismo e sem envolver religião

Saudade do Estado laico
e do contraponto,
não essa contradição

Saudade de governo que tinha oposição,
e não opositores em cada agressão
à democracia, ao Direito, ao orçamento público,
às políticas públicas que não transferiram apenas renda,

Saudade de um projeto de política pública de inclusão
do pobre até a dignidade da comida na mesa,
do acesso à Educação, da vacina no braço
e da Constituição

Saudade de um País respeitado como Nação
que tinha voz no mundo, diálogo
e tratava bem sua população

Que desse o mínimo, é verdade, do necessário
que tinha compaixão, que não era um mártir,
nem um iluminado, ou qualquer coisa que o valha,
e não dividida religião

Saudade da civilização,
sem ódio, sem arma como solução

Faz falta é criança na escola,
jovem querendo outra visão de mundo,
mulher escolhendo a profissão que deseja
sem estar com o destino preso e sem direito,
sendo empregada doméstica por falta de opção

Não digo que o mundo era perfeito,
nem tão pouco que não havia coisa errada,
mas, não havia medo em cada calçada,
jornalismo era crível no livre exercício de imprensa

Saudade de um mundo que pensa sem medo
e do cansaço do zelo de levar comida pra casa
Saudade de uma vida em conjunto, e não separada
de gente que somava sonhos, e não críticas e ódios
com ensaios de facadas, de trocas de comandos,
de interferências generalizadas

Não tem literatura que aguente tanta moralidade torta,
tanta perversidade em nome de Deus, tanto alarde com pautas
que não levam nada a coisa alguma, tanta malandragem…

Não aguento mais desmentir alucinações,
e delírios propositais de gente perturbada,
e maldosa, e mentirosa e covarde,
que escancara o pavor, que cita denúncias inverídicas

Saudade do progresso que se almejava,
saudade eu tenho da democracia
antes de ser estrangulada

Morte ao poeta servidor público

A moeda matou o poeta,
a inflação, o preço do combustível,
o índice dos alimentos, puxaram a aceleração da recaída,
a alta do padrão de desumanidade, é parte da precificação,
a morte do poeta deu uma aquecida.

A taxa de juros mesmo quando abaixa, corrói;
quando tudo está no controle absoluto do status quo,
a morte do poeta se faz necessária, nessa ancestral hipocrisia,
coisa lendária até, eu diria…

Ah, o poeta que sente e não fala,
a mordaça é um pano de fundo
para uma faca afiada, é guiso,
é rito sumário de um Estado sem rumo,
arruma o funeral do poeta

Que não vê mais graça
no griz dos processos manipulados,
no que é remendado aos fiapos
para manter o orgulho daquele que não confessa,
o fracasso. Não é do poeta, nem da poesia, não.

É do sistema, é do agente público,
do consenso mútuo daquele que não pensa,
só segue sem norte, sem sul, sem leste
farol oeste de patéticas decisões

Daqueles que se vendem por tudo,
funções, gestões sem prumo com a lei,
é morte ao poeta, ao intelecto pateta
de tantos mestres e doutores,
que rasgam seus diplomas, que adoecem:
alugando a dignidade e a honradez

Desce de vez, o caixão
Não sei ser cidadão na cidade
dos muitos sins, poucos nãos, vários talvez,
é o revés do não sei, do não desgaste,
que rasga a parte do poema que versaria sobre princípio,
mas, resolveu falar do fim.

De todos nós, para todos nós,
a se confirmar, ad referendar
a livre manifestação artística
não padece no processo administrativo disciplinar.

Poemicídio

Eu sou um artista,
admita que você não gosta de mim.
Porque eu não me importo,
já disse isso na sua cara

Eu nasci pra incomodar,
pra transgredir, pra questionar,
para acusar e para denunciar

O imposto não me serve,
em nenhuma semântica,
a minha palavra é satânica
só pra chocar o senso comum

Minha arte incomum
não tem rabo preso,
não deve nada a ninguém

Quando eu falo e te desconcerto,
você vai me rotular de qualquer coisa:
de louco, intransigente, imaturo

Ora, a novidade sempre vem verde,
o mundo mais justo não caminha junto
com tudo aquilo que você abre mão e cede

Seus ideais, suas metas, seus sonhos e objetivos.

Em algum momento, você foi abandonando um fragmento do futuro
e, agora, se sente constrangido.

Vendeu ao capital, à sobrevivência,
ao status, à aparência, vendeu à qualidade de vida,
à estabilidade material:
vendeu para conquistar tudo,
e não ter nada

Para se dar conta na estrada
que o primeiro que questionar o seu sonho
é bravata de adolescente

Que nada,
é caráter,
é ter norte e rumo
é perseguir com clareza algo certo
e te deixar, incerto, no escuro

Não adianta mentir em hipocrisia
que defende os animais e ter um cachorro de estimação.
Não adianta se dizer contra a corrupção
e calar quando convém e ler tudo, menos a nota de rodapé.

Desculpa, não adianta manobrar a regra quando vale a pena,
a arte sincera sente pena, e não se cala.
A palavra não precisa ser dita para ter voz,
e arte ganha vida quando se percebe suicida para nós.

Silêncio

Minha palavra não me protege
todo mundo fingiu que não viu,
todo mundo está calado,
nenhuma fala na família,
nenhuma palavra nas escolas,
nenhuma menção no trabalho,
nas redes sociais, nenhum manifesto

Detesto.
O silêncio impune.
Ao menos cinquenta vidas,
humanas, perdidas,
Fobia de homem
fobia de mulher
fobia de amar quem se quer

Silêncio.
Minha palavra não me protege
Poesia de morte de iguais,
de iguais que amam diferente

Um massacre desumano
por ser quem somos
humanos

Fica o manifesto para os homens
civilizados, que usam o lado humano
de respeito ao próximo

Caixões com pano de fundo colorido
hoje, preto e branco.
Não só em Orlando.

Gerenciamento de Pessoas

Se eu trabalho com processos de pessoal,
não é gestão de pessoas é tarefa de setor,
Se eu trabalho com recebimento de solicitações,
não é gestão de pessoas, é acolhimento de trabalho.
Se eu atendo um pedido de servidor, sou servidor,
não gestor de pessoas.

Gestão de pessoas presume mais:
é o ouvir e o falar, é o diálogo
é saber escutar sem ressalvas
com os cuidados éticos.

É mais do que palavra,
o memorando, o comunicado,
até mais que o poema,
trata-se do zelo primário
com o ser humano

É a pessoa que eu gerencio,
emoção, expectativa, ansiedade.
É o medo, o receio, a fragilidade,
o caos escondido no sorriso fácil,
a dor aguda que só o olhar demonstra,
o cansaço que só a agitação do corpo denuncia

Gestão de pessoas presume mais
são direitos não garantidos,
mas necessários, o que não está escrito,
aquilo que se faz legal por objetivo

Desconstruindo pessoas

E quando não se dava nada por alguém,
a doação total constrangeu,
e quem disse que o mendigo na rua
é coitado, a compaixão dele cedeu
a partilha do pão de ontem

E quando se achava um ser humano perdido,
perdido foi o ego ferido, quando ferido,
por aquela mão que se estendeu

E quando o cuidado necessário se fez presente,
mas o dinheiro não pôde bancar,
quem nunca foi cogitado se ofereceu sem centavos.

O idoso moribundo ainda pode cuidar das crianças,
a criança frágil e pequena diz verdades escondidas das outras bocas,
o jovem imaturo também ensina que a coragem não se ensina,
quando o sistema sufoca tantas adultos maduros,
o deficiente é servidor público que trabalha e não foge do ponto,
e o ponto final é só um blefe.

A vida nos pede a reincidência das reticências

Segunda impressão

Quem não me conhece
não me sabe, nem da metade
do que esse corpo passou,
das surpresas que a vida pegou,
julga sem saber, sem sentido
por me acharem sério e aborrecido…

O corpo reage diferente do espírito
que, mesmo maduro, não perdeu o carinho,
a doçura, nem o prestígio da companhia;
não jogou fora o dom da alegria,
a vontade de amar, a preocupação,
nem o apreço, o peso do íntimo

Quem não me conhece
não me sabe, não me percebe,
e eu, eu não peço a prece,
nem quero que você mude,
vou deixar você impune
de ter me visto, não culpo,
não, não, não…. Primeira impressão!

A segunda, a retificadora,
só pra quem merece, só pra quem sabe,
olhar os outros e ver pelo coração….

Homem afetivo

Não é seu sexo que eu quero
Não é o alimento da carne
Não é o fetiche dos homens
Nem é aquilo que consome
Nem é aquilo que aprisiona
Nem quero saber da cama

Quero de você o riso encabulado
Quero de você o sorriso abafado
Quero a alegria contida, encanto
Quero o brilho nos olhos, sonho
Quero aquilo que espera liberdade

Por nós dois, quero o não vivido
No plural ser seu não sendo
Nas nossas singularidades,
Quero o momento!

O que a gente não quer descobrir só
Eu quero ainda o mais temeroso
O que pode ser perigoso
Desvendar unidos
Retirar as vendas do amor que não será nunca vendido

Eu quero que você aceite
O convite que sufoca agora
O presente que paralisa
O nó na garganta que agita o coração
Por que não, afeto?

Homem afetivo
Homoafetivo

Semente

Fora que eu já chego
meu corpo é seu maior apelo
sinto que não me tenha
sou ferrenha quando amo,
alma sedenta

Sou as garras de fora
ousada, não bato a porta
convido para se entregar

Não aceito chá, nem calmante
não fumo, nem bebo, seduzo,
não sou cartomante

Confundo seus sentidos
com meu corpo rígido,
sem expressão

Sensualizo de outra forma,
não mostro o meu corpo,
nem minhas pernas vulgares

Sei que de tudo sou de fato
melhor que seus muitos ares,
mesmo que não lhe dê confiança

Não sou a vendida da esquina
fácil como nota de cinco,
não me faço rara como nota de cem,
sei que não valho,
não sou comparada nem comprada por ninguém

Seu status não me encanta,
seu dote não me anima
não sou santa, mas seu crachá de bacana
não levanta o ânimo, sinto muito

Se isso é o que lhe prende, aprende
que eu não preciso desse seu corpo doente,
dessa mente perene, atitude que não muda

Sou muda, filha do meu próprio ventre,
astuta, vivo o sempre e o sempre da semente
que nasce, cresce e cai,
reinventa-se

O que eu conheço de mim
não é nada na humanidade.
Se descubro um homem,
não descobri todos

O singular sou eu, individual,
mas eu não sirvo de amostra,
não sou útil em estatística…
Como linguísta também passeio na área
matemática

Sou ciência humana, sou palavra,
sou expressão da minha vivência,
minha própria marca registrada
é a forma como disponho calada
cada fala que um dia vai ser proferida
na leitura erudita de um poema
que não disse nada de mim nem de ninguém

É só arte que não cabe no só

Peçonhenta

Cobra comigo não se cria
serpente rasteira e daninha
seu veneno não me afeta
sou soro que o vento leva

Seu veneno não me é malefício,
bebo com gosto e não me finjo,
sou persuasivo com o bem e o amor,
coisa de quem sabe da vida com louvor

Não preciso de mentira nem de chantagem,
a minha arte eu faço com o calor da honestidade….
Sem medo do perigo, minha mão carrega o pingo de antídoto
Não preciso matar a cobra, não meu ´perco meu tempo,
mas agora não rasteja para trás, o que você me fez passar
não vai me fazer mais, serviu de experiência

Não mostro o pau com o cadáver porque a lição,
por mais que seja doida, mudou a minha vida,
agora sou mais forte com o seu veneno,
imune à cobra que me feriu por dentro

Eis a vida

Vamos nós entregando a vida ao destino
do bem e do mal, céu e inferno, simples.
Vamos colocando limites vagos,
ditando tudo, o certo e o errado
pela moral e os bons costumes

Vamos escolhendo pelo que já está posto:
Teorias da existência de cada louco
que convenceu outros tantos outros
da veracidade do papel

Vamos, então, acomodados por baixo,
pelo pouco que nos foi dado,
opções de desgosto

Vamos cessar nossa mente
para novas outras possibilidades
por medo, terror das divindades
tão bem instaladas socialmente

Ignorando tudo o que está colocado,
amostra dos coitados condenados,
vamos fingir que nada disso existe:
O que você poderia dizer sobre a vida?

Fora aqueles que levantaram suas teorias há milênios,
pelos quais você fundamenta a sua opinião há décadas,
quem mais hoje tem coragem de pensar além, há novidade?

A novidade é apenas uma velha amiga
daqueles que pensaram antes de nós
e nos convenceram além-tempo-da-carne

A novidade é apenas uma velha amiga
daqueles que se acorrentaram na preguiça
e se convencem que as dicotomias são o ponto final

A novidade que foi trabalhada eras antes
é a mesma que ainda incomoda lá no fundo
sem os panos loucos da consciência já construída:

Eis a vida: ?

Tapa na cara

Eu não gosto dessa palavra: Deus
não gosto mesmo, desculpe.
Já está carregada demais,
falam tudo, defendem tudo
do amor ao ódio, à morte,
à perseguição: Deus

Chega de manipular essa palavra.
Eu sei que dentro de cada um
há uma luz quando a gente nem sabe
se tem um túnel pra ter fim.

Eu só sei que o otimismo exagerado
é diferente da realidade, não se iluda.
Ninguém contou que o milagre chegaria,
até a mudança maravilhosa precisa ser construída.

É muito simples arrumar desculpa para tudo,
colocar uma pedra a mais no caminho
para dizer que a culpa não foi sua.

O fracasso dói mesmo, machuca,
mas tem gente que o persegue,
tem tendência para sofrer,
um mau gosto horroroso pela vida

Não precisa se envergonhar de cair em si,
se você mesmo não sabe o que quer da vida,
ninguém vai oferecer a solução, nunca

Isso é uma busca sua, ou não…
Já que prefere o pessimismo irritante,
olhar os espinhos, sem saber que
isso não é uma metáfora para as teorias
motivacionais humanas

Não é querer colocar um sorriso de esperança,
não vai resolver, só amenizar, empurrar
para depois uma angústia que a maioria possui

Não seja ridículo, por favor
toma conta do que é seu por direito:
Só a sua vida, faça por ela
o que ninguém faz por ela

Cansa ouvir o tempo todo
a mesma lamentação de sempre,
e nada tem mudado esse tempo todo

Não é somente uma questão de crer,
e quem vai deixar de desejar dias melhores?
Quem é louco a esse ponto?

Prática, perseverança, ah, disso…
Você desiste fácil, não é verdade?
A primeira pedrinha já é uma montanha!

E aí vem a oração fabricada,
a lamentação na ponta da língua,
a vida que não anda…
Deus já está colocado em dúvida,
logo você que se diz tão devoto!

Ninguém sorri vinte quatro horas.
A vida não é um mundo perfeito,
um arco-íris maravilhoso
o tempo inteiro

Por que pra uns a força,
o entusiasmo, a garra
nunca cessam?

É um toque mais forte?
Será que Deus carrega
alguém no colo e deixa
outro andar a pé?

Não tem mistério para a felicidade:
Fé sozinha não basta, coloque em prática!
Sinta na carne as porradas que a vida te dá,
aceita suas falhas sem culpar ninguém,
modifique-se com atitudes e humildade

O mar de rosas é uma farsa
que a sua inveja inventa
para justificar as vitórias dos outros,
e as suas, coitado… tadinho, cadê?

Cadê a vida na sua mão,
a confissão do seu erro, esqueceu?
Será que evoluir é uma questão de sorte?

O sol nasce para todos, a lua brilha pra todos…
Ninguém nasce com a bunda virada pra lua
porque todos nós recebemos a mesma radiação…

Sinto muito se ninguém pega os seus problemas
e diz: vem cá, vou resolver pra você um por um
porque estou com o tempo sobrando, com os meus já resolvidos

Poupe a vida das suas ladainhas, desse chorinho
infantil e ridículo que não te tira do lugar, ah,
sei lá quantos anos, não é?

Você vai ser perseguido, sim, sinto muito.
Vão querer puxar seu tapete várias vezes,
o tempo todo, todo dia, querido!

Isso não é uma guerra, ninguém vai voltar
e acabar com todas as suas lágrimas do dia pra noite.
Você mesmo que tem se açoitado com ilusões,
com esperanças infundadas e conformadas,
confortáveis aos acomodados…

A quem interessa saber, a realidade está aí,
para todos nós, sem privilégios.
Tem quem encare, tem quem se esconda
com medo de levar na cara hoje
pra sorrir amanhã!

Fases

Licenciatura em Letras/Literaturas. Instituto Federal Fluminense. Teoria da Literatura II. Barroco, Arcadismo e Romantismo.

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I

Sou louca, louca,
oca de Deus,
pouco racional
barroca do macaco
homem ancestral

O demônio vive um Deus avesso,
os santos cedem e não intercedem
nem para um, nem para outro
sou uma rouca que grita
na poesia vendida, vadia da prosa

Sou o pouco que me basta
e sou o basta que diz muito
sou a rima rica do adjetivo pobre,
a pobre que se limita à épica

II

Sou mimética e árcade,
cálice de um eu que não bebe,
não teme, apenas vive
sou, por mérito,
uma tola qualquer
vivendo a vida que der
reequilibrando paixão e fé

Sou o banco da praça
que a praga não deixou
grama fincar, sou a cama
sem flores, sem amada,
sem pudores, sou só

Sou o agora que o tempo não cessa,
sou a vela que não se apaga,
nem derrete, sou mente sem deleites
que vive o hoje debaixo da chuva
sou a filha da prostituta
que não sabe do destino da mãe,
filha da mãe, da avó

III

Sou daquela que não se toca
o futuro certo que não vivi,
sou, por todos esse pretérito
do amanhã, vilã de mim

Sou a toca do jabuti
que sonha, alto, tamanha
que corre de si

Sou a fase da idealização,
apaixonada, por que não,
por criação igual a mim!?

Sou a criança que conhece seu destino,
o vício da morte viva, condenada, vendida
que a sociedade vai reprimir já nas cantigas,
a qualquer toque, quem dera, eu encoste na sua virilha

Sou filha do pecado, natureza do lado errado
mas se quero alguém do lado, que seja você
a fuga dessa loucura padronizada
eu, eu, eu amo quem eu quiser,
mesmo que não agora, sou o ontem
e o amanhã, esperando o lado
que não se aconchega no divã

IV

Sou de toda um clássico
ato falho dos movimentos literários,
tive e tenho minhas fases, coisa de fera
que muda, que sonha, que cruza e urge

Sou do tempo do século dezesseis:
adolescente como a rima que se fez,
que não reconhece a própria voz, louca, barroca

Sou do tempo do século dezoito: centrada,
curtida da vida, da mocidade que amadurece
da planta que floresce e borda outro momento

Sou vigente, virgem do século dezenove,
apaixonada e densa que deseja e não pensa,
cabeça de vento, sou o tormento do desejo

Sou as fases que se fundem, se completam,
sou marginal das cronologias, sensual
e irresponsável nos movimentos…

Sou clássica
na atualidade,
sou dualidade
romântica e rude,
como o cuspe
que mata, envenena

Sou aquilo que funde, entrelaça,
sou ave que sobe e voa rasteira e rápida,
sou mulher que transpassa os moldes,
confundida, vivida, predominantemente,
cheguei aos vinte e um

Catarse de catorze

A energia do ano novo já está crescendo,
vem vibrante e lindo, límpido ao coração.
Paz que bate na porta, que brota, contemplação,
antes que eu desapegue do passado,
meu muito obrigado

Os minutos passam,
dois mil e catorze ou quatorze,
como queiram, vem pé ante pé
dizendo para ir com calma até ele

Não faça muitas expectativas primeiro,
janeiro é apenas uma criança de colo,
e antes que a vida passe e tudo se repita,
mais uma vez, até a chegada do bom velhinho,
precisamos dos trilhos, do caminho, de um futuro
que só nós expelimos, nova idade, novidade.

Depois que morre fica tudo aí

Depois que morre fica tudo aí,
não adianta chorar pelo defunto,
não tem nada de luto, acabou de partir

Paletó de madeira, pensou muito, deu bobeira,
a vida passou assim, pensou que era brincadeira,
caiu na besteira de achar que tinha tempo

Pra quê? Que tormento, acabou seus momentos,
a vida não é passatempo, passa rápido,
e você, que fiasco, virou muquirana, deu um de bacana,
preocupou-se com tudo, não conheceu o mundo,
mas fez a viagem, estamos aqui de passagem,
coisa curta é a vida, capricha no caixão,
seu dinheiro, levou pra onde, patrão,
sete palmos ao chão

Pensou que teria casa no subsolo?
Morreu com remorso, não tem mansão,
não tem gaveta, não tem ilusão,
a família briga pelo que sobrou
enquanto pra você acabou

Depois que morre fica tudo aí,
o carro de luxo, o telefone mudo,
deixa na caixa postal que foi ladrão

Mas o celular não é seu,
querem dividir a herança
seu tempo de bonança
ficou na lembrança
dos infortunados

E você, pobre coitado,
morreu, deitou em espuma qualquer,
economizaram um pouco o que você guardou feito louco
– e defunto precisa de conforto?! É tudo igual! –

Vai decompor, não adiantou o título de doutor
nem de barão, afinal de contas vai cair na escuridão,
depois que morre fica tudo aí, tudo aí, para usufruir

Coisa que você não fez, fazer o quê?
Depois que morre fica tudo aí,
depois que morre fica tudo aí
fica tudo aí, depois que morre!

Mania de perseguição

A sombra dá medo
era alguém escondido
querendo lhe assaltar

O colega de trabalho fofoca
sobre uma atividade que não lhe compete
e nem lhe interessaria

O amigo é falso, traidor,
se indica pra uma promoção
mas pede segredo a sua companhia
para lhe inscrever

A caixa do supermercado, implicante,
passou uma lata de ervilha
duas vezes, sem querer, de propósito

O semáforo está sendo consertado
em hora indevida só pra atrapalhar
a sua ida pra casa

Até o banco vinte e quatro horas
parou de funcionar pra lhe prejudicar,
não importa se o estabelecimento fecha
vinte e três e trinta

Se a gasolina sobe,
não é falta de sorte,
o dono do posto
não foi com a sua cara

Se o garçom não passa na sua mesa,
nunca mais volta no restaurante
pouco importa se ele está
sozinho no trabalho,
por causa de outro colega que não veio,
estava com a mãe no hospital

E não interessa se até a chave de casa
não está no seu bolso…
Culpa do seu amigo que lhe distraiu,
ao apertar sua mão e ir embora,
esqueceu que naquela hora
a chave ficou em cima da mesa do bar

Mania de perseguição, loucura!
Tratamento nessa altura do campeonato
não seria também causa de punição?

Alta velocidade

Não me interessa seus caprichos,
coisas de um bicho bem adestrado,
destes que são mimados até para deitar no caixão

Tudo é cuidado, tudo é proteção sem sentido
não me interessa a sua orientação, não importa;
Coisa banal demais se você tem carro do ano, coisa e tal

Tomara que seja multado, reboquem o seu amuleto social,
status para publicar na rede, compartilhar no face,
tomara que curtam sua falta de postura, erro cruel

Bafômetro não respira, é bem isso que me dá inspiração,
indignação, que lhe cassem a habilitação!
Sem habilidade nenhuma, quem foi o louco,
aloprado que lhe permitiu a condução?

É recondução de tantas vidas antecipadamente
para a morte, ou para a vida mutilada…
Eu maltrato a língua, a Portuguesa que registre bem:

A revolta deste alguém que despreza compaixão
com assassinos em alta velocidade

Operário do destino

A vida é tão maior que uma simples posição social!
Enquanto todos se matam na cobiça de ser,
eu apenas sou, e nada mais.

Estou aqui de passagem, e perdoem o desabafo,
o meu ego não é abafado por pequenas coisas,
que para outros são o motivo da própria vida.

Ora, minha vida, não tema por mim
estou aqui para crescer na vida,
sair dessa inércia sofrida
dos muitos que pouco fazem

O meu valor vai muito além
de tudo o que você pode imaginar,
não me cabe aqui julgar os atos de ninguém,
mas, meu bem, vou te contar um segredo

Nessas tantas passagens, sei que não sou
passageiro de primeira viajem…

O corpo pode parecer frágil,
o invólucro primário pode estar debilitado,
mas a minha alma, que carrega a entidade,
e a identidade de muitas vivências,
essa vai se expandir sem vaidade alguma.

Eu preciso cumprir o que foi determinado,
estou aqui, aceitei assim ser guiado e protegido,
sendo o provador do verdadeiro Divino,
operário do destino e da vida.

Definitiva

Eu não vou criar armadilhas
nem emboscadas, se eu não tenho
sequer nenhum motivo para ser
encaminhado para as ciladas dos outros

Eu não vou julgar até que me peçam
uma postura, uma decisão sobre atos,
conflitos que se formarem comigo,
exclusivamente

Mesmo que eu não confie, e que meu santo não bata,
não sou eu quem vai se render aos caprichos de terceiros,
nem dar minha cara à tapa, sem razão aparente

Porque na vida se aprende que pão é pão, queijo é queijo;

Eu não vou me dar ao luxo de comer pão com goiabada,
mas também não espere de mim a falsidade do beijo,
se forem me dadas concretas desconfianças, somente as necessárias;

Eu não sou o tipo de pessoa que me vendo por pouco, – nem por nada! –
e não subjugue a minha inteligência… Ora, que testem minha paciência,
mas não duvidem sequer um segundo que eu estudo os dois lados
para, quando preciso, tomar a última palavra, a definitiva.

Cessar fogo

Recusem as armas em punho,
joguem as armas ao chão,
não aceitem, meus irmãos,
mirar na vida do outro,
acabar com o sonho do outro
de voltar para a própria vida,
de voltar cada um pra sua paixão

Não aceitem mais derramar sangue,
não admitam, por favor, esse joguete,
pensem na vida de vocês, cada um
com a culpa de uma partida desnecessária

Não eliminem mais uma razão de amor,
não se entreguem à insanidade cruel…
Chega, meus queridos, desse sofrimento
completamente sem sentido

Desarmem-se desta loucura,
abaixem as armas da morte,
tenham piedade do amigo hipnotizado
para ser inimigo alucinado de nós mesmos

Cessem o fogo do ódio enquanto há tempo
e um coração batendo no peito de cada um…

Multipovo

Quando o silêncio reinar no lugar da dúdiva, e nenhuma arma for levantada,
nem mesmo uma palavra mal-criada for proferida, estaremos apenas no começo;
No príncipio de entender que a dor do outro, causa a dor de um terceiro,
e a dor do quarto pode voltar a bater no primeiro…

Quando uma lágrima não for colhida por uma mão
que não seca a própria água de sentimento,
essa negligência tem seu custo, tem seu preço

Quando a prece vazia ganhar sinônimo de apreço verdadeiro,
aí todas as crenças sem ou com cruz terão sentido no amor
sentimento que na palavra não basta, é no ato que se sente…

São de fatos que se nascem sentimentos, não basta nutrir
dentro do peito, não basta guardar no coração,
quando todas as vocações estiverem voltadas,
quando todas as falas fizerem sentido no ato
será uma questão de paz interior

Sintoma de dever cumprido, a chamada paz de espírito,
mesmo para aqueles que não acreditam…
Então outro nome: Conforto pela vida

Desejo de muitos, perseguição de tantos,
mesmo que de boa intenção, mas ainda há erro,
nas milhares de crenças ainda falta respeito

Ah, como seria bom se todos nos déssemos conta
de que não importa o quanto se vive, ainda é preciso aprender,
ter essa compreensão que qualquer convicção não nos torna
melhor, nem superior, nem pior e nem inferior aos outros

Que somos um grande multipovo de muitas línguas,
muitas peles, muitos jeitos, que somos um grande povo
que sofre, que ri, que espera, e que age,
somos um grande multipovo de diversidade
precisando fazer parte cada um mais de si…

Luto

Fonte: Google Imagens

Fonte: Google Imagens

É preciso muita sensibilidade
para chorar o desconhecido
para sentir que tantos partiram

É preciso mais amor pela vida
numa fração de segundo, e tudo muda
famílias se desfizeram no enigma,
na pergunta da existência…

No questionamento da dor
só resta o luto…

– De um estado, um país, –
cento e oitenta ao menos,
– até no mundo –

Manhã de vinte sete
na madrugada a alegria,
amanheceu triste

E quando ainda nos perguntamos
porque isso tudo ainda existe,
nos corações ainda humanos
a tristeza se instala…

A reflexão e o pesar nos acompanha
na complexidade daquilo que há,
do lado de lá, ao Sul…

Imensurável imaginar a dor da partida,
por tantos que ainda restavam tanta vida…
Fatalidade de um tempo em que tudo é rapidez
seria utopia, senão insensatez, uma palavra de conforto…

Se também me pergunto o quanto o tempo é louco,
quando se pensa que ainda nos resta muito,
uma trapaça do acontecimento nos mostra o pouco…

A fragilidade da vida só não nos é mais evidente
enquanto estamos na zona de conforto,
em meio a este acontecimento, acordamos,
comovidos, em luto

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Pela tragédia na boate em Santa Maria/RS  em 27/01/2013.

Às 11:23  a estimativa de óbitos era de no mínimo 180. Às 15:05 são confirmadas 232 mortes.

  •  Horário oficial de Brasília.
  •  Horário brasileiro de verão.

Sexo Frágil

Sexo frágil contra a brutalidade,
violência covarde, sexo frágil, que nada!
Espírito torto que da agressividade
acha que vai sair a verdade da evolução!

Homem, sem esse estereótipo
que se for homem mesmo não bate.
Ora, que mulher também sabe agredir-se

Pensa que a hipocrisia não quebra no nosso nariz,
não machuca nos olhos, e não dilata nosso corpo
em defesa daquilo que é puramente humano:
Instinto de proteção?

Ora, que diga pra mim, fundamentalmente,
– Homem, que homem, covarde!
Fazer da mulher saco de pancada, pura maldade?

Ora, que digam o quanto quiserem
mas mulheres, cá comigo, não me venham
chorar as mazelas das suas loucuras de amor!

Que apanham caladas, pensando na família,
que não querem atrapalhar a criação dos filhos
e tão pouco um casamento armado,
que já não caminha bem pra ninguém,
servindo apenas de fachada social

Ora mulheres, que tolas mulheres,
esse amor doente que vocês dizem ter
não vai consertar um animal enjaulado
não vai amenizar o leão necessitado
das gandaias, das floretas de outras mulheres

Ora que amor é esse, me digam, por favor,
que eu tento, mas não consigo entender:
Como um soco no rosto, um tapa no ego,
como uma bofetada na sua autoestima,
ora, digam, expliquem como isso rima com amor?!

Spollier

Eu não vou viver da história
que seu preconceito escreveu pra mim
Eu não sou assim, digno da sua torpe interpretação

Eu não vou viver o destino desse personagem
esteriótipo social com final já armado
Eu não sou do tipo de que vive um spollier
condenado ao final que já se faz final na metade…

Eu não vou viver dessa forma patética
que até o mais desatento dos meus
se acha no direito de fazer comentários
vagos, rasos com risos debochados
anunciando o meu caminho, por eles, praguejado

Eu venho para surpreender, dar outro rumo
a vida destes tantos personagens de segundo plano
capazes de se autoidolatrarem por servirem
meras xícaras de café

Eu venho para corromper uma história morna
sem mistério, e sem glória,
com mais da metade da vida corrida
ainda sem perspectiva
de saída deslumbrantemente marcante

Eu venho na contramão daquilo que é imposto
partindo do pressuposto de não ser mais um,
mas também não me permitindo ser diferente
sabendo que o preconceito sendo consistente
enraizado já na mente daqueles que ainda não o tem,
seria para mim uma nova ruína, infelizmente

Eu venho para ser coerente com a mudança
sem a mínima pretensão de ser, sozinho,
o paladino da revolução…

Eu venho para reiterar apenas um momento
necessário de ser iniciado, ainda que tarde
pela literatura e também pela arte da vida
que não condena o individuo individual
mas que a sociedade tem, erroneamente,
feito cada ser único, um grupo de desigual…