Dê conta

Você afronta
depois, desgraçada,
acha que não dá conta
e eu, bancando a tonta

Faz de conta que a onça
não domina a floresta,
nesse mito do leão ser o rei da selva

Sei que você é do contra,
felina, astuta, caminha entre as tantas
sem se gabar, não mede esforços
enquanto os seus poros…
respondem que vão me dominar

Tecer

Estou assim leve,
pra que você tenha oportunidade.
Vem, me conhece, como quiser,
hoje estou pronto, e alegre.

Não precisa me enaltecer,
há ainda o que ver,
existe no que acreditar,
sei que depois de muitos tropeços…
o que cabe é desconfiar

Fia, sem freios; volta a fiar,
e cose, de novo, volta a costurar;
vai fazendo a peça, junta os pedaços;
vem tear, tatear, experimenta;

Se ajusta, volta a apertar; modela;
veste, vê se cabe; cai bem; roupa nova;
cheiro de novo; consome; paga o quanto achar que deve,
e volta a usar; procura a minha ocasião,
até desfiar; remenda; reaproveita; enquanto eu quiser,
por favor, me doar…

Aromas

Passou o tempo,
é o meu momento,
coisa nova, a aurora,
independe dessas farsas,
cansei das farpas que você colocou

Estou retirando uma a uma,
e agora já não dói mais,
a liberdade me faz sorrir,
com o livramento que a vida me cedeu

Concedeu, o tempo, um turno novo,
nessas rodadas que a vida tem
de uma hora te fazer sorrir
e noutra, o desgosto…

Seu gosto, seu cheiro, seus gracejos
não ficam mais na lembrança,
sou criança de novo que redescobriu a graça de amar

Não precisa ir embora, nem precisa ficar,
deixa a vida decidir a melhor forma
a se podar, as flores, para retirar os espinhos,
os versos meus são novos aromas pra se respirar…

Hoje eu entendi quem mora em mim,
e quem merece o frasco, fraco,
o fiasco da amostra grátis,
que perfuma um pouco, mas ninguém pede,
só passa no pulso e deixa passar…

Falta

Falta, se não chegar na hora certa,
falta, se não for ao serviço,
falta, se o dinheiro não cair na conta,
falta, se o médico remarcar a consulta

Falta, desconta na folha de ponto,
falta, um tanto para o fim do ano,
falta, um bocado para fechar o mês,
falta, uma conversa franca, forte

Falta, o espaço que você deixou em aberto,
falta, o olhar sincero que já me responde,
falta, a segurança que a sua presença me fornece

Falta, o amigo que caminhava comigo diariamente,
falta, o poema que a gente vivia dando risada,
falta, o dia a dia da piada pronta com a correia,
falta, a pausa do café, que frio, você aquecia

Falta, a nossa prece em grupo,
falta, alguém por perto que me diga:
“falta, você confiar mais em você” e,
“falta, nada não, segue em frente, vai, confia”

Falta, a simpatia que acalma o dia,
falta, o norte que você escreve,
falta, a sensibilidade da alma gentil,
falta, a falta que você nunca fez,
falta, a leitura dessa confissão,
falta, a sua presença faz, mas nunca ao coração;

Falta, acabei de fazer
falta.

Alimento para a alma

A calma de hoje
vem da passagem
da tempestade de ontem
– que revolta -, mexeu com todos os sentidos.

Das reviravoltas do tempo, que ontem me fez chorar,
dos revezes que a vida coloca, eis a sorte de sorrir de novo;.
A ferida aberta, fecha uma hora, passado tanto tempo;
uma hora, se não passar, passado será você.

Não carrega o ontem nos ombros,
não se pese com os acontecimentos,
seja livre, leve, eleve-se, entregue
o que for fora da sua competência;
a vida só te deu ciência,
não pediu pra você resolver…

Passa pra frente, deixa para o próximo,
cada um sabe o que pode fazer e como agir,
assim, é seu atributo, ser canal do mundo,
adubo de ajudas e contribuições.

A colheita, quem fizer, é o mais necessitado,
mas não sem antes preservar a terra,
cuidar da terra, semear a terra, preparar a terra,
ceder a terra, sem antes a intenção de reservar espaço,
para amar quem vai comer.

Paciente

É o poema o remédio da alma,
na expressão da arte da dose certa,
que alivia em prece reta
entre a vida e a experiência do poeta

São ampolas do tempo que se maneja,
e se manipula a palavra que escorre na veia,
são as correntes de energia capazes, sempre,
de aquecer o corpo e animar a alma

O poema pede calma, cama e repouso;
pede reflexão, paixão, mas repouso;
pede cuidado, pede zelo, mas repouso;
e por pouco, de pouso em pouso,
vai cicatrizando o que era sofrido

E no rito não atesta alta alguma,
nem permite afastamento algum,
mesmo em dias comuns, incubadora das letras,
vai recolocando na alma que escreve e que lê,
o parto e o renascer de um novo
paciente.

Estado de graça

A vida que você leva
é leve ou te leva?

É preciso ter prazer quando se vive
seja no trabalho, em casa, na roda de amigos,
viver bem ajuda a encarar os desafios da matéria

E em matéria de desafios fortes,
viver é uma gama de sortes e sortes
quando você se sabe forte e leve

Quando se aceita o caminho que se escolhe,
a gente anda com mais segurança no desconhecido.
Tem sempre a surpresa do caminho a ser vivido,
mas, não cabe pavor ou angústia quando a gente entra na sombra,
no breu da escolha que vai se rompendo nos passos

Viver bem, ainda que nem sempre otimista,
quando a gente entende o motivo da partida,
ajuda a ser luz, mesmo sem ser espiritualista

Quantos são aqueles que mesmo na descrença do divino
sabem, não raras as vezes, honrar as oportunidades da vida?
Valorizam o que têm em vez de ambicionar um pouco mais,
e se caem, não desistem, podem até não tentar de novo;
buscam outra meta mais ajustada ao que podem fazer.

O que fazer quando não se sabe o que fazer?

Parar o passo, agradecer o discernimento,
o pensamento e a reflexão, a primeira atitude da razão.
Se é que a vida não anda nada bem, se está valendo pouca coisa,
não é essa a sua trajetória, volta e se refaz.

Encontre-se e tome para si um outro rumo,
crie o mundo! você é parte dele, não assiste!
Se auto-admite! Ser vivo, vive! Até chegar onde?
No seu estado de graça.

Tens sorte

Tens sorte
por ti, enfrentei a morte
sê forte, eu voltei
fui lorde

Tens sorte,
pedi a posse
dessa vida

Tens norte,
agora que eu voltei,
conforte, que nasci

Tens sorte,
que fui atendido,
demorei a te encontrar,
nesse mundo perverso e sofrido

Tens sorte,
que te achei, ainda cedo
com a ilusão de apenas uma vida

Tens sorte,
que a gente se ame
tanto e muito forte
nessa vida, nessa vida,
nessa vida, e nessa vida,
tens sorte…

Casa cheia

Faço um gesto
ambidestro
saia pela direita
saia pela esquerda
me deixa
dançar com outro par

Sei quando não sirvo mais pra dançar,
eu nem encaixo mais com seus passos,
outrora, tão cadenciados…

A nossa coreografia já não tem o mesmo compasso,
já desalinha quando eu me refaço dos seus laços,
ensaio já não me reserva nenhuma dor
quando a gente tenta o mesmo número desgastado

É o fim do espetáculo
já tão visualizado…
o artista quando cansa da turnê,
encerra o espetáculo

Saia pela direita,
saia pela esquerda,
escolha o seu lado

Eu vou pelo centro
cumprimentar o público,
mesmo de saco cheio
da casa cheia…

Infantil

Sou peão lançado ao vento
balança, ricocheteia,
encontra barreiras,
mas avança

Verso ser criança
e giro, giro, giro
cheio de esperança
só pra, como canta Bethânea,
Brincar de Viver,

Como naquela voz,
de poeta mansa que já descobriu o segredo da vida,
e não se cansa se parar…

Voltei sem ir

Por confiar na vida,
no que eu sinto,
e no que sei ser verdade,
confio em mim também

Confio em você
toda vez que me diz,
com a sinceridade nos olhos,
com a expressão da verdade,
mudamos de vida

E que bom quando você me inclui no plural,
e eu penso em você em dois, em numeral,
quando a preocupação é de carinho
que a verdade do amor que cuida, conhece

E quem ama de verdade, não precisa de prece,
porque já se guia no bem, e você sempre será, meu bem,
e eu sei que sempre me quis, seu bem, mesmo sem saber como agir

Por mais que tudo mude de rumo,
nossas curvas se encontram de novo,
é um ir e vir, arrumo desculpa para partir
sabendo que ali na frente tem sempre placa de retorno

Retorno, dolorido e culposo,
voltei pra sua vida de novo,
e de novo, e de novo

Porque não há saída para o outro
que encontra o amor, não há;
é um eterno conquistar-se no outro,
e no outro se deixar ir um pouco,
de novo, de novo e de novo…

Interior

De longe eu vim,
já fui aristocrata,
já fui o estopim,
no passado, já fui querubim,
tropecei na vida, e desci

Já reencarnei escravocrata,
até mesmo a senzala, açoita-me;
já fui mulher vendida,
eu já puni nas minhas memórias
embaralhadas

Eu já vendi de frutas a furtos,
renasci, amei poucas mulheres,
mesmo rapazes, quando não escondi;
aos meus ombros, o verme dos vulgares,
já fui cálice, matei na ditadura,
fui do céu ao mais cruel das agruras,
antes de te ditar canduras para refrescar o espírito,
antes de te ditar os velhos mitos da vida,
ser seu mentor, eu vivi

E que propriedade você tem de ser ponte,
entre o que eu fui e hoje o que você é;
quanta credibilidade nessa experiência terrena,
privada de coisas tão pequenas da carne,
um ser de verdade, posto à prova,
não prove nada, abençoe, acalme-se,
refaça-se, seu interior;
interior, seu melhor, o melhor termo,
sem escalas de ser

Estrutural

Não quero nada que fira a minha integridade,
de verdade, sou de safira, em uma parte.
Comprometo-me com o mundo, mas, a essência,
não tenta mudar, não seja covarde…

Tem uma parte do meu espectro
que eu não nego, não abro mão,
sinto dizer que eu não caio em contradição

Sou de várias frentes, muitas formas,
maleável, a verdadeira caixa de Pandora,
mas tem um eixo, a espinha dorsal
que me sustenta desde o meu ancestral…

É o meu norte, o meu ideal,
minha concepção humana,
visão de mundo, mudo tudo,
menos o que me é estrutural…

Em tramitação

Estou em processo
de construção da vida,
de desapego do ego,
de desprendimento de vaidade

Em processo de saber viver,
aprender e aprender ser,
ser melhor, menor,
mas, sem falsa humildade

Estou em processo de metades,
relativizando o que vale a pena.
De verdade, muita coisa já não vale mais,
mais nada, sem curiosidade, sem entrega,
desapega, desencosta, agora e com sinceridade

Estou em processo de verdades
que não foram fabricadas pra machucar,
são só constatações de resultados parciais,
uma vez mais

Estou em processo,
dinheiro não me compra,
situações não me obrigam,
o afeto não me pressiona,
a grita não me cala

Em processo de ser eu mesmo,
de me colocar a par do meu próprio eu,
descobrir onde está a outra parte de mim,
que não cedeu ao mundo de outro,
ao amor de outro, ao calor de outro,
desejo, outro, expectativa do outro,
serei inteiramente meu

Silêncio

Minha palavra não me protege
todo mundo fingiu que não viu,
todo mundo está calado,
nenhuma fala na família,
nenhuma palavra nas escolas,
nenhuma menção no trabalho,
nas redes sociais, nenhum manifesto

Detesto.
O silêncio impune.
Ao menos cinquenta vidas,
humanas, perdidas,
Fobia de homem
fobia de mulher
fobia de amar quem se quer

Silêncio.
Minha palavra não me protege
Poesia de morte de iguais,
de iguais que amam diferente

Um massacre desumano
por ser quem somos
humanos

Fica o manifesto para os homens
civilizados, que usam o lado humano
de respeito ao próximo

Caixões com pano de fundo colorido
hoje, preto e branco.
Não só em Orlando.

Teu amigo

Quem retorna ao teu afeto,
afeta o teu afeto novo
porque, veja, um afeto antigo
quando permanece invicto ao tempo
há tempo paralelo, afeto atemporal

Quem retorna ao teu abraço,
abarca e alarga o teu sentido,
sentido de alegria ou tristeza,
sentido há no retorno

No entorno da lembrança,
ânsia de um tempo interrompido,
um hiato que não deveria ter tido

Quem retorna ao teu carinho,
separa o joio do trigo,
quem lembra de ti de fato
é seu verdadeiro amigo

Dramaturgia

As pessoas não são assim tão diferentes de você,
cada um tem um segredo a mais, uma máscara a mais,
um medo a mais, um defeito que ninguém sabe,
uma verdade oculta, são todos idênticos,
cada um com a sua própria mentira que convence,
aquela que você mesmo acredita e vende

A gente ama uma vez só várias gentes,
em várias frentes, unicamente
unilateralmente, – ou não –

Uma vez só em tempos diferentes,
eis que finda, e ainda prorroga,
insiste, mas agora é tarde
é tarde, aceita a troca,
a virada na vida, assiste
o mesmo filme que eu vi

O que eu vivi,
você interpreta
releitura em outro tempo

Ninguém é diferente
só atua em cenas distintas,
mas vai participar do nosso núcleo

Hoje as cenas repartidas,
já partidas, outras tomadas,
fazem sentido nessa dramaturgia
indiferente

Melodia lunar

Cruzo sua vida
volta e meia, rodeia
e deixo a mão aberta
fim do passo que desencadeia

Sigo em frente
dou a mão a outra gente,
rodopia à minha frente
e a mente, ziguezaguear

Fecho o passo sorrateiramente,
sorridentemente, retiro novo par
e na vida da gente, uma nova música,
toca, e gira, retoma, repete,
com pessoas diferentes
a melodia lunar

Falso passo, o improviso,
o impreciso também coreografa,
abre e fecha, e me arrasta
alastra sua alegria pro lado de cá

E quando não se espera,
o contrário do contrário
que ninguém sabe onde vai dar

Corre e sai pelas laterais,
tangencia as minhas emoções,
expressão do corpo que se joga,
acopla suas pernas na minha vida
e avisa que o número vai fechar

Gerenciamento de Pessoas

Se eu trabalho com processos de pessoal,
não é gestão de pessoas é tarefa de setor,
Se eu trabalho com recebimento de solicitações,
não é gestão de pessoas, é acolhimento de trabalho.
Se eu atendo um pedido de servidor, sou servidor,
não gestor de pessoas.

Gestão de pessoas presume mais:
é o ouvir e o falar, é o diálogo
é saber escutar sem ressalvas
com os cuidados éticos.

É mais do que palavra,
o memorando, o comunicado,
até mais que o poema,
trata-se do zelo primário
com o ser humano

É a pessoa que eu gerencio,
emoção, expectativa, ansiedade.
É o medo, o receio, a fragilidade,
o caos escondido no sorriso fácil,
a dor aguda que só o olhar demonstra,
o cansaço que só a agitação do corpo denuncia

Gestão de pessoas presume mais
são direitos não garantidos,
mas necessários, o que não está escrito,
aquilo que se faz legal por objetivo

Flexibilização

Diretoria de Gestão de Pessoas do Campus Campos-Centro do IFFluminense. Para Mônica Chagas. Porque no início do dia é pedinte, mas no final, expediente
————————
Às vezes sorriso,
às vezes só riso.
Às vezes enérgica,
às vezes fraterna.
Às vezes postura,
às vezes póstuma.
Às vezes litúrgica,
às vezes lírica.
Às vezes rótulo,
às vezes rotula.
Às vezes desculpa,
às vezes se culpa.
Às vezes sábia,
às vezes leiga.
Às vezes carinho,
às vezes caminho.
Às vezes doçura,
mas, às vezes, ácida.
Às vezes diferente,
de repente, indiferente.
Às vezes contagiante,
às vezes desanimada.
Às vezes cansaço,
às vezes o aço.
Às vezes relógio,
às vezes raro ócio.
Às vezes rápida,
às vezes confusa.
Às vezes há cargo,
mas, todas as vezes, humana
flexibilizada na alma
em tempo integral.
Às tantas, há tantas,
numa estrofe só.

Portaria omissa

Para Joelma Vieira, Diretoria de Gestão de Pessoas do Campus Campos-Centro do IFFluminense: o presente de honra de trabalhar com quem sabe o que fala, sabe o que faz e sabe o que ensina.

Poemas são fruto de percepções e não mero desejo do poeta
que cresceu e você viu: o privilégio daquele que se instrumentaliza,
agarra as oportunidades e se reinventa, mas agora, agradece

O que julgam de nós carece de sustentação,
são considerações de quem, não raro,
não sabe o preço que foi pago para se estar aqui

Mas, ainda que digam, os outros,
milhares de contradições a seu respeito,
o meu discurso, nunca se fez sem sentido, você sabe disso.

Tem coisas que não vão publicadas na imprensa oficial,
o respeito, a admiração, o aprendizado não são transmitidos,
escritos, assinados por nenhuma portaria de agradecimento.

Pessoalmente, quase órgão consultivo que delibera,
o postulado público da integridade e lisura,
conforme a moralidade, a honesta conduta da pessoa pública

Daquela que sabe, e sabe que sabe, refutando até a mais alta filosofia,
e nem por isso, deixa de ensinar, e nem por isso, mais ainda,
não deixa de se preocupar com os transtornos que um erro, ainda que humano, causa.

Causa estranheza há muito, diga-se de passagem, que você tenha mudado de conduta,
já não anda mais no máximo estresse, no ápice da bravura, nas falas rígidas,
e venha, sistematicamente, assumindo sorrisos e cuidados, mostrando a vaidade feminina
e ainda que poucos saibam, percebo a alegria da materna coragem.

Passa indiferente aos olhos indiferentes, mudanças sutis, mas significativas
de seu humor e temperamento; hoje, já se permite olhar mais pra si,
e ir afrouxando as amarras da labuta aguda que mais prejudica a saúde do que ajuda

Nesse novo momento, tanto tempo do servir, rendo-lhe os cuidados da palavra,
que não é simples retórica, é presente; daquele que sabe reconhecer o presente…
Na verdade, inteligente é aquele que sabe, na prática, que a prática só gera melhoria
se o aprendiz tiver a oportunidade de conhecer o trabalho de quem realmente sabe muito.

É o rascunho do tempo que vai revisando, alterando,
leia-se: o que for velado pelo tempo é caso omisso,
retifico com esse poema e publico para todos os efeitos

Multi-mulher

Tem coisa melhor na vida
que além de amiga,
ter na mesma pessoa cúmplice,
na mesma colega de trabalho,
a mãe carinhosa, a esposa dedicada,
a irmã mais velha, a tia conselheira,
a professora corajosa,
a mulher valente e determinada,

Tem coisa melhor na vida
que perceber o turbilhão do outro,
e com respeito, na mais profunda admiração,
também porque não dizer, reencontrar
alma amiga, amizade antiga de outra vida
que a vida, generosa, ah a vida,
tratou de duas alegrias com o nosso abraço!

É simples e puro, o verso mudo e calado
que diz muito, que grita a prece do ser,
ser abençoada.

Que me faz acreditar na vida pela força,
que me faz ver a vida mais feliz, sorridente,
que traz ao mundo o mais convincente,
a simplicidade humana, que aprende.

Ter tudo e não ter nada,
ser muito e não Ser nada,
ser visto como grande,
não enxergar nada,
pequenina, dita gigante,
revestida de humanidade.

Aquela que sabe muito,
mas aprende sempre
tão cheia de humildade,
e o pouco que acha que sabe,
divide, reparte em mais da metade

E de tanto se dividir em mil,
como os segundos que a vida goteja,
os minutos aflitos dos compromissos
serão sempre a eternidade

Por tudo que cativa,
por tudo que nos faz parte
multi-mulher, sem muito alarde
com ares, ares de milagre

Oração amiga

Pai, teu amigo íntimo
hoje pede por outro ser divino
que eu chamo de amiga

Restaura essa vida, que já cansada,
já sofrida e abatida, não esquece de amar.
Hoje não preciso da mulher forte, guerreira,
da destemida cheia de confiança em Você.

Quero a alma humana, que falha, que sofre,
que também merece nossos cuidados,
senhor, um instante dela e pra ela,
não me culpe se a lágrima rolar,
hoje a preocupação de carinho que paira no ar
é inteiramente minha para te abençoar.

Quero a alma humana que chora pela distância,
que se apega, agrega e se entrega a outros corações humanos

Sentimento que fala mais alto e a gente vai estudando nas atitudes e arquivado em tudo
que é feito com zelo, amor e esforço.

Declaro respeito e amor ao divino do outro,
quando se lê um coração em pensamento,
o poema vira oração, amiga
amiga, oração

Aposento

Dos requintes de uma história
cheia de memórias que merecem mais,
bem mais que cinco estrelas,
seus aposentos de emoção
escorrem nas veias, nos anos a fio

O fio do destino que nos realoca
nos cômodos da vida,
corredores da alma,
tapete vermelho do coração

Pelo sim, e pelo não
nos rincões do tempo,
nesse momento,
seu aposento merece novos hóspedes

Ainda que tantos já tenham se acomodado
nos seus abraços sempre maternos,
toda a vida se alegra pelo crescimento
desmedido nas vielas do cotidiano

Seu abençoado corpo humano,
que transcendeu os limites da matéria,
que alarga a família, ficará sempre aqui
como um prédio que se ergueu, enfim;

Matéria-prima, prova viva das cidades
que construiu em nós, cheios dos seus aposentos
de amor.

Deferimento de saudade

Quando a sua caneta não puder mais assinar
nenhum benefício, nenhuma solicitação minha,
quando a sua articulação personal-política
for vazia de qualquer cargo comissionado,
quando dizer seu nome deixar de ser vantajoso,
aí sim, estarei mais próximo, mais perto

Quando o amigo precisar de força,
quando o zelo vier à tona,
quando o humano vier primeiro,
colaboro, sem ressalvas

Reitero tudo o que realmente compensa,
a recompensa por tanto cuidado,
por ter me ensinado os princípios,
o mais raso, o mais simples
que todo mundo julga que a gente já sabe,
por ter sido didático mesmo sem formação

Peço que (re)considere quando tudo me volta à mente,
antes mesmo de ser convocado, a entrega de documentos,
a perícia médica – por ter me encaminhado –
pela confiança de sempre, pelo respeito íntegro

Peço que relembre na memória, nesse tempo tão rápido,
as risadas sem medida, o silêncio cheio de mensagem,
as brincadeiras tão espontâneas e as piadas em alarde

A benigna maldade da convivência humana,
que sabe o quanto vale a amizade,
que sabe o quanto tem valor a cumplicidade,
os auxílios que o serviço não compra,
a tranquilidade da criança adulta,
em alegria, em verdade, sinceridade e ajuda,
ciente do que realmente importa,
deferimento de saudade,
do poeta.