Democracia estrangulada

Saindo de fininho
com receio de contato,
com cansaço de dizer o mínimo,
de falar o básico,
de explicar projetos de poder,
e das cartadas da mentira,
e do malabarismo com a informação…

Cansado de ver o povo em pesquisa de opinião
sem fundamento, e de questionamentos vazios
e o Brasil sem direção

Cansado de dizer das armações para a mídia
e da milícia da desinformação,
cansado de mentiras e de colocar no outro
as suas verdadeiras intenções…

Saudade do tempo que o Brasil pensava pra frente
e que se era discutido até a privatização
com democracia e com argumento,
sem fanatismo e sem envolver religião

Saudade do Estado laico
e do contraponto,
não essa contradição

Saudade de governo que tinha oposição,
e não opositores em cada agressão
à democracia, ao Direito, ao orçamento público,
às políticas públicas que não transferiram apenas renda,

Saudade de um projeto de política pública de inclusão
do pobre até a dignidade da comida na mesa,
do acesso à Educação, da vacina no braço
e da Constituição

Saudade de um País respeitado como Nação
que tinha voz no mundo, diálogo
e tratava bem sua população

Que desse o mínimo, é verdade, do necessário
que tinha compaixão, que não era um mártir,
nem um iluminado, ou qualquer coisa que o valha,
e não dividida religião

Saudade da civilização,
sem ódio, sem arma como solução

Faz falta é criança na escola,
jovem querendo outra visão de mundo,
mulher escolhendo a profissão que deseja
sem estar com o destino preso e sem direito,
sendo empregada doméstica por falta de opção

Não digo que o mundo era perfeito,
nem tão pouco que não havia coisa errada,
mas, não havia medo em cada calçada,
jornalismo era crível no livre exercício de imprensa

Saudade de um mundo que pensa sem medo
e do cansaço do zelo de levar comida pra casa
Saudade de uma vida em conjunto, e não separada
de gente que somava sonhos, e não críticas e ódios
com ensaios de facadas, de trocas de comandos,
de interferências generalizadas

Não tem literatura que aguente tanta moralidade torta,
tanta perversidade em nome de Deus, tanto alarde com pautas
que não levam nada a coisa alguma, tanta malandragem…

Não aguento mais desmentir alucinações,
e delírios propositais de gente perturbada,
e maldosa, e mentirosa e covarde,
que escancara o pavor, que cita denúncias inverídicas

Saudade do progresso que se almejava,
saudade eu tenho da democracia
antes de ser estrangulada

Morte ao poeta servidor público

A moeda matou o poeta,
a inflação, o preço do combustível,
o índice dos alimentos, puxaram a aceleração da recaída,
a alta do padrão de desumanidade, é parte da precificação,
a morte do poeta deu uma aquecida.

A taxa de juros mesmo quando abaixa, corrói;
quando tudo está no controle absoluto do status quo,
a morte do poeta se faz necessária, nessa ancestral hipocrisia,
coisa lendária até, eu diria…

Ah, o poeta que sente e não fala,
a mordaça é um pano de fundo
para uma faca afiada, é guiso,
é rito sumário de um Estado sem rumo,
arruma o funeral do poeta

Que não vê mais graça
no griz dos processos manipulados,
no que é remendado aos fiapos
para manter o orgulho daquele que não confessa,
o fracasso. Não é do poeta, nem da poesia, não.

É do sistema, é do agente público,
do consenso mútuo daquele que não pensa,
só segue sem norte, sem sul, sem leste
farol oeste de patéticas decisões

Daqueles que se vendem por tudo,
funções, gestões sem prumo com a lei,
é morte ao poeta, ao intelecto pateta
de tantos mestres e doutores,
que rasgam seus diplomas, que adoecem:
alugando a dignidade e a honradez

Desce de vez, o caixão
Não sei ser cidadão na cidade
dos muitos sins, poucos nãos, vários talvez,
é o revés do não sei, do não desgaste,
que rasga a parte do poema que versaria sobre princípio,
mas, resolveu falar do fim.

De todos nós, para todos nós,
a se confirmar, ad referendar
a livre manifestação artística
não padece no processo administrativo disciplinar.

Poemicídio

Eu sou um artista,
admita que você não gosta de mim.
Porque eu não me importo,
já disse isso na sua cara

Eu nasci pra incomodar,
pra transgredir, pra questionar,
para acusar e para denunciar

O imposto não me serve,
em nenhuma semântica,
a minha palavra é satânica
só pra chocar o senso comum

Minha arte incomum
não tem rabo preso,
não deve nada a ninguém

Quando eu falo e te desconcerto,
você vai me rotular de qualquer coisa:
de louco, intransigente, imaturo

Ora, a novidade sempre vem verde,
o mundo mais justo não caminha junto
com tudo aquilo que você abre mão e cede

Seus ideais, suas metas, seus sonhos e objetivos.

Em algum momento, você foi abandonando um fragmento do futuro
e, agora, se sente constrangido.

Vendeu ao capital, à sobrevivência,
ao status, à aparência, vendeu à qualidade de vida,
à estabilidade material:
vendeu para conquistar tudo,
e não ter nada

Para se dar conta na estrada
que o primeiro que questionar o seu sonho
é bravata de adolescente

Que nada,
é caráter,
é ter norte e rumo
é perseguir com clareza algo certo
e te deixar, incerto, no escuro

Não adianta mentir em hipocrisia
que defende os animais e ter um cachorro de estimação.
Não adianta se dizer contra a corrupção
e calar quando convém e ler tudo, menos a nota de rodapé.

Desculpa, não adianta manobrar a regra quando vale a pena,
a arte sincera sente pena, e não se cala.
A palavra não precisa ser dita para ter voz,
e arte ganha vida quando se percebe suicida para nós.

Silêncio

Minha palavra não me protege
todo mundo fingiu que não viu,
todo mundo está calado,
nenhuma fala na família,
nenhuma palavra nas escolas,
nenhuma menção no trabalho,
nas redes sociais, nenhum manifesto

Detesto.
O silêncio impune.
Ao menos cinquenta vidas,
humanas, perdidas,
Fobia de homem
fobia de mulher
fobia de amar quem se quer

Silêncio.
Minha palavra não me protege
Poesia de morte de iguais,
de iguais que amam diferente

Um massacre desumano
por ser quem somos
humanos

Fica o manifesto para os homens
civilizados, que usam o lado humano
de respeito ao próximo

Caixões com pano de fundo colorido
hoje, preto e branco.
Não só em Orlando.