Poesiará

Aqui é a sua casa, volte sempre
para a casa do poeta, poeme-se na hora certa
com meus versos rasos, flacidez da vida
versos esses, os meus, desafiadores…

Afiadores, suas dores têm reciclagem,
podem ser transformadas em paisagem…
Suas rugas, marcas profundas das experiências,
ah, paciência com os sulcos, beberam muito, muito
do pouco, do jogo rápido dos dias que passam
para todo mundo

Ah, os meus versos raros fazem você
lembrar de fatos, raros retalhos de memória,
agora, poeme-se, poeme-se eternamente…

Mergulhe fundo…

Afogue-se na dor de outrora
que deixou saudade e foi embora…
O que foi dolorido já não machuca a alma,
não está murcha, mas agradecida por ter vivido
os revezes da poesia também que se verbalizará….

Poetou-se, poeta-se, poesiará…

Página branca

Uma página em branco
para a madrugada preenchida
com o negro dos pensamentos

Nem tudo está como o planejado;
há alguns anos eu tinha metas.
Não as cumpri

O acaso foi concreto, imprevisível
é a vida assim, que decepciona
e surpreende um lado de mim

Eu não me conheço, nunca soube
ser eu plenamente, um terceto de quebras,
algumas quedas poéticas, enfim

A noite suja o papel limpo,
a palavra me polui, e eu,
reciclo e recrio o que não fui

Prato principal

Estou me alimentando
da sua poesia,
da sua música,
da palavra certa

Meu corpo reproduz
a energia que chega,
não dá pra viver
com a alma seca

Bebo seus versos,
seus meandros,
estou me alimentando
para matar – viver –
o significado da palavra

Ainda vaga, um doce,
palavra limitada,
prato de entrada,
cortesia na saída

Só quem ousa levá-la
ao prato principal – poeta –
morto de fome, vive respirando,
observa, constrói poema
e vai soprando,
vida quente.

Semente

Fora que eu já chego
meu corpo é seu maior apelo
sinto que não me tenha
sou ferrenha quando amo,
alma sedenta

Sou as garras de fora
ousada, não bato a porta
convido para se entregar

Não aceito chá, nem calmante
não fumo, nem bebo, seduzo,
não sou cartomante

Confundo seus sentidos
com meu corpo rígido,
sem expressão

Sensualizo de outra forma,
não mostro o meu corpo,
nem minhas pernas vulgares

Sei que de tudo sou de fato
melhor que seus muitos ares,
mesmo que não lhe dê confiança

Não sou a vendida da esquina
fácil como nota de cinco,
não me faço rara como nota de cem,
sei que não valho,
não sou comparada nem comprada por ninguém

Seu status não me encanta,
seu dote não me anima
não sou santa, mas seu crachá de bacana
não levanta o ânimo, sinto muito

Se isso é o que lhe prende, aprende
que eu não preciso desse seu corpo doente,
dessa mente perene, atitude que não muda

Sou muda, filha do meu próprio ventre,
astuta, vivo o sempre e o sempre da semente
que nasce, cresce e cai,
reinventa-se

Cansei de mim

Preciso me reescrever
cansei de mim
os mesmos argumentos
os mesmos nãos
e os mesmos sim

Preciso me permitir
no plural, sair daqui,
cansei de mim

As mesmas músicas,
os mesmos artistas,
as mesmas calças,
as mesmas causas,
os mesmos gostos,
coisa batida

Cansei de mim
os mesmos estilos,
os mesmos toques,
os mesmos pratos,
os mesmos gostos
monótonos

Cansei do meu mundo
as mesmas idas
as mesmas vindas
os mesmos lugares
as mesmas poesias
em diferentes poemas

Cansei das mesmas críticas
a mesma vida, no mesmo horário,
os mesmos programas, os mesmos atos,
os mesmos amigos, o mesmo papo

Cansei disso tudo, estou cansado
os mesmos problemas, os mesmos dramas
os mesmos medos, os mesmos mantras
estou farto dessa coisa repetida
que ninguém repara, só eu

Cansei de mim, meus amores,
os mesmos tormentos,
as mesmas dores,
as mesmas preocupações
sou eu mesmo, uma mesma gente
cansei de ser eu, resolvi ser
indiferente…

Partindo o poema

Tem gente que pergunta
porque eu não escrevo em prosa
se o meu estilo de poema
é quase uma conversa contínua

E eu continuo respondendo
que a escolha não foi minha.
A poesia me domina completamente.

É o meu pensamento que já flui rimando,
na minha fala, se der bobeira,
vai no ritmo do poema
essa cadência melódica
no meio do verso

Eu não me obrigo pela rima
no final de nada, esperada
se acontecer, se rolar
eu não percebi

Eu vivo assim: Deixando a palavra,
levado pelo nada da palavra
sem causa pensada…

É que a prosa tem outros recursos,
tem que amarrar nas linhas,
tem que pontuar as vias,
criando estrada, meio de transporte
corrido para a arte

Na poesia, não
eu me esparramo,
eu me espreguiço,
estou solto e vívido

Na poesia eu amo com mais intensidade,
carrego doce e sutil para a surpresa,
a dor e a delicadeza em seus extremos

Sou enfermo desse momento
de febre poética
e não desejo a cura,
não desejo sobreviver

Deixa eu partir com o poema
que ele está perto do fim
por enquanto…

Tapa na cara

Eu não gosto dessa palavra: Deus
não gosto mesmo, desculpe.
Já está carregada demais,
falam tudo, defendem tudo
do amor ao ódio, à morte,
à perseguição: Deus

Chega de manipular essa palavra.
Eu sei que dentro de cada um
há uma luz quando a gente nem sabe
se tem um túnel pra ter fim.

Eu só sei que o otimismo exagerado
é diferente da realidade, não se iluda.
Ninguém contou que o milagre chegaria,
até a mudança maravilhosa precisa ser construída.

É muito simples arrumar desculpa para tudo,
colocar uma pedra a mais no caminho
para dizer que a culpa não foi sua.

O fracasso dói mesmo, machuca,
mas tem gente que o persegue,
tem tendência para sofrer,
um mau gosto horroroso pela vida

Não precisa se envergonhar de cair em si,
se você mesmo não sabe o que quer da vida,
ninguém vai oferecer a solução, nunca

Isso é uma busca sua, ou não…
Já que prefere o pessimismo irritante,
olhar os espinhos, sem saber que
isso não é uma metáfora para as teorias
motivacionais humanas

Não é querer colocar um sorriso de esperança,
não vai resolver, só amenizar, empurrar
para depois uma angústia que a maioria possui

Não seja ridículo, por favor
toma conta do que é seu por direito:
Só a sua vida, faça por ela
o que ninguém faz por ela

Cansa ouvir o tempo todo
a mesma lamentação de sempre,
e nada tem mudado esse tempo todo

Não é somente uma questão de crer,
e quem vai deixar de desejar dias melhores?
Quem é louco a esse ponto?

Prática, perseverança, ah, disso…
Você desiste fácil, não é verdade?
A primeira pedrinha já é uma montanha!

E aí vem a oração fabricada,
a lamentação na ponta da língua,
a vida que não anda…
Deus já está colocado em dúvida,
logo você que se diz tão devoto!

Ninguém sorri vinte quatro horas.
A vida não é um mundo perfeito,
um arco-íris maravilhoso
o tempo inteiro

Por que pra uns a força,
o entusiasmo, a garra
nunca cessam?

É um toque mais forte?
Será que Deus carrega
alguém no colo e deixa
outro andar a pé?

Não tem mistério para a felicidade:
Fé sozinha não basta, coloque em prática!
Sinta na carne as porradas que a vida te dá,
aceita suas falhas sem culpar ninguém,
modifique-se com atitudes e humildade

O mar de rosas é uma farsa
que a sua inveja inventa
para justificar as vitórias dos outros,
e as suas, coitado… tadinho, cadê?

Cadê a vida na sua mão,
a confissão do seu erro, esqueceu?
Será que evoluir é uma questão de sorte?

O sol nasce para todos, a lua brilha pra todos…
Ninguém nasce com a bunda virada pra lua
porque todos nós recebemos a mesma radiação…

Sinto muito se ninguém pega os seus problemas
e diz: vem cá, vou resolver pra você um por um
porque estou com o tempo sobrando, com os meus já resolvidos

Poupe a vida das suas ladainhas, desse chorinho
infantil e ridículo que não te tira do lugar, ah,
sei lá quantos anos, não é?

Você vai ser perseguido, sim, sinto muito.
Vão querer puxar seu tapete várias vezes,
o tempo todo, todo dia, querido!

Isso não é uma guerra, ninguém vai voltar
e acabar com todas as suas lágrimas do dia pra noite.
Você mesmo que tem se açoitado com ilusões,
com esperanças infundadas e conformadas,
confortáveis aos acomodados…

A quem interessa saber, a realidade está aí,
para todos nós, sem privilégios.
Tem quem encare, tem quem se esconda
com medo de levar na cara hoje
pra sorrir amanhã!

Fases

Licenciatura em Letras/Literaturas. Instituto Federal Fluminense. Teoria da Literatura II. Barroco, Arcadismo e Romantismo.

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I

Sou louca, louca,
oca de Deus,
pouco racional
barroca do macaco
homem ancestral

O demônio vive um Deus avesso,
os santos cedem e não intercedem
nem para um, nem para outro
sou uma rouca que grita
na poesia vendida, vadia da prosa

Sou o pouco que me basta
e sou o basta que diz muito
sou a rima rica do adjetivo pobre,
a pobre que se limita à épica

II

Sou mimética e árcade,
cálice de um eu que não bebe,
não teme, apenas vive
sou, por mérito,
uma tola qualquer
vivendo a vida que der
reequilibrando paixão e fé

Sou o banco da praça
que a praga não deixou
grama fincar, sou a cama
sem flores, sem amada,
sem pudores, sou só

Sou o agora que o tempo não cessa,
sou a vela que não se apaga,
nem derrete, sou mente sem deleites
que vive o hoje debaixo da chuva
sou a filha da prostituta
que não sabe do destino da mãe,
filha da mãe, da avó

III

Sou daquela que não se toca
o futuro certo que não vivi,
sou, por todos esse pretérito
do amanhã, vilã de mim

Sou a toca do jabuti
que sonha, alto, tamanha
que corre de si

Sou a fase da idealização,
apaixonada, por que não,
por criação igual a mim!?

Sou a criança que conhece seu destino,
o vício da morte viva, condenada, vendida
que a sociedade vai reprimir já nas cantigas,
a qualquer toque, quem dera, eu encoste na sua virilha

Sou filha do pecado, natureza do lado errado
mas se quero alguém do lado, que seja você
a fuga dessa loucura padronizada
eu, eu, eu amo quem eu quiser,
mesmo que não agora, sou o ontem
e o amanhã, esperando o lado
que não se aconchega no divã

IV

Sou de toda um clássico
ato falho dos movimentos literários,
tive e tenho minhas fases, coisa de fera
que muda, que sonha, que cruza e urge

Sou do tempo do século dezesseis:
adolescente como a rima que se fez,
que não reconhece a própria voz, louca, barroca

Sou do tempo do século dezoito: centrada,
curtida da vida, da mocidade que amadurece
da planta que floresce e borda outro momento

Sou vigente, virgem do século dezenove,
apaixonada e densa que deseja e não pensa,
cabeça de vento, sou o tormento do desejo

Sou as fases que se fundem, se completam,
sou marginal das cronologias, sensual
e irresponsável nos movimentos…

Sou clássica
na atualidade,
sou dualidade
romântica e rude,
como o cuspe
que mata, envenena

Sou aquilo que funde, entrelaça,
sou ave que sobe e voa rasteira e rápida,
sou mulher que transpassa os moldes,
confundida, vivida, predominantemente,
cheguei aos vinte e um

Curtida

E na curtida eu tô de olho,
não comento, não compartilho,
mas tô por dentro

Eu estou atento,
não sei se entendo,
não sei se entendo,
estou rindo de você,
eu não aguento

Curtindo eu vejo tudo,
observo tudo, de tudo me oriento,
estou atento a tudo, observando sedento

Eu estou curtindo tudo,
curtindo tudo eu estou!
Sei que pra você não é nada,
mas está sendo notificada,
está sendo notificada
que estou sabendo!

Eu tô curtindo tudo,
curtindo tudo eu me atendo,
desnorteando você,
estou só querendo, querendo!

Coisas do facebook
intimando o meu intento,
vou te bloquear por dois dias
pra você ficar perdida,
vou te corroendo

Aí eu volto do nada
e você vem me consumindo
de perguntas desnecessárias

Só ir absorvendo
que eu estou em tudo,
estou curtindo meu mundo
mesmo sem você por perto

E se começar a curtir tudo meu,
eu sei que sou seu, compreendo,
é só cutucar ali do lado
que vou te respondendo!

Catarse de catorze

A energia do ano novo já está crescendo,
vem vibrante e lindo, límpido ao coração.
Paz que bate na porta, que brota, contemplação,
antes que eu desapegue do passado,
meu muito obrigado

Os minutos passam,
dois mil e catorze ou quatorze,
como queiram, vem pé ante pé
dizendo para ir com calma até ele

Não faça muitas expectativas primeiro,
janeiro é apenas uma criança de colo,
e antes que a vida passe e tudo se repita,
mais uma vez, até a chegada do bom velhinho,
precisamos dos trilhos, do caminho, de um futuro
que só nós expelimos, nova idade, novidade.

Depois que morre fica tudo aí

Depois que morre fica tudo aí,
não adianta chorar pelo defunto,
não tem nada de luto, acabou de partir

Paletó de madeira, pensou muito, deu bobeira,
a vida passou assim, pensou que era brincadeira,
caiu na besteira de achar que tinha tempo

Pra quê? Que tormento, acabou seus momentos,
a vida não é passatempo, passa rápido,
e você, que fiasco, virou muquirana, deu um de bacana,
preocupou-se com tudo, não conheceu o mundo,
mas fez a viagem, estamos aqui de passagem,
coisa curta é a vida, capricha no caixão,
seu dinheiro, levou pra onde, patrão,
sete palmos ao chão

Pensou que teria casa no subsolo?
Morreu com remorso, não tem mansão,
não tem gaveta, não tem ilusão,
a família briga pelo que sobrou
enquanto pra você acabou

Depois que morre fica tudo aí,
o carro de luxo, o telefone mudo,
deixa na caixa postal que foi ladrão

Mas o celular não é seu,
querem dividir a herança
seu tempo de bonança
ficou na lembrança
dos infortunados

E você, pobre coitado,
morreu, deitou em espuma qualquer,
economizaram um pouco o que você guardou feito louco
– e defunto precisa de conforto?! É tudo igual! –

Vai decompor, não adiantou o título de doutor
nem de barão, afinal de contas vai cair na escuridão,
depois que morre fica tudo aí, tudo aí, para usufruir

Coisa que você não fez, fazer o quê?
Depois que morre fica tudo aí,
depois que morre fica tudo aí
fica tudo aí, depois que morre!

Correntes da literatura

Eu sou um apaixonável
o amor é volátil
completamente aberto
a quem quiser contato

Não troco ninguém por ninguém
posso me entregar a mais de uma pessoa
e desde que, verdadeiramente, não,
eu não vejo culpa alguma

Estou disponível
– e aqui vou além do eu lírico –
cansei dessas coisas da literatura
de que autor e personagem diferem,
se a palavra não me define
por que eu estaria escrevendo?

Os meus versos agora tem correntes,
científicas ou não, estão aprisionando…
E eu que pensava, apenas escrevia
agora escrevo, pensando…

Desgastes

Eu não sei nada sobre mim
penso que sei, talvez, alguma coisa
pelas coisas que fiz, o carro que tenho,
os amigos que me relaciono, penso

Pensei que sei algo de mim
porque o trabalho que tenho
diz alguma coisa, as escolas que passei,
os cursos que fiz, falam qualquer coisa

Penso, talvez, mas não sei
se isso me define, se é o bastante;
Conta na minha biografia,
cronologia de uma vida

Isso é poesia?
As sequências de fatos
de uma vida de fragmentos,
realizações, momentos…

Eu quero uma pausa
uma pausa para a poesia
a vida é poética?
Uma vida para a pausa poética
uma pausa, isso é vida
a vida é uma pausa
sem tempo, parada, é vida,
é a vida, poética…

Página amarelada

Nada vai superar o papel envelhecido
nem a fotografia editada em preto-e-branco,
nem a folha reciclada, amarelada pelos químicos

Nada vale mais que a textura frágil,
as palavras que desmancharam naturalmente,
o cheiro empoeirado, o mofado da estante

Nada mais define que a madeira desgastada
sem a cor e o brilho de antes, a vivacidade…

Tem uma coisa que nenhuma tecnologia alcança:
O tempo, a experiência, a vida anterior
os momentos, os pensamentos durante a leitura,
a imaturidade que foi embora com o folhear das páginas…

Nem a minha própria história escrita um dia
pela leitura contínua da poesia,
uma das poucas experiências literárias
que deixaram as páginas amareladas
e vieram para o mundo real…

História

A semente do livro foi plantada,
coisa rara esse meu pensamento
quero tratar de amor em história,
um romance, a ideia vem crescendo…

Versos breves de quem vai se arriscar
pelas linhas corridas, pelos parágrafos,
um dia, quem sabe, as minhas palavras
dispostas de outra forma também não encantem…

Agora não há pressa,
cobrança do tempo, não interessa
vou aprofundando esse desejo,
começando pelo lampejo de como
almejo fazer isso de forma inovadora

Seis anos se passaram
meu pensamento é quase automatizado,
construo versos até falando,
mudança de hábito vem se ajeitando

Preciso ceder, uma vez na vida
fui vencido pelos meus poemas
seria hora de férias ao poeta?

Bruxa

Pode ser que dê certo
mas se eu disser que não quero,
que cansei de me machucar,
não há curativo que seque,
não é ferida que feche,
cansei de remendar

Não vou viver feito maltrapilha,
farelo de milho não faz pipoca,
eu gosto mesmo é de fartura,
essa falsa candura não vai me ganhar

Cansei de você,
não vou me vender,
nem ser trocada
por vale-promoção

Eu não vou pedir mais nada
cansei de música cantada,
cansei até de cobrar alguma coisa,
de baboseira estou cheia,
não vou mais buscar agulha em palheiro,
ou os uso para limpar os dentes,
ou os queimo

Sendo bem esperta,
agulha é feita de ferro,
ela vai sobreviver as chamas

E eu vou perfurar a cama
para me divertir com raiva,
fazer tipo de sanguinária
para assustar a vizinhança

Até que achem o colchão rasgado,
queimando alto todo aquele mato
que ninguém corta

Vou assustar todo mundo
bancando a louca moribunda,
com cabelo desgrenhado,
com a louca conduta de rasgar o céu
com gargalhada de bruxa

Cinzeiro

Não cobro nada, só peço
devolve a minha vida,
dissolve essa história
que construímos juntos

Separa a sua roupa,
vá embora, não quero mais
gaveta juntos

Não reclama que tudo acabou
foi você quem procurou se convencer
de que eu não sirvo mais, vamos ver

Quem leva mais tempo chorando
a ausência do outro,
quem ainda acredita no retorno

Depois não se arrependa,
a Brenda fica comigo,
companhia de cadela,
alegria

Eu barganho com você, sim,
pode levar o jogo de copos,
beba o quanto quiser;
Leve o vinho também,
não importa se é importado,
não ligo

O urso dos dias de namorados,
aquele chocolate meio amargo
não tinha sabor algum
Não insista, vou queimar aquela camisa
que você me deu, não quero mais
deixar estampado, nem vestir a camisa
de uma velha rima sem vida

Diga a sua mãe que ela pode vir me ver,
mas se ela quiser saber de mim
para ser sua informante,
que ela procure cartomante

Não vou jogar nada na rua,
nem pegar suas coisas fúteis,
você que as leve, sem janela

Amanhã é dia de lixeiro
se não levar tudo hoje,
até aquele cinzeiro horrível,
vou jogar fora

Coisa cafona, nem sei porque lhe dei,
ainda bem que não me custou nada
roubei da funerária quando banquei
o caixão do seu pai

Que Deus o tenha, porque o filho,
de benção não tem nada, coisa ingrata,
nem ao inferno você desce

Porque ainda vai ficar na minha prece
para que não divida comigo mais nenhum espaço,
e se por acaso eu lhe encontrar na rua,
mudo de calçada para não lhe dar o prazer
de me ver mais feliz ainda

Porque essa sua aventura louca não dura muito,
já vi muitos casos assim, de gente burra,
achando que trocando de romance
vai viver o amor duas vezes

Transfiguração

Coloco Deus na frente
e os aliados me cercam,
iluminam minha mente,
tirando-me das sombras

Parado não fico,
sou útil e vivo
me preparando
para as coisas do bem

O caminho é intenso,
não dói nenhum momento
as muitas tarefas propostas

De resposta o meu corpo
coleciona apenas cansaço,
mas minha alma não se importa,
diz que sou feito de aço!

O espírito agradece,
o conhecimento enriquece,
liberdade que emocionada,
transfigura o corpo,
enaltece a vida
que transborda!

Mania de perseguição

A sombra dá medo
era alguém escondido
querendo lhe assaltar

O colega de trabalho fofoca
sobre uma atividade que não lhe compete
e nem lhe interessaria

O amigo é falso, traidor,
se indica pra uma promoção
mas pede segredo a sua companhia
para lhe inscrever

A caixa do supermercado, implicante,
passou uma lata de ervilha
duas vezes, sem querer, de propósito

O semáforo está sendo consertado
em hora indevida só pra atrapalhar
a sua ida pra casa

Até o banco vinte e quatro horas
parou de funcionar pra lhe prejudicar,
não importa se o estabelecimento fecha
vinte e três e trinta

Se a gasolina sobe,
não é falta de sorte,
o dono do posto
não foi com a sua cara

Se o garçom não passa na sua mesa,
nunca mais volta no restaurante
pouco importa se ele está
sozinho no trabalho,
por causa de outro colega que não veio,
estava com a mãe no hospital

E não interessa se até a chave de casa
não está no seu bolso…
Culpa do seu amigo que lhe distraiu,
ao apertar sua mão e ir embora,
esqueceu que naquela hora
a chave ficou em cima da mesa do bar

Mania de perseguição, loucura!
Tratamento nessa altura do campeonato
não seria também causa de punição?

Alta velocidade

Não me interessa seus caprichos,
coisas de um bicho bem adestrado,
destes que são mimados até para deitar no caixão

Tudo é cuidado, tudo é proteção sem sentido
não me interessa a sua orientação, não importa;
Coisa banal demais se você tem carro do ano, coisa e tal

Tomara que seja multado, reboquem o seu amuleto social,
status para publicar na rede, compartilhar no face,
tomara que curtam sua falta de postura, erro cruel

Bafômetro não respira, é bem isso que me dá inspiração,
indignação, que lhe cassem a habilitação!
Sem habilidade nenhuma, quem foi o louco,
aloprado que lhe permitiu a condução?

É recondução de tantas vidas antecipadamente
para a morte, ou para a vida mutilada…
Eu maltrato a língua, a Portuguesa que registre bem:

A revolta deste alguém que despreza compaixão
com assassinos em alta velocidade

Sorrindo

Eu não quero voltar
nem para os seus braços,
nem para as suas delicadezas,
nem para aquelas miudezas,
coisas de uma boca pequena

Eu não quero voltar
nem para o seu colo
nem para os seus olhos,
nem para os seus desejos
coisas de um semblante prisão

Eu não quero voltar
nem para as nossas conversas
nem para os nossos planos
nem tão pouco para os sonhos
coisas de um casal apaixonado

Eu não quero voltar
nem para a solidão do par
nem para qualquer ato conjunto
nem para o seu controle imundo
coisas de perseguição

Eu não quero voltar
vou deixar a janela aberta
sem os pássaros eu não vivo
sem o cheiro das rosas não dá
coisas de um dia lindo

Eu não quero voltar sem mim
para viver outro nós, é melhor;
cada um de nós viver só,
só sorrindo

Obrigado

Quando meu coração está em pedaços,
você tem a capacidade de pegar os cacos
pela metade e de acreditar em mim

Quando o meu coração fica apertado,
você ainda diz que vai conseguir fazer arte de novo,
sopra nesse barro maltratado a esperança,
vem com cuidado lapidando a alma machucada por tanto sofrer

Obrigado é pouco pra você,
pra que eu agradeça por sempre vir
na hora certa me socorrer

Não é preciso muito para curar um coração ferido,
basta apenas um ouvido atento,
e um momento para me reconhecer como irmão

Até os fortes ficam fracos com o peito queimando sem orientação
Obrigado pela sua mão quando eu estava a beira do abismo,
sem condição de seguir sozinho

Operário do destino

A vida é tão maior que uma simples posição social!
Enquanto todos se matam na cobiça de ser,
eu apenas sou, e nada mais.

Estou aqui de passagem, e perdoem o desabafo,
o meu ego não é abafado por pequenas coisas,
que para outros são o motivo da própria vida.

Ora, minha vida, não tema por mim
estou aqui para crescer na vida,
sair dessa inércia sofrida
dos muitos que pouco fazem

O meu valor vai muito além
de tudo o que você pode imaginar,
não me cabe aqui julgar os atos de ninguém,
mas, meu bem, vou te contar um segredo

Nessas tantas passagens, sei que não sou
passageiro de primeira viajem…

O corpo pode parecer frágil,
o invólucro primário pode estar debilitado,
mas a minha alma, que carrega a entidade,
e a identidade de muitas vivências,
essa vai se expandir sem vaidade alguma.

Eu preciso cumprir o que foi determinado,
estou aqui, aceitei assim ser guiado e protegido,
sendo o provador do verdadeiro Divino,
operário do destino e da vida.