Ligação

A nossa ligação gratuita de outros tempos
chamada 0800, nesse momento parece ser tarifada
nós dois tão cheios de compromisso
temos sido cobrados pelo contato,
impostos altos de uma vida corrida

Interurbano de antes era promocional
nós vivíamos horas conversando
como se o tempo parasse a nosso favor
um minuto, valendo por cinco;
Era outro consumo nos cobrando no fim do mês

Hoje não sei por qual razão
nossa ligação já se faz menos frequente
e em casos já raros de comunicação
um caso banal derruba nossa ligação

Quando um se encontra disponível
e tenta o contato, agora é muito mais rápido
deixar recado na caixa postal

É sempre um de nós ocupado
e do outro lado uma aflição
de falar com a máquina eletrônica

Quem dera ao menos você me atendesse
e me jogasse à espera, que pelo menos assim
restaria uma esperança vindo da cautela

Do cuidado com o amigo, do carinho
que antes era um vício, chamada de prioridade
afinal, tanta ligação era quase serviço de emergência
para carências emocionais, muito mais que pessoais,
um descanso, um momento de quimera

Ah, quem dera voltasse nosso interurbano
ser tão comum como chamada local
ah, quem dera nós dois pudéssemos
sermos isentos do tempo de um vício colateral
que é trabalho, trabalho, trabalho
faltando coragem até para uma simples mensagem de texto,
ou no pior dos casos, chamada à cobrar

Homens e mulheres

Não me interessa se você pega
menino ou menina, ou os dois
isso não me importa

Ame quem você quiser
e não reclame se eu não gosto de mulher
e não reclame se eu não gosto de homem
e não reclame se eu não gosto de nenhum dos dois

Não me interessa quantos você beijou
não me interessa, sinceramente,
quantas você já enrolou dizendo mentiras de amor

Ame quem você quiser
e não tente converter ninguém
e não desmereça ninguém
e não pragueje, meu bem,
porque toda praga é reflexo próprio

Somente me deixe viver do jeito que entendo
ser o mais coerente pra minha vida
Somente me deixe viver, e por favor, respeite-se
não há mau algum em ter decência em meio
às experiências que você escolheu

Ame quem você quiser
Não me interessa se é
homem ou mulher, não importa;
Apenas se respeite e me deixe
ser como eu quiser

E não falo aqui de apologia
nem tão pouco ironia às novas liberdades
mas não tente proibir quem gosta de ser fechado
de se trancar, quando isso também for parte do amor

Pobre coitado

Não sou obrigado a gostar de quem não gosta de mim,
eu suporto, mas não gosto… Quando é possível se afastar…
Vem cá, bem cá entre nós, vou te falar a verdade

Essa falsidade falsificada de amizade
não me engana, nem adianta,
não vem que não tem,
tentando me deixar mal
não vai durar muito ao meu lado

Eu quero é respeito, sim
eu mereço, sim
se está pensando que vai puxar meu tapete,
não tente, não perca seu tempo,
que de tapete eu não caio

Isso é pra quem está lá embaixo, como você,
eu já subi a escada do sucesso, e essa sua inveja
querido, eu não tolero

Eu quero ser bem tratado, sim
eu quero comigo quem me faz bem
e não é qualquer um,
não é ninguém que viva de tratos,
contratos de relacionamento interesseiros

Eu mereço educação, sim
coração, se você pensa que vai me ver por baixo,
muito pelo contrário, eu não me faço de coitado
pra conseguir sequer um mísero trocado

E, meu caro, quando eu estiver por cima de novo,
mesmo quando eu puder pisar no seu calo,
eu estarei muito ocupado sendo feliz
e você, pobre coitado, vai continuar
rastejando ao meu lado se dizendo infeliz….

Decisão

Não quero a opinião de ninguém, nem ouvi-los,
não quero mais assumir nada além de minhas possibilidades, exclusivamente.
Não quero dar esperança a outros de que eu contribuirei para soluções
que são, unicamente, dos seus responsáveis diretos.

Não quero nem rimar neste poema, nem ser obrigado a ter uma métrica,
eu não quero seguir linha nenhuma, nem mesmo estender a mão, cansei.
Não quero mais emprestar meus ouvidos e olhos, e ficar surdo e cego a mim.

Não dá mais. Eu preciso reorganizar o meu interior, e desfazer
as cidades turbulentas da minha alma, para não precisar mais,
nunca mais, pedir exílio no interior dos outros, confundi-os com metrópoles;

Não dá mais para auferir a terceiros aquilo que deveria vir primeiro a mim.

Eu não vou mais sucatear as minhas decisões à deriva,
ao primeiro que quiser brincar de entender o ser humano,
e nem ser dependente das emoções de outros,
além de menosprezar as minhas obrigações, comigo.

Eu não vou mais doar o meu tempo, e depois ter de pagar a outros
pelo tempo de ouvidos ou palavras estudadas, manipuladas, e pensadas
nas cadeiras de consultórios fazendo velório de minha vida parada, quase morta.

Eu não vou me negar mais o dever da decisão, nem da indecisão de dar a cara à tapa,
e nem ter medo de que nela batam por um erro meu, – meu!- mas, -meu!- e, mais, -meu!-
Quero ter esse gosto de dizer que o erro foi meu, – e não seu!- por uma ajuda errada,
ainda que muito bem intencionada, mas uma ajuda sua, da visão sua, de uma decisão sua!

Ao sair da escola

Ao sair da escola, deixo o cenário do conhecimento
abro mão de que minhas potencialidades sejam descobertas;
De fato, ao sair da escola, deixo de lado um tesouro,
um saber que vai além das letras e contas, e das ciências;

Ao sair da escola, abro mão de minha inteligência
para entrar em um estado parasital de longo prazo,
matando em cada passo sem orientação de um sábio,
centenas de milhares de ideias e ideais para o futuro

Mas confesso, ao ficar nas escolas, principalmente,
tratando-se mais claramente das de ensino básico,
percebo o quanto é desestimulante e caótico
tentar entender como aquilo me poderá ser útil
de uma forma tão maçante

E não hesito em dizer nem por um instante
que por mais contraditório que isso pareça ser,
entre leões de crianças sem sentido, ainda que,
o ambiente da sala de aula seja um pandemônio,
ainda nos resta esperança de exorcizar o demônio
da ignorância, ainda que com grandes desafios

Preconceito

Preconceito não se quebra
porque tudo que quebra pode-se consertar;
Preconceito não se diminui

porque tudo que se diminui tende-se a aumentar;
Preconceito tem é de acabar, chegar ao fim, ter um ponto final:
E sem reticencias, novo começo, e o escambau

Finda pre-conceito, finda em meu peito
de qualquer jeito, que não reste resquício,
nem que retorne esse vício de ignorância…

E tem jeito?

E tem jeito de não estar feliz perto de você,
de ser seu amigo, companheiro, verdadeiro?
E tem jeito de não sorrir quando você passa,
e de trocar olhares em meio a praça
com todos já achando graça do nosso namorico
que ainda insistimos veementemente em negar?

E tem jeito de não te admirar com esses seus gracejos
de menina mimada que se faz de difícil, mas não nega,
nem por segundo sequer, o vício de me corresponder?

Mas se eu te faço a corte, e peço permissão ao patriarca,
ainda assim, você fica sem jeito de me conceder a mão
mesmo com tanto dote a disposição…

Será que tem jeito de você parar com esse talento
de moça que sabe ser desejada, mas que não minimiza
essa injustiça de não se entregar ao matrimonio,
só pra consumir meus hormônios e minha paciência?

Tem jeito é de mandinga, coisa bem feita,
trabalho meio amarrado pra me entristecer…

Aceita viver à dois por ordem da união arranjada,
para aumentar suas posses, mas faz pose
negando-se a obedecer nossos costumes

De que mulher deve se entregar ao homem,
e o homem, honrar o seu nome pelo prazer…

Operação pela vida

Qualquer avanço pela vida tem sentido
principalmente quando se corre perigo
assim se faz a esperança dos que sobrevivem
a males desconhecidos

A pele que escama, as feridas que surgem
o que fazer quando nenhum medicamento
cumpre o que vem na bula

Qualquer teste pode ser o fim
se é assim, aceita ser cobaia
em experimento que nunca para
em rato humano de laboratório

Qualquer fio de tecnologia parece o futuro
e cada bem-estar é um alívio profundo
mesmo contra todas as indicações,
todos os alertas das organizações

Quando o corpo parece brinquedo do destino
quando a alma já não aguenta tanta prova de fé
quando a súplica vai além das palavras,
além das lágrimas nos olhos….

Eu imploro à ciência, e aos religiosos
sempre tão rigorosos, que se unam
e que se somem para dividir a cura

Arma verbal

Descobri muito cedo o preconceito
essa arma feita da palavra,
descobri muito cedo a dor das letras

É o meu jeito talvez, a minha maneira de andar
talvez, a forma como eu pisco, quem sabe
quem entende, a cor da pele, é possível?

Por muito tempo pensei ser eu o errado
mas é complicado ter certeza do contrário
Sou apenas um sussurro baixo
contra várias vozes vorazes indignadas por nada

É o meu trejeito, meu esteriótipo
negro, espírita, deficiênte e gay,
é, mas eu não sei ainda a fórmula mágica
para agradar caçadores e presas, às pressas…

Talvez até o gênio da lâmpada
deve ser prejudicado apenas pelos três desejos

E ainda tem homem tentando fazer milagre
apenas com a lucidez da sanidade….

Escravinha

Negrinha da senzala, que demora!
Venha cá e sirva a seu senhor por direito
pois por dinheiro te comprou no mercado

Não poupei um vintém:
Vendi terras, outras escravinhas
porque te quero como minha

Mas não se engane, escrava negrinha
não me deitarei com este teu sangue sujo
não serei imundo e amaldiçoado,
estragando minha linhagem por ti

Escravinha, quero teus serviços
sem regalias, sem prestígio
que isso, te digo, só ao sangue branco

E se insistir, escravinha, com um dos meus,
se eu te ver de graças com os meus herdeiros,
mesmo que te ordenem, escravinha, não ouse!

Coloco-te no tronco, corto tua língua fora,
para que não fales, e nem beijes outro homem puro,
para que não desgrace o meu mundo com o que lhe corre nas veias,
escravinha astuta e desordeira, insolente!

Escolha

Eu escolhi te amar, mesmo sem saber quem é você
Eu sei que é estranho, não dá pra negar,
mas, convenhamos, que simpatia e afinidade
ninguém compreende

Ou você entende, ou você vive:
A primeira opção, se insiste, é em vão
a segunda não nego, não, é difícil,
é como cair ao abismo sem intenção

Ninguém nota no homem, hoje, ninguém nota
coisas que antes se anotava com frequência
o ser de hoje mora na abstinência da solidão…

Eis então a fobia do próximo
de juntar as mãos: Calma eu não te puxo pra baixo,
não é essa a intenção

Eu chego por pura e espontânea vontade
de quem faz arte com o coração,
e o meu objeto de estudo, de inspiração,
se não for o outro, ao meu lado,
é-me até uma contradição

AIDS

Uma hora eu paro lá na esquina
rodo bolsinha, ganho uns trocados
abaixo a calcinha, caio no conto do vigário

Mas se eu for para a esquina,
rodar a bolsinha, tirar a calcinha
e cair no conto do vigário

E se eu voltar pra você, ainda te chamo de otário
porque perdi a calcinha, perdi o dinheiro
mas antes de perder o namorado, eu te passei AIDS

Mistério humano

Ainda que seus ratos girem na roda
e esse rito possa ser deliberadamente observado,
ainda que qualquer cientista possa colher seus resultados,
você homem, o rato social

Ainda que sua pressão possa ser medida
e medicamento possa ser prescrito,
meu caro, não há ciencia sequer no mundo
capaz de demonstrar em papel o que lhe vai ao fundo

E não adianta reproduzir fatos,
e girar na roda, e aumentar o passo,
e não adianta a injeção, a operação,
tão pouco, não adianta dois diagnósticos

O homem, o homem, o homem, eu repito,
– E por enquanto é só assim que pensamos –
jamais terá uma receita, uma forma, um todo

O ser humano, para todos, ainda é um mistério
e pela busca das respostas, um mistério talvez tolo…

Nobel da paz

Colocar-me no outro para a partir dele me entender,
tarefa fácil não é, que o ego não deixa, ou seja,
ser o outro, e abrir mãos dos meus valores, credos,
bandeiras e cores, é complexo.

Aceitar-me como ser igual, sem hierarquia,
ainda que fira meus poderes plenos,
quando me coloco sem juros ao outro
quando não lhe cobro nem o certo,
e quando não lhe julgo tão pouco o errado

Não, eu não estou sendo revolucionário,
nem hipócrita, nem tão pouco ingênuo,
apenas procuro no outro meu próprio entendimento

Uma troca sutil e tão mestra, que os simplistas de plantão,
tendem a achar que eu venho guerrear sem armas, que eu me rendo,
ou, talvez, para aqueles um pouco mais atentos, eu esteja procurando o Nobel da Paz;

Talvez, quem sabe, quando eu encontrar um ponto de equilíbrio na minha existência confusa,
quem sabe eu não me iluda com meras estatuetas colecionadas à mesa, mas um pouco mais de valor,
n’alma que, desculpem-me, pare antes que me enlouqueça