Última apresentação

Quando eu for embora do espetáculo da vida,
quando fechar a cortina e eu agradecer
quando eu me virar para a coxia,
não deixei a plateia, não deixei a vida

Quando a minha atuação se encerrar,
eu não prometo o bis, nem coisa inédita
de matéria perdida de arquivo,
quando eu terminar o riso,
levantem-se depressa

Não quero homenagem,
nem um livro de memórias,
ora, nem luto
para me manter intacto,
raso e falho,
errei a cena

Não deixa a angústia tomar conta
da bilheteria, fiz tudo que pude
não se ilude, ninguém é totalmente
aclamado pela crítica,
fechem as cortinas

Descortinem a idolatria,
perdi o foco, perdi a marca,
cansei de encenar até a graça,
perdi a direção da luz

Só treva no último palco,
última sessão da carne,
repetida que é
remake da vida trágica,
personagem uma vida mais

Una-vida

De braços abertos a vida nos recebe
felizes que somos, a vida prevalece
sorrindo constantemente

Temos coragem para aquilo que nos propusemos,
nós fizemos um acordo: nem sei se assim, secreto…
Nem tudo é sofrimento, nós vemos o que queremos,
lapidemo-nos

O planeta se coloca como um afinado instrumento,
escola maravilhosa para o crescimento, aprendemos
querendo ou não querendo, a escolha já fizemos
construiremos o mais limpo som, refinaremos

Os ouvidos, as falas, os atos e as atitudes,
os ciclos que a vida propõe são fatos,
inegáveis e caros para aqueles que não vêem

Aqueles que enxergam mais longe e mais lúcidos
percebem que a sabedoria da vida não tem hiato,
não existe nenhum vácuo para a dúvida, última
via das vidas e outras curvas, ensinam na hora
que o antes, ontem, o hoje, o agora e o amanhã,
depois, pois, cruzam-se em eternidade
um grande espetáculo de arte, vida-una

Soleira

Sua janela
está sempre aberta
está bem próxima
quando eu preciso
olhar para fora de mim

Estou sempre atento
quando ela fecha,
e quando ela abre demais,
retraindo-se na solidão,
ou abrindo-se para a imensidão

Eu também aprendi
a olhar para o outro lado,
o lado que eu não vivi,
mas que eu vejo que precisa
de reparos, amparos, cuidados,
conservado no silêncio
que sempre diz muito de nós

Eu não estou só,
você não está só,
eu vejo sóis em dias de chuva,
quando se chora por nada
eu vejo chuva em sorrisos de sol
quando inunda a felicidade passageira

Eu vejo na soleira da janela
o cuidado que a vida tem comigo
pra me proteger no abrigo
do amor que você não tem ideia que possui,
dois céus gris, fizeram-se, então, azuis

Fugitiva

A palavra
fugitiva
da minha vida
resolveu
entregar-se

Foi presa
pela verdade
dita, maldita,
sem papas na língua,
não foi covarde

A minha palavra
manteve quem vive mudo
em absoluto descompasso
cárcere privado de intenções

Transitada em julgado
foi absolvida de todos os crimes
suprimida a dor que a palavra causou

Ilesa, em legítima defesa
chocou os reféns do silêncio,
traumatiza quem dorme vivo,
sobrevivente falho
que em potência se coloca no atalho
do progresso que não espera

Na espreita das ações bem guiadas,
a rota traçada ao ouvido,
palavra, palavra, palavra,
posta à prova sem colete
à prova de balas, sem delito

Marítimo

Deixa o coração quieto,
calado e constrangido
com tantas palavras lindas
sem um ouvido

Há tanto a ser dito,
mas nenhum ombro abrigo
para se morar
não dá pra deixar pra lá,
aquieta, poeta

Que seus versos muitos leem,
poucos veem a outra linha,
o inverso do peso da alma minha

Aquieta que todo mundo deseja
seu amor, mas ninguém encara
nenhuma ostra se abre,
mas quer brilhar

Não dá pra mergulhar, poeta,
na alma das pessoas e se afogar,
carrega, poeta, o salva-vidas da poesia,
salva sua vida que poucos ligam,
são raros os navegantes do seu barco

Digo a você, e arco com o recado
amor de poeta é sempre um naufrágio
que ninguém quer buscar mar a dentro,
e a alma vai ardendo, até agonizar.

Chefa das chefas

Para Francine Macedo Dias pelas qualidades enquanto Servidora Pública e pelo trabalho primoroso que faz a frente da Diretoria de Gestão de Pessoas do Instituto Federal Fluminense.

Ela é a chefa das chefas,
nossa Diretora,
mas também é aventureira,
motoqueira, mochileira,
que faz trilha,
ela humilha
as inimigas

Tem atitude,
de passo firme,
não agride,
mas não deixa impune

Tem glamour
sabe subir no salto,
ela ri alto,
mas dá bronca baixo,
rainha dos coordenados

Administradora
e competente,
já foi Assistente
agente pagadora,
publicadora de portaria,
concede benefícios
com seu sorriso

Sabe o ponto fraco de todo mundo,
os erros, equívocos dos procedimentos,
lamenta, mas aguenta, e retorna,
pede pra refazer enquanto ela se refaz

É paciente,
pensa na gente,
traz uns mimos e uns salgados
vigia e dá aos cuidados

Toma providências,
tem nossa confiança,
sabe das elegâncias nos óculos

Está sempre bem vestida,
não é vendida, tem princípios,
e por isso faz amigos por todos os lados

Sabe das coisas, se faz de boba
pra ver se estão aprendendo,
compreendo, mas percebo
seus gracejos

É avaliadora generosa,
posta também à prova
pelo desempenho

Empenho bem recebido,
tem compromisso
gestora do mais alto nível

Que estilo!

Está sempre pronta
com a resposta certa,
e se não sabe, estuda
é mestra, e astuta,
mulher de labuta

Fechada com a gente,
não termina o expediente com pendência,
é pura competência

E quem vê até pensa
não ter momentos fracos,
coitados!

Não sabe o peso que vai aos ombros,
e afeta a coluna,
mas ela não se anula,
dá a volta por cima

Ela é a rima do mais nobre rito,
é quase um mito, eu tento imitar, admito!
Não canso de admirar, e reflito
na carreira bonita e merecedora,
mulher de fibra, e compostura.

Está à altura do que possui
sabe que o cargo não a seduz.
São características intrínsecas
da personalidade que sem alarde não rui

A trajetória é brilhante,
chefa retumbante e receptiva,
é protegida e bem querida

E aparenta ser forte,
e por sorte engana os desavisados,
mas o poeta também sabe dos cuidados
e dos medos vedados que quase ninguém vê

Toda mulher no trabalho
sabe dos recados que deve dar por experiência
para ver se cala essa inconsequência mentirosa
do sexo frágil

Mas, na verdade, é na intimidade do lar
que ela chora, reclama e se cobra
pra continuar seguindo o rumo
e mostrando a meio mundo
pra que veio.

Homem fobia

Vamos aos fatos
francos, profundos e aos rastros:
eu saí do armário,
no bom popular
baixo e vulgar

Mas não foi por você
e suas neuroses que eu
aprendi a amar
de alguma maneira louca

Não foi pela carência
que dizem que tive,
se tenho não sinto,
e se terei, não digo.
Sai da minha vida primeiro

Certo é que as confusões
que só você causa
deixaram de me afetar

Porque eu rasgo essa bandeira colorida
que me deram para carregar,
essa esterioptia que me aponta
o que eu não sou

Há sim o discurso homofóbico que mata,
mas também há a fala do discurso de ódio
que a vítima sempre carrega
jogando pedras em não se sabe quem

Retrógrado e culpado posso ser,
mas ainda quero te dizer
que reaprendi a pensar
nem tudo dá pra mudar,
mas eu mudei

Você eu não sei
até quando se vale,
abre o vale entre nós
com esse discurso pró-minoria
que cansa e causa apatia
porque fala, fala, fala
e agride com palavras
os iguais que você defende

A guerra dos sexos,
a luta de classes,
os homens de marte
estão livres de tanta
ladainha

Tributo às Letras

Rendo-me porque não fui capaz
de vencer as palavras,
nem os versos que me manipulam
feito joguete das emoções humanas
e me afundam na imensidão
de mares egos literários

Estou vencido e humilhado
pelo ato quase espiritual
dos fatos que se escrevem por mim

Fui nocauteado pelo desejo
supremo e incerto da tradução
da sua língua na minha língua,
da sua linguagem pela minha arte,
escrevo a palavra transformação

Condenado ao conformismo
de tentativas lindas
que não bastarão

E peço desculpa,
pela usurpação
da matéria
simbólitica
e operária
da reconstrução dos sintagmas
perdão, poeta, pois não
não é escritor de diversão

Dói também ser imortal
dando às palavras a própria vida,
e que vida seria
se não só do poeta,
é quase um pacto diabólico
de palavras pelas emoções humanas
que nem sempre se pedem permissão…

Aponte para o futuro

Você se engana
quando acha que não é
minha alma gêmea

Ainda que eu não tenha toda certeza,
dá pra ver que a gente, a cada dia,
descobre a beleza de uma vida atrás

Quem não percebe agora é insensível,
ao mais belo rito que se desenrola e se mostra,
e você, sempre presente, me apresenta
o imprevisível

A alegria é a delicadeza do seu riso,
o ritmo do seu sorriso, o ato
mais válido do brilho nos seus olhos

E se me faço de forte,
você sempre descobre,
invade as grades que me aprisionam,
abaixa a ponte do meu castelo solitário,
sou de fato o preso do amor selado,
e você a ponte que me liga ao lado
de nós dois