Desejo ilícito

Acordei com a cabeça doendo, pesada, em chamas. Olhos embaçados. Passei a mão no rosto. Suava. Senti um cheiro não muito agradável. A primeira coisa que vi foi o relógio em cima do criado mudo. Não passava das sete. Tentei levantar, mas fiquei tonto. Tentei conciliar o sono novamente, mas acho que a bebida de ontem não quis me conceder esse descanso. Fiz um enorme esforço pra levantar. Primeiro senti meus olhos lacrimejarem, a visão fora de foco, nariz ardendo, boca seca e quente. Senti meu corpo leve, relaxado, os músculos pareciam não obedecer de imediato as minhas ordens. Levantei as cobertas. Constatei a nudez, a flacidez do membro. Olhei para o lado e não vi ninguém. Fui até o pequeno banheiro ao lado do grande quarto.

Lavei o rosto, fiz a barba, me encarei no espelho. Olhos vermelhos, em chamas. O nariz parecia querer sangrar. Boca pálida por falta de umidade, mas quente, com o ar pesado e o cheiro de um coquetel de bebidas. Fleches de memória. Escovei os dentes, voltei ao quarto, mais uma vez nu debaixo dos lençóis.

Outro fleche. Na minha frente uma bandeja de alumínio com duas taças. Uma estava em pé, outra com a parte maior encostada no vidro. Fleches de luz. Morena, olhos fundos e negros como a minha carência. Magra, abatida, quase sem vontade própria. Algo que não me recordo e outro fleche. Minha respiração ofegante. Sussurros. Gemidos de dor e prazer. Braços fortes dominando os dela como correntes em um assassino. Algumas palavras que não me recordo o teor causavam nela mais pânico. Lembro de algum tempo antes disso, tê-la visto bem arrumada em panos fáceis de serem tirados com apenas um puxão. Brindávamos e bebíamos e nos beijávamos. Algo que não me lembro. Estava em cima dela com os músculos enrijecidos, todos os músculos. Ia e vinha em cima dela. Parecia uma dança ritmada. Suspiros e líquido nos lençóis. Mais bebida e a sonolência. Beijos ardentes foi nosso adeus. Apaguei.

Peguei minhas roupas. Vesti-me e saí. Desci as escadas, paguei a diária. Jurei nunca mais pôr os pés num lugar como aquele. Cometi um pecado… Não foi carência, sei disso… Desejo de algo novo…

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