Liberto

Vou escrever pornografia
retirem o papel das mãos das crianças,
é melhor rasgá-lo após a leitura
porque a curiosidade causa perguntas
que você não vai conseguir responder

O aviso foi dado, só pra liberar minha consciência:
Que sabe que é ela que libera tudo, não o organismo.
O orgasmo vem primeiro à mente, produzindo
tudo que o desejo incontido reprime

O corpo apenas exprime na carne
o que a alma quer libertar e não sabe:
Por isso, a força bruta, a entrada que sangra,
desvirgina e arranha, desejo não é vaidade

Por isso a língua no canto certo,
a pegada que marca a pele,
por isso as pernas se entrelaçam,
por isso os pulsos se prendem

Por isso meu lado animal na cama,
deixa o lado afetivo para o pós-sexo
deixa o carinho para o pós-venda
quando não houve compra, mas entrega

Por isso, aqui não há metades
alma gêmeas, lamento, essa coisa de sentimento…
Agora é bobagem

Sei que quero o corpo no limite
como faz tempo tem pedido,
os líquidos, fluídos, não darão conta
nem do meu, nem do seu apetite

Coisa muita mais quente, muito além
atitude letal de quem não se preocupa
com o que não deixou de ser ancestral

Por isso, não há dose certa, exagero
por isso me pego em devaneios
muito mais do só querer

É o lençol rasgado pela dor,
molhado pelo ataque que nenhum de nós se poupou,
É o travesseiro encaixado na virilha
e a vida que nasce no urro, no berro incontido
fruto do tudo que foi proibido,
promíscuo somente por quem ainda não amou

Vale as costas arranhadas, a nudez violada,
vale toda carne rasgada, tudo que foi exposto
vale tudo que a outro for digno de nojo,
o prazer guloso

A comida que não se repete,
o mesmo sabor que não volta,
a boca que resseca, sufoca

Tudo que for ereto, aberto,
flerte indelicado, convincente
canibalismo do gozo da gente,
tudo que vier de dentro de mim,
exposto fora de você, cabe mais,
vai mais fundo do que toda palavra
vai, ousada, tentar viver

Cansei de mim

Preciso me reescrever
cansei de mim
os mesmos argumentos
os mesmos nãos
e os mesmos sim

Preciso me permitir
no plural, sair daqui,
cansei de mim

As mesmas músicas,
os mesmos artistas,
as mesmas calças,
as mesmas causas,
os mesmos gostos,
coisa batida

Cansei de mim
os mesmos estilos,
os mesmos toques,
os mesmos pratos,
os mesmos gostos
monótonos

Cansei do meu mundo
as mesmas idas
as mesmas vindas
os mesmos lugares
as mesmas poesias
em diferentes poemas

Cansei das mesmas críticas
a mesma vida, no mesmo horário,
os mesmos programas, os mesmos atos,
os mesmos amigos, o mesmo papo

Cansei disso tudo, estou cansado
os mesmos problemas, os mesmos dramas
os mesmos medos, os mesmos mantras
estou farto dessa coisa repetida
que ninguém repara, só eu

Cansei de mim, meus amores,
os mesmos tormentos,
as mesmas dores,
as mesmas preocupações
sou eu mesmo, uma mesma gente
cansei de ser eu, resolvi ser
indiferente…

Eis a vida

Vamos nós entregando a vida ao destino
do bem e do mal, céu e inferno, simples.
Vamos colocando limites vagos,
ditando tudo, o certo e o errado
pela moral e os bons costumes

Vamos escolhendo pelo que já está posto:
Teorias da existência de cada louco
que convenceu outros tantos outros
da veracidade do papel

Vamos, então, acomodados por baixo,
pelo pouco que nos foi dado,
opções de desgosto

Vamos cessar nossa mente
para novas outras possibilidades
por medo, terror das divindades
tão bem instaladas socialmente

Ignorando tudo o que está colocado,
amostra dos coitados condenados,
vamos fingir que nada disso existe:
O que você poderia dizer sobre a vida?

Fora aqueles que levantaram suas teorias há milênios,
pelos quais você fundamenta a sua opinião há décadas,
quem mais hoje tem coragem de pensar além, há novidade?

A novidade é apenas uma velha amiga
daqueles que pensaram antes de nós
e nos convenceram além-tempo-da-carne

A novidade é apenas uma velha amiga
daqueles que se acorrentaram na preguiça
e se convencem que as dicotomias são o ponto final

A novidade que foi trabalhada eras antes
é a mesma que ainda incomoda lá no fundo
sem os panos loucos da consciência já construída:

Eis a vida: ?