Infantil

Sou peão lançado ao vento
balança, ricocheteia,
encontra barreiras,
mas avança

Verso ser criança
e giro, giro, giro
cheio de esperança
só pra, como canta Bethânea,
Brincar de Viver,

Como naquela voz,
de poeta mansa que já descobriu o segredo da vida,
e não se cansa se parar…

Voltei sem ir

Por confiar na vida,
no que eu sinto,
e no que sei ser verdade,
confio em mim também

Confio em você
toda vez que me diz,
com a sinceridade nos olhos,
com a expressão da verdade,
mudamos de vida

E que bom quando você me inclui no plural,
e eu penso em você em dois, em numeral,
quando a preocupação é de carinho
que a verdade do amor que cuida, conhece

E quem ama de verdade, não precisa de prece,
porque já se guia no bem, e você sempre será, meu bem,
e eu sei que sempre me quis, seu bem, mesmo sem saber como agir

Por mais que tudo mude de rumo,
nossas curvas se encontram de novo,
é um ir e vir, arrumo desculpa para partir
sabendo que ali na frente tem sempre placa de retorno

Retorno, dolorido e culposo,
voltei pra sua vida de novo,
e de novo, e de novo

Porque não há saída para o outro
que encontra o amor, não há;
é um eterno conquistar-se no outro,
e no outro se deixar ir um pouco,
de novo, de novo e de novo…

Interior

De longe eu vim,
já fui aristocrata,
já fui o estopim,
no passado, já fui querubim,
tropecei na vida, e desci

Já reencarnei escravocrata,
até mesmo a senzala, açoita-me;
já fui mulher vendida,
eu já puni nas minhas memórias
embaralhadas

Eu já vendi de frutas a furtos,
renasci, amei poucas mulheres,
mesmo rapazes, quando não escondi;
aos meus ombros, o verme dos vulgares,
já fui cálice, matei na ditadura,
fui do céu ao mais cruel das agruras,
antes de te ditar canduras para refrescar o espírito,
antes de te ditar os velhos mitos da vida,
ser seu mentor, eu vivi

E que propriedade você tem de ser ponte,
entre o que eu fui e hoje o que você é;
quanta credibilidade nessa experiência terrena,
privada de coisas tão pequenas da carne,
um ser de verdade, posto à prova,
não prove nada, abençoe, acalme-se,
refaça-se, seu interior;
interior, seu melhor, o melhor termo,
sem escalas de ser

Estrutural

Não quero nada que fira a minha integridade,
de verdade, sou de safira, em uma parte.
Comprometo-me com o mundo, mas, a essência,
não tenta mudar, não seja covarde…

Tem uma parte do meu espectro
que eu não nego, não abro mão,
sinto dizer que eu não caio em contradição

Sou de várias frentes, muitas formas,
maleável, a verdadeira caixa de Pandora,
mas tem um eixo, a espinha dorsal
que me sustenta desde o meu ancestral…

É o meu norte, o meu ideal,
minha concepção humana,
visão de mundo, mudo tudo,
menos o que me é estrutural…

Em tramitação

Estou em processo
de construção da vida,
de desapego do ego,
de desprendimento de vaidade

Em processo de saber viver,
aprender e aprender ser,
ser melhor, menor,
mas, sem falsa humildade

Estou em processo de metades,
relativizando o que vale a pena.
De verdade, muita coisa já não vale mais,
mais nada, sem curiosidade, sem entrega,
desapega, desencosta, agora e com sinceridade

Estou em processo de verdades
que não foram fabricadas pra machucar,
são só constatações de resultados parciais,
uma vez mais

Estou em processo,
dinheiro não me compra,
situações não me obrigam,
o afeto não me pressiona,
a grita não me cala

Em processo de ser eu mesmo,
de me colocar a par do meu próprio eu,
descobrir onde está a outra parte de mim,
que não cedeu ao mundo de outro,
ao amor de outro, ao calor de outro,
desejo, outro, expectativa do outro,
serei inteiramente meu

Silêncio

Minha palavra não me protege
todo mundo fingiu que não viu,
todo mundo está calado,
nenhuma fala na família,
nenhuma palavra nas escolas,
nenhuma menção no trabalho,
nas redes sociais, nenhum manifesto

Detesto.
O silêncio impune.
Ao menos cinquenta vidas,
humanas, perdidas,
Fobia de homem
fobia de mulher
fobia de amar quem se quer

Silêncio.
Minha palavra não me protege
Poesia de morte de iguais,
de iguais que amam diferente

Um massacre desumano
por ser quem somos
humanos

Fica o manifesto para os homens
civilizados, que usam o lado humano
de respeito ao próximo

Caixões com pano de fundo colorido
hoje, preto e branco.
Não só em Orlando.

Teu amigo

Quem retorna ao teu afeto,
afeta o teu afeto novo
porque, veja, um afeto antigo
quando permanece invicto ao tempo
há tempo paralelo, afeto atemporal

Quem retorna ao teu abraço,
abarca e alarga o teu sentido,
sentido de alegria ou tristeza,
sentido há no retorno

No entorno da lembrança,
ânsia de um tempo interrompido,
um hiato que não deveria ter tido

Quem retorna ao teu carinho,
separa o joio do trigo,
quem lembra de ti de fato
é seu verdadeiro amigo

Dramaturgia

As pessoas não são assim tão diferentes de você,
cada um tem um segredo a mais, uma máscara a mais,
um medo a mais, um defeito que ninguém sabe,
uma verdade oculta, são todos idênticos,
cada um com a sua própria mentira que convence,
aquela que você mesmo acredita e vende

A gente ama uma vez só várias gentes,
em várias frentes, unicamente
unilateralmente, – ou não –

Uma vez só em tempos diferentes,
eis que finda, e ainda prorroga,
insiste, mas agora é tarde
é tarde, aceita a troca,
a virada na vida, assiste
o mesmo filme que eu vi

O que eu vivi,
você interpreta
releitura em outro tempo

Ninguém é diferente
só atua em cenas distintas,
mas vai participar do nosso núcleo

Hoje as cenas repartidas,
já partidas, outras tomadas,
fazem sentido nessa dramaturgia
indiferente