Confessionário

Para Analice, professora de Teoria da Literatura, Licenciatura em Letras, primeiro semestre do ano letivo 2013.1, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

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Eu gostaria de saber quais palavras usar para esse poema.
Falta a palavra ideal, a pontuação correta,
a entonação no papel para este poeta.

Tudo deixou de ter ordem agora, e isso inquieta.
Talvez seja esse o princípio da inspiração, ou não.
Este congelamento de como dizer, vem de antes.

Porque a inspiração já é um estudo esquematizado
do que a alma expressa, já há um conceito.
Aqui não existe tentativa nenhuma de lucidez.

Nem mesmo na escolha de verbetes.

O dia em que se cala o poeta,
em seu próprio poema,
é o dia em que ele se rende
a sabe-se lá o que, ainda não inventado.

Um sentimento tão forte, e tão desconhecido,
que seria audácia do instinto de escrita,
até mesmo para ele, colocar isso na roda.

Nesse momento a sensação que se tem,
se me permito então qualquer alusão
ao que está terreno, tocável, seria:

Duas torneiras que se abrem,
e a medida que se desce o elevador,
cai uma gota no interior, morando a essência,
e uma gota mora nos olhos, mas não cai

É a emoção no encontro, no ponto…
O oceano que transborda por dentro
não tem a mesma água do mar que salga o olhar

O dia que se calou o poema,
que se trancou o verso no inverso
do desconhecido, calou-se qualquer sentido
de escrita, porque ela limita – muito –
o que se sente, e o que se pinta na sua mente

A palavra agora deixou de ser companheira confortável,
para ser qualquer outra coisa que coça, que provoca,
qualquer outro sentido disperso,
dispenso qualquer nova loucura de dar rosto a essa bela criatura
que não se diz poeta, sendo poeta sem palavra alguma

Afinal, para calar o poeta das palavras
é preciso a poetisa dos sentimentos
que desperta no primeiro o desejo
de capturar a segunda de algum jeito

Ainda não disse tudo:

Não sei se por conta
da delicadeza, jovialidade de espírito,
não sei se o assunto contribui pra isso,
mas querendo ou não, merecendo, ou não,
há naquela que cala o poeta a chave

A autoridade suprema de destravar
duas possibilidades de ver o mundo:
Aquele que toco, que vejo, que recorto em palavras;
E aquele que eu não me lembro, está intocado pela matéria,
por tantos eus poéticos, por mais que se tenha mil personas,
não alcanço o que me trouxe até aqui, o que me fez ser assim,
nem consigo dizer até onde tudo isso deseja me levar.

Contrato de fidelidade

Eu paro o mundo por você
pra te ver feliz, queimo agenda,
remarco compromisso, fico omisso
das tarefas que me demandam

Porque o meu ego não emana
esse vício de trabalho,
e nem me coloca acima do bem,
abaixo do mal, ao contrário;

Não é o cargo que me modifica,
sobretudo quando a vaidade dos outros
fala bem mais alto, grita

São poucos os que estarão comigo
pelo prazer da minha presença,
mas serão muitos os presentes,
na figura do meu posto

Ora, nada disso me enaltece,
só me alerta à prece para saber
separar os oportunistas colegas
dos oportunos amigos que atravessam
muito mais do que uma cadeira
e uma assinatura representam

Com estes amigos de tantos tempos,
assino agora o contrato de fidelidade,
sabendo que não é do papel que vivemos,
mas do coração que nos lembra dos laços,
e lavra na alma o desejo de bem-querer