Desgastes

Eu não sei nada sobre mim
penso que sei, talvez, alguma coisa
pelas coisas que fiz, o carro que tenho,
os amigos que me relaciono, penso

Pensei que sei algo de mim
porque o trabalho que tenho
diz alguma coisa, as escolas que passei,
os cursos que fiz, falam qualquer coisa

Penso, talvez, mas não sei
se isso me define, se é o bastante;
Conta na minha biografia,
cronologia de uma vida

Isso é poesia?
As sequências de fatos
de uma vida de fragmentos,
realizações, momentos…

Eu quero uma pausa
uma pausa para a poesia
a vida é poética?
Uma vida para a pausa poética
uma pausa, isso é vida
a vida é uma pausa
sem tempo, parada, é vida,
é a vida, poética…

O amor do meu amigo

Para Ramon Martins, namorado de Rodrigo Moura, grande amigo.

Ele é o amor do meu amigo
o amor do meu amigo é meu amigo também
eu gosto dele como amigo, mas não como
o meu amigo gosta dele, cheio de paixão

O amor do meu amigo cuida dele
de outra forma, com mais atenção,
é mais intenso, mais seguro

O amor do meu amigo, cuidando do meu querido,
também cuida de mim, porque amigo feliz,
amigo feliz, me faz feliz também

É uma terceira pessoa cuidando de outra pessoa
que eu gosto tanto, e essa terceira pessoa
me ajuda, essa primeira pessoa, a proteger,
a guardar com requintes de amor crescente,
aquele pelo qual nós dois desejamos novamente,
e sempre, sempre, sempre bem…

Tercetos de devolução

Licenciatura em Letras/Literaturas, Instituto Federal Fluminense. Para alguém que ficou pelo caminho em 2013.1….
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Você foi embora,
mas eu tenho duas coisas
preciso devolver

A primeira é seu sorriso,
tímido, eu sei, mas recolhi…
Ficou preso na mente

A segunda é seu olhar,
assustado, menino,
eu compreendi

Talvez só nós dois
sabemos o que você me deu
sem chegar perto de mim

Eu guardei com carinho,
está aqui na memória,
afetiva, quando escrevo pra você

Corri demais, tentando dar conta de tudo,
agora, enquanto penso mudo, mudei coisas de lugar,
tirei a poeira do fundo, e encontrei você de novo

Em seu sorriso tímido, em seu olhar que mediu o medo,
eu que nunca fui bobo, percebi o pouco que você fez,
eu notei o muito que mexeu comigo, e a resposta chegou…

Desculpe a demora, fiquei observando o que me entregou,
e eu que queria devolver, acho que vou aceitar mesmo,
mas ainda assim, fique com esse poema, afinal, devolvi…

Teoria da Literatura

Selecionei você
dentre tantos que me fizeram sonhar…
A diferença é que você realiza em mim
algo que nem em sonho fui capaz de chegar

Selecionei você
sem nenhuma pretensão de escolha,
sem pensar previamente,
sem expectativa, sem nada

Tudo foi acontecendo
a realidade se tornando sonho,
a vida prática é a melhor teoria

Teoria é isso daqui, a poesia
a compilação de um não sei
do que sentir, do que amar

Se é você por inteiro,
seu corpo, seu jeito,
seu sorriso, meu apego,
seu afago, seu cabelo,
seu falar, meu ouvido
que ouve coisas com sentido
que nenhum sonho sem sentido
foi capaz de me fazer acordar

Sem contrato

Ah, eu arrumei um amor
daqueles quase amigo seu,
que entendem, que curtem a vida em par

Ah, eu disse que não me negaria mais a nada,
vou viver o que chegou cheio de conversa fiada,
veio manso feito água que escorre na folha,
como passagem de brisa que sabe a hora de se agitar

Ah, que você sonhe comigo e construa
porque a sua vida também vive comigo,
e a minha respira a sua

Ah, eu arrumei alguém
que sabe sorrir e me dar alegria
com a presença que contagia,
irradia o motivo de viver junto

Ah, eu já fui cego, carrancudo,
dei as costas para a felicidade,
mas nunca é tarde pra zelar
pelo meu coração

Ah, eu vou cuidar do que me faz bem
e no momento o que bem me faz
sem cobrança, sem laços conjugais
é você, que sabe ser meu
sem contratos nupciais…

Fim de primavera

Quando seus olhos falaram comigo
gritando pra mim mais alto que o seu corpo,
aí eu notei que o amor tinha chegado
mansamente

Quando duas óticas de beleza se apresentam
e eu escolho a mais simples, a mais suave,
é sinal de que alguma coisa mudou em mim

O detalhe mais banal foi o que despertou
um carinho crescente, delicado,
armadilha convincente para a alma

Busquei o caminho mais rasteiro,
aquele olhar que eu não vi primeiro
tem agora nova proporção

Sem comentar aqui o seu sorriso,
ressalva para outro poema,
esse belo carinho largo

Vou me permitir outro verso
para seus lábios, suas pernas,
seu braço, calo, costelas

Talvez eu homenageie você
com um sem-fim de adjetivos,
vício de um nativo apaixonado

Não cale o merecimento,
simples transbordamento
dos seus olhos misteriosos

Não cale a meiguice viciante da vida,
simples como a última rosa a desabrochar
na saída da primavera que não terminou
em mim

Tese para a Mestra

Para Marilia Siqueira da Silva, professora do Curso de Licenciatura em Letras/Literaturas do Instituto Federal Fluminense, Recesso escolar. Também estudante e futura Doutora.

E quem pra mim é soberana,
agora resolveu ter novamente
o mesmo adjetivo que eu

Comigo, quase uma dona portuguesa
daquelas que sabem bem o que diz e faz,
do olhar seguro, da voz firme,
incapaz de deixar dúvida

Lá fora, muda de figura, de papel…
Enquanto avalia, espanto-me;
Quando é avaliada, tem os mesmos medos meus

Não depende de idade, tão pouco o que já sabe
– o que para mim já é o bastante para uma devoção –
esse jogo de quem sabe o que ensina e tenta entender o que aprende
– ao mesmo tempo dona do jogo e jogadora sem privilégios –

Se comigo é quase inquestionável pelo respeito que fez merecido,
sem mim, enquanto novamente aprendiz, talvez seja só mais uma
querendo o seu espaço, o seu destaque

Ora sou ouvinte, bebo da sabedoria e das palavras;
Ora sou tratante, objetivo de estudo sendo apresentado;
Sendo avaliado por um terceiro, mostrando para segunda
onde estão os seus erros;

Fato é que ainda estou no começo da escala
– talvez sem sentido, essa dúvida me mata –
por um momento peço olhares piedosos
– será que ela faz o mesmo? –

Sou exemplificador em meio as suas citações,
e por vezes, segura de si, posso até ser riso
nas situações de sala de aula

Tenho minha tese de aluno
a preocupar a tez daquela que corrige,
mas ela, não mais minha professora,
tem um teste que também preocupa,
e ali as rugas na tez dela não são minha culpa

Página amarelada

Nada vai superar o papel envelhecido
nem a fotografia editada em preto-e-branco,
nem a folha reciclada, amarelada pelos químicos

Nada vale mais que a textura frágil,
as palavras que desmancharam naturalmente,
o cheiro empoeirado, o mofado da estante

Nada mais define que a madeira desgastada
sem a cor e o brilho de antes, a vivacidade…

Tem uma coisa que nenhuma tecnologia alcança:
O tempo, a experiência, a vida anterior
os momentos, os pensamentos durante a leitura,
a imaturidade que foi embora com o folhear das páginas…

Nem a minha própria história escrita um dia
pela leitura contínua da poesia,
uma das poucas experiências literárias
que deixaram as páginas amareladas
e vieram para o mundo real…

Caído na vida

Sou seu anjo de asas cortadas
caindo do céu em disparada
pronto para me acomodar nos seus braços,
tratado como ele ou como ela, não machucada

Doce, simples essa alma pura materializada
soube muito tranquilamente da lição requisitada…
Alma pura, coração é uma convenção limitada
esse ponto de luz que dele ou dela irradia,
energia abençoada

Toque leve, suave e delicado,
não precisa de prece,
já não se pede intermediários

Nos exemplos é que se tece
milagre pela coisa amada…
Que amor seria esse de um anjo
tão perfeito, ainda quer complemento?

O amor é um julgamento dos homens,
tratamento equivocado, anjo não precisa
de amor, ela não precisa;
Mas ele aprendeu a dar amor,
caído na vida

Encantado

São sinceras as suas palavras
correm tão suaves quando ditas
que não me impressiona
mal dizerem da sua sinceridade
para tantos, suicida

São francos os seus pensamentos
que a mim chegam atentos
capazes de identificarem
em meus versos conforto

Daqueles versos que não confrontam nada
acomodam os seus pensamentos em minhas palavras,
e não os condenam, nem a eles miram nenhuma arma

Aceito o que me apresenta, assim tão breve
vem e já me desorienta a tatear palavras
pela madrugada, acordando-as de um salto
para que trabalhem para um poeta falso,
verdadeiro, sincero e encantado

Solidão II

Fico esperando
resposta à solidão
brinca comigo,
não sou só mais são

Outro fantasma que me persegue,
segue comigo, mas não me leve,
aceito com uma condição

Que me perturbe apenas de tempos
em tempos, que ne perturbe menos
quando eu estiver em apuros

Os meus soluços são pulos
de desespero pedindo apreço
daqueles que nunca vi

E se é assim agradeço o presente
de ter chegado gente tão boa
que convincente nas suas franquezas
é com clareza por mim compatível

Assisto ainda que incrédulo
o descuido do destino
de me trazer amigo semelhante
andante das mesmas tarefas que eu

Aplaca a solidão do meu peito
que mostro contente e refeito
o sorriso que vem perfeito
por tanta coincidência
sem freios