Poema dado

Se eu pudesse me disfarçar
de festa, de sorriso largo,
se eu pudesse dizer que me faço
de abençoado o tempo todo,
que bom seria a vida,
se eu pudesse escolher
o que eu faço e como me sinto.

Mas, na verdade, o sorrir é um mito,
o abraço de amigo tenta confortar,
mas, só eu sei o que eu quero juntar
nesse entrelaçar de carinho

O meu vazio me permite
o falso preencher de contentamento,
mas, por dentro, lamento;
é um mundo obscuro que eu entro,
e me tranco, e me lanço, e parece,
que mesmo em prece, eu não consigo voltar

Se eu falasse o que dói de verdade,
se eu soubesse identificar,
o que está por dentro do corpo,
eu não precisaria me arriscar
a perder a vida, tentando ganhá-la

Essa minha fala, tão simples,
e tão verdadeira…
me sinto a beira do silêncio,
e
vou
me
jogar

Assumo as consequências, e peço clemência
à divindade que me criou, mas, eu não consigo suportar,
que nessa vida, eu não tenho vida, e na próxima,
se houver alguma, eu também não terei,
temerei eternamente o que eu não pude aproveitar

Por isso, responsabilizo o mundo,
sou fraco, querendo ser forte,
e me sinto imundo,
mas, o poema vai me limpar…

O poema vai me benzer,
o poema vai me proteger,
o poema dado foi lançado
pra me demover do não viver,
pra reviver

Oração de abre caminhos

Deus contigo vai,
e ninguém mais te atinge,
pode vir pedra, pode vir ódio,
não desiste, e segue

Palavras de ódio não te abatem,
o corpo agredido não dói,
o cansaço faz parte,
segue sem alarde

Ladeado por todos os anjos,
você está no centro,
cabisbaixo e derrotado,
o mundo assim percebe

Mas, você sabe que o semblante engana,
a oração humana ainda é uma parcela,
você sabe o que completa o seu ser,
forte e recompensado, sensato,
o invisível para os outros,
não pára você

Confia e aguarda,
o guardião máximo alarga a estrada
por onde você nunca pensou passar

Ele vai na frente enquanto na madrugada,
você ainda dorme protegido e cercado,
segue seu caminho com o passo pequeno,
que quem pensa estar na frente, na estrada,
seus algozes, gente indisciplinada,
ainda vai voltar, pegou rumo errado

Na trilha do silêncio, o passo posto em dúvida,
não há angústia, segue na quietude, isso é virtude,
não importa quantas vezes você caia, é por aqui.

Desvia de um e de outros, os deixe ir,
sei o quanto você chora de dor,
enquanto muitos riem no passo fácil,
o machucado da queda será curado,
porque a oração que abre caminhos turbulentos,
não veja os lamentos, na oração que abre caminhos,
são os melhores, os melhores caminhos se abrem,
por dentro.

Separado

O mundo vive há eras
sob tentativa e erro,
e, por isso, sofre,
sofre, erra, erra,
e se rebela,
entre tentativa e erro

Poucos são aqueles
que passam entre a direita e a esquerda,
o caminho reto, renegando a lágrima,
negando o falso, resistindo à dor,
preservados na segurança da paz de espírito,
e em alegria, em humildade, aparente solidão,
deslocados da multidão que erra, chora, sofre,
delibera entre mil caminhos perdidos

Enquanto o mundo estiver em ebulição,
fervendo em ódio, em guerra, em discussão,
em inveja, em intriga, na contramão

Segue sozinho, ouvindo a oração,
que Deus preserva, cuida, abençoa,
protege, elege, liberta e livra,
caminha mesmo que não souber o destino,
escuta e observa o convívio

Quantos se doem, e choram, e se calam,
e não sabem o que fizeram de errado,
e, calado, você passou por tanta coisa,
quieto e humilhado, desconsiderado,
foi colocado à parte,
evidência de Deus

Matilha

Não me leve a sério,
eu não me quero sério,
sério, eu cheguei aqui pra rir,
e confundir, sou ser mistério

Sinto muito, se com você eu não tenho elo,
meu bem, minhas atitudes tão rudes,
meus passos, tão impiedosos,
eu sei que o medo está nos seus olhos,
eu sei que seus ossos estremecem em receio

Ceio a sua ansiedade com risada,
a sua praga anunciada não cola em mim,
enquanto seu santo aprendeu a retardar meu passo,
o mundo inteiro, dos deuses gregos até a macumba elétrica,
corre pra cima de mim, pra me proteger

Enquanto você me observar como aquele que deve respeito, tudo bem;
não sou ninguém melhor, o pior é você quem constrói;
não sou feroz, perto de você sei rosnar,
o medo de morder te  fez fugir, e eu, ri,
ri porque você corre em vez de me encarar.

É por isso que a matilha se convenceu
que eu sei liderar,
a alegria de contar,
a conta-gotas,
você não sabe brincar,
porque me leva,
me eleva – sério –
me leva a sério.