O Contador

Em tudo o seu nome está.
Você é parte viva do meu dia.
Quando acordo, depois de abrir os olhos,
um pequeno instante já basta para trazer você a mim

Se levanto, aos suspiros de resignação pela sua ausência,
deparo-me com a minha imagem ao espelho se perguntando
se essa expressão sem graça teria um sorriso aberto

Se vou à mesa para o café da manhã
pergunto-me se você não levantaria mais cedo
e me aguardaria com o sorriso aberto de bom dia

Mas apenas o café do dia anterior encontro
e um pedaço de pão que deixei de lado no dia anterior
pelo mesmo motivo de fraqueza

Um banho gelado no começo de dia frio
não é capaz de me desligar da ideia
de que ter você aqui o transformaria em calor

É hora de mais um dia de trabalho;
Seria muito mais fácil se eu pudesse
pegar o carro ao seu lado passando para te deixar

Seria muito menos complexo suportar o tédio
do mesmo serviço matemática de ser contador
E hoje é semana de declaração de imposto de renda

Seria muito menos tributos sentimentais a declarar;
O leão me consome por dentro e por fora;
seria muito mais justo se eu fosse isento de amar;

Mas a receita que me aguarde, quando eu lhe encontrar
entrarei com pedido de reajuste comprando cada vintém
com juros e correção por tempo de equívoco

Mas isso só posso pedir com posse de você,
enquanto o meu comprovante não chegar…
Resta-me a contabilidade e a realidade
de ser contador de histórias

Desabafo

Eu então me arrastei para cama como há muito não fazia por alguém. E fiquei me perguntando porque certas coisas fogem de nossas mãos. Se era questão de sorte ou azar, não sei dizer. Mas amores sabem que doem, e nós sabemos que vai doer. Insistencia. A palavra que não compreendi, o carinho que queria e não me é dado.

Não há de chorar as minhas lágrimas quando sabem que é por você que correm. Não permito mais. Em absoluto, percebe-se em mim um não sei o que de autoflagelação corriqueiro daquele que sabe ser romântico sem deixar de sofrer. Então há de ficar ali. Na noite. No vazio, silêncio.

Suas palavras voam em minha mente como ondas saturadas pelo sal, sob o sabor incostante das incertezas e, pode-se dizer, da pura burrice de se entregar a quem já disse que não cabe amor algum. Mas bons minutos pensando em você já basta. É a necessidade de sentir você comigo.

Levanto-me. Suspiro profundamente. Bom, por hoje já tomei você. Entorpeci-me. Vou viver minha vida. Vou dar um basta nisso. Esquecer de quem somos, pois nada mais importa. Não dá. Lutar contra o que sentimos é sentir que nos enganamos. Se alguém tiver uma saída, por favor, não me ensine o caminho. Porque, embora eu viva essa loucura, ainda assim é melhor do que me esquecer do seu doce veneno de amor.

Saudade II

Tenho saudade do seu sorriso, do jeito e de como me tratava
tenho saudade das suas palavras e de como elas me faziam rir
Sinto falta das suas filosofias de vida e das suas manias disfarçadas
e, sobretudo, dos seus conselhos de madrugada

Tenho saudade das suas brincadeiras exageradas
e do seu silencio quando me ouvia, tenho saudade, no entanto,
de aprender a sentir saudade no instante em que você não vinha

Tenho saudades de tempos não muitos distantes
em que o segundo tinha intensidade de uma hora
mas tenho saudade, e quanto, de quando você contava que me adora

Tenho saudade até de te dizer o básico, o “olá” sem compromisso
o “Deus te proteja, menino” no final das conversas incríveis
mas tenho saudade, de um todo, quando eu resumia tudo
dizendo “Eu te amo”

O carteiro

Poesia

Minha amiga que cruza as pernas
que arruma o cabelo, que pinta as unhas

Poesia

Que se maqueia, escova os cabelos e sob o salto
de minha alma, que é um palco para a arte

Poesia

Que veste a camisa e a abotoa.
que calça o sapato e penteia os cabelos

Poesia

Que se perfumam, que pede conselhos aos amigos
que são inseguros, nas icógnatas um do outro

Poesia

Que me cabe a fobia de ser humano
de ser homem, mulher ou a natureza

Poesia

Que me faz oceano e animal,
um passáro a alçar o céu

Poesia

Minha sendo de alguém, ou de alguma coisa
na edificante profissão: Carteiro de sentimento

Segundos

A nuvem preguiçosa não andava no céu.
O menino não chutou a bola ao gol.
A noiva que não vestiu o véu.

Meus pés que não caminharam ao trem
A pena que não escreveu a  carta ao amor.
O amor que não beijou a boca que o esperava.

O número que não calculou a forma matemática.
A força que não foi aplicada ao corpo em queda.
A bailarina que não terminou o giro no ar.

Tudo parou, e eu, até de respirar:
Não consigo viver mais nada a partir da data
que você deixou de ver….

E os meus olhos, lacrimejados,
não deixaram cair a lágrima que você provocou…

Segundos agora são horas,
horas viraram dias; Semanas, meses.
Meses viraram anos, e os anos….
Não passam mais.

Maldição

Cedido por Gustavo Stresser

 

Não caberá mais ao mundo mulheres sedutoras
senhores imponentes, de gravata e maleta na mão
Não se fará mais analogias entre sereiais e seios
nem entre animais corpulentos e os homens sedentos de sexo

Será?

A capacidade da mudança, da lei das adaptações:
Será que enfim chegamos ao limite
como uma artéria que se rompe após anos sofrendo?

Que monstro ancestral ressurgirá depois dos tempos
para nos mostrar o fim das eras, de tudo que temos vivido?
Quantos de nós morremos todos os dias para alimentar
a genética grotesca da destruição certa?

Será?

Quantos de nós, homens, mulheres, animais
seremos necessários na fusão do caos
Qual será o nome da besta que nasce
pela nossa falta de senso?

Quantos incensos serão acesos,
quantas velas derretidas rogando perdão,
quantos homens e mulheres chorarão
ao ver o que não deixava de estar em nossa face?

Será?

Que apenas o que andamos construindo por todo esse tempo
não tem apenas uma forma diferente daquilo que pensamos?
Será que toda criatura e todo o caos horrendo
têm mesmo objetivo de destruição?

Será?

Que a nossa mente fraca não pode mudar de opinião
que os nossos corações não podem aceitar o novo
e deixar de julgar aquilo que é torto,
chamando de maldição?

Será que não?

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As percepções deixadas pelo autor do poema sob a ótica expressiva do autor da ilustracão condiz com a subjetividade de dois mundos que se conflitaram em pensamento artístico, talvez, para que pudessem, juntos, imprimir uma terceira ótica de arte, em um campo misto criado por duas mentes criativas.

Gaveta

Biscoito na boca
uma mordida amena
café na mesa
pão, deixo de lado

Quero o gosto simples
da vida simples
das bolachas de água e sal

Quero olhar a janela despreocupado
ver os pássaros divindo as migalhas;
quero um sorriso manso no canto da face

Quero pensar em quem não pensa em mim
e escrever a quem merece, quero o café
o preto sábio que senta na esquina

A filosofia de vida das pessoas sem instrução
quero aprender a pedir, e a implorar
sem me sentir desconfortável
como a quem pede a um amigo conhecido

Não sei dos direitos e dos deveres cívicos
não me importa sequer o emprego digno
quero apenas passear pelo mundo

Fazer um amigo aqui e outro lá
viver da camaradagem alheia
das doações de quem aprendeu
que viver feliz não depende de nada

Que poder conversar no portão de casa
não é coisa de mulher desocupada
quero aprender a cantar músicas inventadas
lavando roupa suja

Quero a fúria dos meninos de rua
que não têm sequer vontade de aprender
quero a pipa no alto

O astral que vaga, e oscila
eu quero a rima livre
quero falar o que me vem à mente
que saiba, simplesmente, eu escrevo a você
sem intenção de lhe entregar carta alguma

Bom dia gaveta, tens mais uma carta pra guardar.