Revogada

Não me coloque à prova
para o espetáculo
não mereço aplausos
nem sou digno de vaias

Não me desafie em tudo
não preciso comprovar nada
nem te atestar qualquer mérito
minha vida não vai ser calculada

Por nenhum erro me culpo,
por mim, até me retrato
não para me ver validado
porque há muito
aprendi a ser eu de fato

Não que meu ego domine
ou não mereça críticas,
elas são até desejadas
porque aprendi, sobretudo,
por elas evoluir
deixar marcas

Erro sim, é verdade,
não admito, com tudo, ser condenada
por falhas humanas abstratas

A minha trajetória, por fim,
autoriza apenas o eu
como sujeito da caminhada

Aprendi a corrigir sem ser avisada
e, no que eu puder resumir, serei retificada
e se não quiser assim,
ao que pensas de mim
serei sempre revogada

Sê eu

Onde buscar poesia
nessa vida atribuída
atribulada
atrapalhada

Em dias de chuva
sem a florada das flores
sem o orvalho que ressignifica

Livre-arbítrio
preso em
compromissos
de receitas
de remédios
não tomados
de diagnósticos
infundados
infecundos
infrutíferos

Em busca do que é belo
para justificar mais um
dia sem gosto, insosso
feito sopa sem tempero
sem vontade de cozinhar
ou de coser para pensar
em tempo a perder

Compartilhar a vida
em traços de compartimentos
sem buscar lamentos
para os elementos distintos
de várias personas do eu

Por onde anda os meus desejos
que já não se vocalizam mais
em minhas palavras
escritas ou faladas

Muita coisa já não passa mais
pelas minhas mãos, não produzem mais sons
O verbo transmitir – direto –
já não diz mais nada

Fragmentos de paz e de silêncio
evitando aborrecimentos
emburrecimentos
emudecimentos de reflexão

Flexões do tempo
que sabe passar
sem instrumentos
em amadurecimentos
ao longo dos meus
seres meus
em um só