Óculos II

Retirei meus óculos
pela perna direita rapidamente,
cruzei-as sob a mesa e pisquei

Pisquei duas longas vezes
contemplando meu pensamento:
Eu via o que eu pensava
ganhando forma, tocando as pálpebras

Mudei de verso e de poema.
Não escrevo do mesmo jeito.
A dor amadureceu em meu peito
e como filho que a gente carrega
e só agora se dá conta da deficiência,
eu posso falar de verbo aberto e limpo:

Não tenho nada contra meu par de olhos falsos,
tenho enxergado muito bem a vida com eles,
mas é sem eles que me dei conta, patético,
das verdadeiras visões da vida

Estou aqui sim, me desculpe,
se você gosta da mesma pessoa que eu.
Olha pra mim
Olha pra mim
Olha pra mim
tira os óculos também,
mesmo que você não os tenha.
Olha pra mim
vamos, olha pra mim.
Olha bem no fundo de mim

Eu também gosto dele.
Olha ele por mim
cuida dele por mim
que eu vou me ausentar.
Olha ele em mim
que quando eu olho pra mim
só penso nele

Coloco meus óculos de novo.
Dou três piscadas profundas
Eu, ele e você
vemos o mesmo sentimento, o amor

Olha pra mim de novo
Olha pra mim de novo
Olha pra mim de novo
Estamos conversados

Cara a cara

Não é mágoa o incômodo aqui comigo,
não é dor, o que eu tenho vivido
não é sofrido, forçando a barra,
no berro, não é grito

Também não guardo calado
o que vem me consumindo,
e eu não faço desse incômodo
o que move o meu dia, a minha vida
é bem mais que esse tempo que me perco
parado tentando desvendar o que nem consigo

Cara a cara você sabe que meu olho
não tem o mesmo brilho, a minha risada
não tem o mesmo timbre do curtir da vida

Cara a cara você sabe onde a minha pele afundou,
você sabe onde está a ruga, a marca, o traço
novo que você fez tão bem, também, no plano físico

Cara a cara você descobre a lágrima presa por orgulho,
você sabe o quanto a represa guarda desse poço fundo,
você sabe o que me deixa amargurado, mas não admito…

Cara a cara, de cara lavada, você sabe porque tenho me esquecido,
porque eu tenho emudecido cada dia mais e porque eu não ligo.
Cara a cara você sabe qual é o incômodo que vem me destruindo.

A água que eu guardo aqui dentro é para não inundar mais você ainda
porque só eu sei o quanto já o afogaram desde que eu venho te seguindo,
só que das minhas águas você não bebe, não se limpa, nem se suja
porque cara a cara eu sou a água benta que vaza em desequilíbrio