Coxia

Saí de cena
voltei para a coxia
encerrei o espetáculo
dessa temporada da vida

Recolhi o cenário
guardei os pertences
quando as palavras cessaram
esvaziei a mente

Descontinuei o projeto
fechei a bilheteria
recolhi a lista de isentos
interrompi a fila

Refiz as prioridades,
hora de mudar de história
vou contar outros versos
ler outros livros

Repensar repertório
repositório da minha alma
buscar referências alternativas
ser diferente de mim

Reescrever eu mesmo
surpreender na nova proposta
esquecer das horas e dos dias
não busco vitórias

Perdi o meu próprio roteiro
não me lembro do script
as falas não me vêm à mente
emudeci no palco

A plateia inquieta
o silêncio necessário
a compreensão da espera
na minha alma
um vácuo

Saí de cena
voltei para a coxia
encerrei o espetáculo
dessa temporada da vida

O incapaz

Eu sou o incapaz do século 18
negro escravizado que não viam como gente,
eu sou o incapaz do século 19
criança e mulher, – velho até – da jornada de trabalho absurda
eu sou o incapaz do século 20,
mulher, subjugada, incompetente para o alto cargo
Eu sou o analfabeto do século 21 que assina com os dedos,
sou o deficiente ainda visto como o doente merecedor de cuidados,
subestimado como o coitado da assistência social,
superestimado como o super-herói que venceu,
o exemplo, fora da curva.

Eu sou o começo de luta
que não podia votar,
não podia usar calça jeans,
não podia sair de casa,
não precisava estudar,
sustento que venha de terceiros

Eu sou o que não aceitou
o fato de ser menor ser humano,
fadado ao fracasso social
certo do destino ingrato traçado

Eu sou o incapaz
de aceitar a incapacidade posta
pelos capazes que sempre viraram as costas
do alto de suas concepções de merecimento

Eu sou o incapaz
de aceitar o farelo merecido aos porcos,
doado aos poucos,
pelos próprios incapazes
de ver a vida na sua plenitude

Eu sou o incapaz de não escrever sobre isso,
sou o incapaz de não ter atitude,
aquele grita mesmo, que fala ríspido e rápido
para ver se me respeitam

Eu sou aquele incapaz de engolir a demagogia
dos espaços das cotas de pouca representatividade,
eu sou a incapacidade da arte não decifrada,
eu sou o que não se dava por nada, – e surpreendeu –

Eu sou o esforço que não cedeu,
vencido pelo preconceito – jamais –
prazer,
– o incapaz

Sem meta

Eu já fiz muito,
sei que não se começa assim
um poema de começo de ano,
mas, compondo esse novo momento,
sem nenhum lamento, olho pra atrás,
porque há o que valorizar no ontem

Eu vou fazer mais,
ainda que não saiba
por onde ir, ainda que sem metas,
vida aberta, como o livro análogo,
liberdade de não ter rumo,
não nesse ano

Eu vou ser melhor,
sem rota, sem reta,
sem placa, sem trava,
sem meta

Objetivos, já busquei demais,
cumpri tarefas em excesso,
passei por anos idos de crise,
não quero crise mais, minha vida,
não vai ter mais ajuste fiscal,
não cometo mais crime de responsabilidade emocional

Vou me desfazer das pessoas doentes,
não quero mais ser paciente com quem
não quer se curar, eu vou me cuidar,
vou viver, viajar, me presentear,
vou ser leve, vou rimar mais,
rir mais alto e melhor

Vou fazer piada, chorar de risada,
vou buscar a minha atitude plena,
cansei de ser pequeno em alto mar
vou me derramar em oceanos,
atravessar o mundo, leve,
apaixonado pela vida que corre,
não comporto mais comportas,
não vou me sujeitar a barreiras,
nem buscar companhia… viver,
viver a maresia da minha própria poesia…

Corpo celeste

Não é hora da divisão,
senão do pão na mesa, de abraço,
de incertezas aflituosas
que podem ser sanadas,
ajustadas – ainda que penosas –
porque é na dor do outro
que eu encontro um igual,
tão preocupado, ansioso,
confuso e cansado,
porém, mortal.

O limite do humano
tão cheio de dúvida,
merece, hoje, concentração,
de forças, de energias,
de compaixão.

É todo mundo junto,
na mesma vida, no mesmo mundo,
cada um com seu problema,
seu dilema particular.

Se é pra ficar com algo em mente,
o lema de toda a nossa gente,
solidariamente, na solidão, em frente!

É esse o recado que se quer passar, em suma:
Assuma, que ainda tão diferente,
tão confuso, o seu mundo precisa do mundo do outro,
porque o universo quer seus planetas em órbita.

Eu sei que você habita um corpo,
e orbita outros corpos,
são todos celestes,
e merecem a mais primária prece humana
a contemplação ao nada, ao tempo.

Um momento:
o céu só fica belo
porque cada estrela, que se sente pequena e só,
– anos-luz distante uma da outra –
(está perto)
– anos-luz distante de eu e você –
(para nós).

Cálido

Eu tenho sangue nos olhos,
corre quente pelas veias,
sei o que eu quero,
ninguém me presenteia
com atitude de um lutador

Corro atrás, e me calo,
não ganho no grito, não berro,
resignado, mas atento, alerto:
não mexe comigo e passa reto,
que a fé que eu tenho na vida,
é tanta, grande, completa,
pense o quanto quiser,
eu não atropelo

Eu me levo aonde eu quero chegar,
se quebro a régua, ponho outra no lugar,
sei me desculpar.

Desculpe-me, eu não vou ficar onde você deseja,
não nasci para submissão, para parar na contramão,
cálido e frígido, por opção

Depende do momento, o oposto do segredo,
depende do momento, essa filosofia,
de quem acredita na vida, e um dia ela muda,
ela vem, a vida que eu quero e ninguém tem

A minha tem garra, tem graça, tem gana, suor,
tem paixão, tem alegria, tem dança, me encanta a luta,
labuta é para a maioria, eu não penso no pior
tenho, e muito, é tesão pelo que eu faço e pelo que escrevo,
cálido, caço, caliente de desejos e,
quando convocado por eles, compareço

Poesia de libra

Voltei a respirar poesia,
a transpirar poesia,
a beber poesia,
a arrepiar poesia

Voltei a ouvir poesia,
a falar poesia,
a sentir poesia,
a ver poesia com a alma

Poesia que percorre o corpo,
delira a carne, a cama,
sem hesitar, excita, poesia

Poesia que invade tudo,
que inebria, que aciona o plexo secreto da vida
e caminha na libido, inibida, ou não

Poesia que atravessa a a filosofia, a psicologia,
que atravessa a literatura, os signos
– até os do zodíaco –
poesia de libra que não tem limites

Poesia que passa por todas as teorias humanas,
que reencarna, sem deixar o ceticismo,
que conhece o céu sem deixar o inferno

Poesia do ocultismo, que conhece o princípio da criação
poesia do homem, que responde a tríade da indagação
quem eu sou, por que sou e onde vou…
poesia da criação do termo tempo
que fugiu de mim, poesia pelas mãos…

Poesia, que sem controle, uma vez perdida,
vira nova poesia, descontrolada, na primeira versão fugitiva,
tinha outros versos que a mente não registra mais,
sinais de que o mundo das ideias, às vezes,
revela o que está por vir – sem querer –

Poesia que desgoverna todos os pensamentos,
em momentos, o ápice do movimento
que une: corpo, mente e universo,
no complexo único momento de ser pleno…

Alimento para a alma

A calma de hoje
vem da passagem
da tempestade de ontem
– que revolta -, mexeu com todos os sentidos.

Das reviravoltas do tempo, que ontem me fez chorar,
dos revezes que a vida coloca, eis a sorte de sorrir de novo;.
A ferida aberta, fecha uma hora, passado tanto tempo;
uma hora, se não passar, passado será você.

Não carrega o ontem nos ombros,
não se pese com os acontecimentos,
seja livre, leve, eleve-se, entregue
o que for fora da sua competência;
a vida só te deu ciência,
não pediu pra você resolver…

Passa pra frente, deixa para o próximo,
cada um sabe o que pode fazer e como agir,
assim, é seu atributo, ser canal do mundo,
adubo de ajudas e contribuições.

A colheita, quem fizer, é o mais necessitado,
mas não sem antes preservar a terra,
cuidar da terra, semear a terra, preparar a terra,
ceder a terra, sem antes a intenção de reservar espaço,
para amar quem vai comer.

Paciente

É o poema o remédio da alma,
na expressão da arte da dose certa,
que alivia em prece reta
entre a vida e a experiência do poeta

São ampolas do tempo que se maneja,
e se manipula a palavra que escorre na veia,
são as correntes de energia capazes, sempre,
de aquecer o corpo e animar a alma

O poema pede calma, cama e repouso;
pede reflexão, paixão, mas repouso;
pede cuidado, pede zelo, mas repouso;
e por pouco, de pouso em pouso,
vai cicatrizando o que era sofrido

E no rito não atesta alta alguma,
nem permite afastamento algum,
mesmo em dias comuns, incubadora das letras,
vai recolocando na alma que escreve e que lê,
o parto e o renascer de um novo
paciente.

Casa cheia

Faço um gesto
ambidestro
saia pela direita
saia pela esquerda
me deixa
dançar com outro par

Sei quando não sirvo mais pra dançar,
eu nem encaixo mais com seus passos,
outrora, tão cadenciados…

A nossa coreografia já não tem o mesmo compasso,
já desalinha quando eu me refaço dos seus laços,
ensaio já não me reserva nenhuma dor
quando a gente tenta o mesmo número desgastado

É o fim do espetáculo
já tão visualizado…
o artista quando cansa da turnê,
encerra o espetáculo

Saia pela direita,
saia pela esquerda,
escolha o seu lado

Eu vou pelo centro
cumprimentar o público,
mesmo de saco cheio
da casa cheia…

Infantil

Sou peão lançado ao vento
balança, ricocheteia,
encontra barreiras,
mas avança

Verso ser criança
e giro, giro, giro
cheio de esperança
só pra, como canta Bethânea,
Brincar de Viver,

Como naquela voz,
de poeta mansa que já descobriu o segredo da vida,
e não se cansa se parar…

Melodia lunar

Cruzo sua vida
volta e meia, rodeia
e deixo a mão aberta
fim do passo que desencadeia

Sigo em frente
dou a mão a outra gente,
rodopia à minha frente
e a mente, ziguezaguear

Fecho o passo sorrateiramente,
sorridentemente, retiro novo par
e na vida da gente, uma nova música,
toca, e gira, retoma, repete,
com pessoas diferentes
a melodia lunar

Falso passo, o improviso,
o impreciso também coreografa,
abre e fecha, e me arrasta
alastra sua alegria pro lado de cá

E quando não se espera,
o contrário do contrário
que ninguém sabe onde vai dar

Corre e sai pelas laterais,
tangencia as minhas emoções,
expressão do corpo que se joga,
acopla suas pernas na minha vida
e avisa que o número vai fechar

Pronunciamento de libertação

Apodere-se da prece bendita
que quebra a desgraça,
a praga maldita
que o homem falho,
falha em dizer em Meu nome

Liberte-se, Eu ordeno,
das energias frágeis
que te aprisionam
cegamente

Limpo na sua frente agora,
– e da sua mente -,
o caminho torto, confuso
e fecho as cruzadas
que não levam a lugar algum

Restauro, profundamente,
seu ser, renovando,
de toda culpa e todo peso
que não te auxiliam na mudança,
mas, paralisam.

Segue adiante, confiante
que há mudança próspera
que se aproxima,
nessa linha onde cada um
borda o manto que salva

Ergue a cabeça que nenhum mal te alcança,
levanta que nenhuma enfermidade te enfraquece,
faça acontecer que nenhuma inveja vai te parar
e não tenha medo, Deus está junto com você!
Eis o poder, verdadeiro, que só os justos têm acesso
porque não pensam exclusivamente no próprio ego

Ergo sobre você um império de graças
que estão muradas de todo bem-querer,
que nenhum ato malígno chega perto,
nem ousa balançar a fé inabalável
que Deus tem por você e você tem em Deus

Acredita em polipoema?

Te amo, acredita?
Se não, pouco importa
O poema é a porta do amor,
mesmo que a campainha toque no truque,
vou abrir e sorrir feliz

Se não for assim, prefiro o exagero
de uma vida sem sentido, mas não,
eu não fui feito para alternativa,
não sei vagar sem poesia, romântico
do primeiro ao último verso
até debaixo para cima

Acima você viu o que ninguém diz,
amo até o seu não-amor, meu amor
porque transformo a dor em paixão
e pelo não, pelo sim, lê um pouco de mim,
diferente: pode ler esse verso de trás pra frente,
uma vez mais descubro outra função para poucas palavras

Te amo, acredita?
Se sim, obrigado pelo poema,
senão, pela poesia.

Tenta não amar?

Lê de qualquer forma,
como você quiser,
partindo de qualquer verso,
é só uma pequena dose de amor

Casa da paralelialidade

Do tempo e do vento,
da distância ao livramento,
sensação do não-existir-momento
o nada é uma graça, reabastecimento

Do corpo, o copo vazio,
recipiente que transborda,
agora sabe que nada importa
já aconteceu o que não se queria

Mas, o hoje, mais hoje, mais um dia
o seu afago paralisa a correria
sem sentido, sem o fio da vida;
estar vivo como experiência

Não me canso das aparências,
de perceber as patéticas
impaciências humanas com o vago,
e eu aqui divago, falando o mesmo:

Quero ser o nada, o vazio que ninguém toca,
quero o que ninguém suporta de resposta,
um minuto de pausa dessa caótica visão torta do tudo,
um segundo de nada, de quatro letras que não dão conta
do que eu falo…

É o nada do outro lado da moeda,
não do tédio sufocante, mas outro;
a outra face; a outra fase do nada;
o significado escondido de muitos;
a terceira e outra realidade;
paralelialidade

Reverência ao poema

É a minha melhor brincadeira,
minha maior diversão, meu momento,
a hora da negação da negação,
do meu ser não sendo, meu eu
projetado em nós, em você

É minha maior alegria,
caçada das palavras,
não mata e não agride,
se for pra isso: desiste

Meu poema tem outro adjetivo,
outro objetivo, sou optativo,
obrigação só de paz, reverenciado
sempre e sempre mais a água do espírito,
bebo em conta gotas, mas me afogo
de afagos e verdades, mentirinhas…

É assim que minha criança sobrevive
de um poema leve, livre, vive, sorri
e insiste no sorriso bobo, suave,
no contente de um presente pronto,
posto e rasgado, lembrança de um passado,
desejo de um futuro bonito, poema vivo,
delírio que seja, não importa se sem beleza

Divagar devagar ou corrido, construído
no agito de qualquer domingo sem sentido,
buscando a finalidade quando nem a metade foi dito,
e que acabe assim, em um mito, um rito tolo de ponto final?.

Prato principal

Estou me alimentando
da sua poesia,
da sua música,
da palavra certa

Meu corpo reproduz
a energia que chega,
não dá pra viver
com a alma seca

Bebo seus versos,
seus meandros,
estou me alimentando
para matar – viver –
o significado da palavra

Ainda vaga, um doce,
palavra limitada,
prato de entrada,
cortesia na saída

Só quem ousa levá-la
ao prato principal – poeta –
morto de fome, vive respirando,
observa, constrói poema
e vai soprando,
vida quente.

Avesso

Sou o lado errado
que erra, falha, falta
Sou fera, contrário
que avesso, sem compromisso

Sou o engano, o tolo, fraco
o que cata retalhos, buracos
o que canta, troca letra
Sou o careta, trocadilho
filho daquilo que é vago

Sou o que prejudica
o que se faz de ilha
o que se isola e se afoga
sem água, já sem vida

Sou o avesso do que se espera
o que limita tudo, apaga a vela
aquele que se faz apego e se liberta
o contrário do contrário
avesso do combinado

Imperativa

Preserva
quem te inspira,
respira a alma,
arrisca a solidão
viver a confusão

Aduba o prazer
cultiva a vida curta
pula nua, se desejar

Investiga o que te faz bem,
não precisa da benção, amém!
viva sem permissão pra tudo
seja sua, dele, dela, fruto

Nem canta, nem dança,
o colorido do romance
não te cai, nem valoriza

Risca as idealizações,
apetite do que planeja,
seja, apenas, ceda sempre
as sedes do coração

Sede das contradições,
experimenta fora do posto,
inventa o seu próprio gosto

Viva a palavra nova,
o sentir é um futuro
que já foi o passado
de alguém

Cria a tua própria poesia,
chora tua própria aurora,
arrepia-se do que não se sabe,
monta a tua própria ceita
incendeia outras partes,
faça arte além da carne,
além do coração

Busca o teu próprio
ponto de fusão,
demarca onde você sentir
é ali que a vida começa
pra cada um, um devir

Ao som de trancado

http://www.youtube.com/watch?v=fAAAeLzopoM

Desculpe se eu não te amo
se enganei meus próprios sonhos
te pintando de perfeito e predileto,
mas o dia a dia me mostrou que esse afeto,
fica na palavra, ao telefone…

Meu nome você não vive nos olhos,
meu carinho não entra na sua via,
vejo sua veia em adrenalina,
coisa que qualquer corpo incendeia

É bem mais que eu esperava,
não que fosse expectativa
de pessoa já machucada,
fui realista sufocado

Não faço, porém, qualquer queixa,
nenhuma denúncia,
concedo o benefício da dúvida
para nós dois de fato

Estamos juntos, eu não nego,
mas sei o que é estar apaixonado…
Com você pode ser carinho em excesso,
falta de cuidado que eu, mesmo experiente,
deixei transbordar para o outro lado

Estou sendo claro nessas rimas,
sei que com esforço você entende…
Não fique em cima do muro
achando que o outro é quem precisa
cuidar da gente…

Sei, acima de tudo, o quanto você precisa
dizer e sentir que alguém se importa.

É convincente não trancar a porta.

Mas a fresta que ficou aberta
não é suficiente pra iluminar muito,
feche a porta e encare
você, outra pessoa que te queira de verdade
e o seu mundo…

Gratuito

Dá trabalho, eu sei
sei que invisto, eu sei
que me cansa também, de verdade

Sei que me dedico
e que sou forte,
não peço ajuda à sorte,
ela é minha amiga

Não quero prestígio,
não preciso de status,
sei que isso estraga
muita gente, é um fato

Não vou viver pra sempre
nem sei quanto tempo tenho
com as minhas próprias palavras,
se elas foram minhas uns dia, as danadas

Não sou isso que você vê,
talvez eu não seja nada
Pra quê essa necessidade de vencer
dando até murro em faca?

Vou ser gratuito, toma aqui
é de presente, é pra você,
o que eu sinto, vamos ver
até onde chega esse meu rito
zero oitocentos

Aceito chamada de telefone móvel,
de qualquer lugar, toma aqui
torpedo poético de longa distância,
Desmedido, Descomplicado, Delirante.

Espírito da arte

Eu vi o espírito da arte
que paralisou o corpo,
que tocou a alma

Eu vi outros olhos
concentrados no nada
e no tudo, que é a vida

Eu vi o espírito da arte
que colocou homem em outra dimensão,
que cuidou do ser nesse espaço

Eu vi o contato com o além
que ninguém lê, que quase ninguém vê,
que raros tocam, mas ela tocou

Ela estava fora de si
dentro de si, estava
dentro de mim, fora daqui,
fora de mim, eu apenas observei

Eu vi o espírito da arte,
absorvi parte dele
que ela sabe que tem

Eu vi o espírito da arte
e contei para o mundo
eu contei um segredo

Eu vi o espírito da arte,
fiz fofoca pela arte,
faz parte, parte de nós

Catarse de catorze

A energia do ano novo já está crescendo,
vem vibrante e lindo, límpido ao coração.
Paz que bate na porta, que brota, contemplação,
antes que eu desapegue do passado,
meu muito obrigado

Os minutos passam,
dois mil e catorze ou quatorze,
como queiram, vem pé ante pé
dizendo para ir com calma até ele

Não faça muitas expectativas primeiro,
janeiro é apenas uma criança de colo,
e antes que a vida passe e tudo se repita,
mais uma vez, até a chegada do bom velhinho,
precisamos dos trilhos, do caminho, de um futuro
que só nós expelimos, nova idade, novidade.

Desgastes

Eu não sei nada sobre mim
penso que sei, talvez, alguma coisa
pelas coisas que fiz, o carro que tenho,
os amigos que me relaciono, penso

Pensei que sei algo de mim
porque o trabalho que tenho
diz alguma coisa, as escolas que passei,
os cursos que fiz, falam qualquer coisa

Penso, talvez, mas não sei
se isso me define, se é o bastante;
Conta na minha biografia,
cronologia de uma vida

Isso é poesia?
As sequências de fatos
de uma vida de fragmentos,
realizações, momentos…

Eu quero uma pausa
uma pausa para a poesia
a vida é poética?
Uma vida para a pausa poética
uma pausa, isso é vida
a vida é uma pausa
sem tempo, parada, é vida,
é a vida, poética…

Página amarelada

Nada vai superar o papel envelhecido
nem a fotografia editada em preto-e-branco,
nem a folha reciclada, amarelada pelos químicos

Nada vale mais que a textura frágil,
as palavras que desmancharam naturalmente,
o cheiro empoeirado, o mofado da estante

Nada mais define que a madeira desgastada
sem a cor e o brilho de antes, a vivacidade…

Tem uma coisa que nenhuma tecnologia alcança:
O tempo, a experiência, a vida anterior
os momentos, os pensamentos durante a leitura,
a imaturidade que foi embora com o folhear das páginas…

Nem a minha própria história escrita um dia
pela leitura contínua da poesia,
uma das poucas experiências literárias
que deixaram as páginas amareladas
e vieram para o mundo real…

Caído na vida

Sou seu anjo de asas cortadas
caindo do céu em disparada
pronto para me acomodar nos seus braços,
tratado como ele ou como ela, não machucada

Doce, simples essa alma pura materializada
soube muito tranquilamente da lição requisitada…
Alma pura, coração é uma convenção limitada
esse ponto de luz que dele ou dela irradia,
energia abençoada

Toque leve, suave e delicado,
não precisa de prece,
já não se pede intermediários

Nos exemplos é que se tece
milagre pela coisa amada…
Que amor seria esse de um anjo
tão perfeito, ainda quer complemento?

O amor é um julgamento dos homens,
tratamento equivocado, anjo não precisa
de amor, ela não precisa;
Mas ele aprendeu a dar amor,
caído na vida