Eu sou o incapaz do século 18
negro escravizado que não viam como gente,
eu sou o incapaz do século 19
criança e mulher, – velho até – da jornada de trabalho absurda
eu sou o incapaz do século 20,
mulher, subjugada, incompetente para o alto cargo
Eu sou o analfabeto do século 21 que assina com os dedos,
sou o deficiente ainda visto como o doente merecedor de cuidados,
subestimado como o coitado da assistência social,
superestimado como o super-herói que venceu,
o exemplo, fora da curva.
Eu sou o começo de luta
que não podia votar,
não podia usar calça jeans,
não podia sair de casa,
não precisava estudar,
sustento que venha de terceiros
Eu sou o que não aceitou
o fato de ser menor ser humano,
fadado ao fracasso social
certo do destino ingrato traçado
Eu sou o incapaz
de aceitar a incapacidade posta
pelos capazes que sempre viraram as costas
do alto de suas concepções de merecimento
Eu sou o incapaz
de aceitar o farelo merecido aos porcos,
doado aos poucos,
pelos próprios incapazes
de ver a vida na sua plenitude
Eu sou o incapaz de não escrever sobre isso,
sou o incapaz de não ter atitude,
aquele grita mesmo, que fala ríspido e rápido
para ver se me respeitam
Eu sou aquele incapaz de engolir a demagogia
dos espaços das cotas de pouca representatividade,
eu sou a incapacidade da arte não decifrada,
eu sou o que não se dava por nada, – e surpreendeu –
Eu sou o esforço que não cedeu,
vencido pelo preconceito – jamais –
prazer,
– o incapaz